Não muito longe da capital Brasília e dos seus edifícios futuristas que abrigam os principais locais de poder do Brasil, fileiras de vinhas estendem-se até onde a vista alcança.
“Há um potencial real neste terroir”, afirma o enólogo francês Jean-Michel Barcelo, degustando uma uva de cor rubi, delicadamente enrolada entre os dedos após a colheita. Radicado em Perpignan/França, ele vem uma vez por ano visitar a propriedade Villa Triacca, localizada a uma hora de carro da capital. Aos 52 anos, é consultor desta empresa familiar que começou a produzir vinho há seis anos. A viticultura no Distrito Federal é um fenômeno recente, mas a área de vinhedos ali quase dobrou em quatro anos, passando de 45 hectares em 2018 para 88 em 2022, com cerca de dez produtores.
A região centro-oeste, onde está localizada a capital, é um dos polos do agronegócio do Brasil, onde predominam o cultivo de soja, milho e a pecuária.
Mas Barcelo garante que também há o suficiente para instalar ali um centro vitivinícola. Perto de Brasília, ele encontrou condições excepcionais: terreno elevado (cerca de 1.000 metros acima do nível do mar), clima seco e diferença de temperatura de 15 graus entre o dia e a noite durante o inverno austral, época ideal para o amadurecimento dessas uvas. “É uma viticultura muito original e muito diferente do que se vê na maioria dos vinhedos do mundo”, confidencia à Agence France-Presse, diante de uma videira de Syrah.
Trata-se da “poda invertida”, ou “dupla poda”, técnica desenvolvida por pesquisadores brasileiros na década de 2000, que permite fazer a colheita no inverno e assim evitar as chuvas de verão. As vinhas são, portanto, podadas duas vezes, uma no inverno e outra no verão, para serem colhidas nos meses secos, entre julho e agosto, e não no verão, como na maioria das outras regiões da América do Sul. “Eu sonhava em fazer vinho, mas antes de conhecer esta técnica só pensava em fazer vinho de mesa. Depois descobri que aqui era possível produzir vinho de qualidade”, diz Ronaldo Triacca, 57 anos, que abriu espaço para os parreirais em meio às lavouras de soja e milho.
No total, seus vinhedos ocupam seis hectares, com várias castas diferentes: Syrah, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Sauvignon Blanc. No ano passado, elaborou 15 mil garrafas, dentro da cooperativa Vinícola Brasília, que tem previsão de produzir cerca de 150 mil/ano. A maior parte dessas garrafas é comercializada na propriedade ou em lojas e restaurantes especializados de Brasília. “Fiquei surpreso com a qualidade. Não fazia ideia que produziam vinhos aqui em Brasília”, disse à Agence France-Presse, Luciano Weber, morador de Brasília, durante degustação na propriedade Villa Triacca.
Para produzir vinho próximo à capital brasileira, com a técnica de dupla poda, é necessário utilizar um hormônio não convencional, que permite regular o crescimento das videiras. Os produtores locais asseguram que este hormônio “não deixa resíduos” no vinho, mas a sua utilização levanta dúvidas entre os especialistas. “Não sabemos os efeitos desse hormônio, nunca li nenhum estudo sobre ele”, explica Suzanna Barelli, jornalista especialista do jornal Estado de São Paulo. Ela, no entanto, reconhece que os vinhos de Brasília são “de alta qualidade”.
“Muita gente ainda pensa que se um vinho não for francês, argentino, chileno ou europeu, não é bom”, lamenta Felipe Camargo, coordenador da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF). “Mas rapidamente faremos com que mudem de ideia”, alerta.
Eu, entusiasta dos vinhos nacionais, especialmente dos vinhos de Cerrado brasileiro, traduzi e transcrevo aqui esse artigo que recebi da Organisation Internationale de la Vigne et du Vin (12 Parvis de l’UNESCO 21000 Dijon/France).
Por Rachel Alves Nariyoshi