Liz Elaine Lôbo
Como chefe da missão diplomática do Egito desde novembro passado, Wael Aboulmagd se adaptou rapidamente à vida e ao trabalho no Brasil, bem como às novas condições impostas pela pandemia de Covid-19. A celebração da Revolução Egípcia de 1952 não pôde ocorrer com uma festa, mas o diplomata continuou cumprindo seus deveres, embora em um ambiente virtual, com o objetivo de fortalecer e ampliar o relacionamento bilateral egípcio-brasileiro em todos os seus aspectos. Aboulmagd foi Vice-Ministro de Direitos Humanos e Assuntos Humanitários e Diretor de Assuntos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável do Cairo, além de trabalhar na missão do Egito na ONU em Genebra, em Nova York e nas embaixadas egípcias em Nova Délhi e Washington DC e também atuou como embaixador no Canadá.
Em sua entrevista à revista Embassy, Aboulmagd respondeu às nossas perguntas sobre o declínio no setor de turismo do Egito, o conflito com a Etiópia por uma barragem no rio Nilo e a exposição de material militar que o país realizará em dezembro com a participação do Brasil como bem como outras questões. O embaixador anunciou que, em 27 de julho, os Ministérios das Relações Exteriores do Egito e do Brasil realizarão sua 6ª rodada de consultas no nível de Ministro Adjunto das Relações Exteriores. Leia a entrevista completa agora.
Embassy – Em 23 de julho o Egito comemora o aniversário da revolução. O que o senhor acha que o país tem para comemorar?
É uma celebração para comemorar a criação da república, o início da construção de um novo Egito independente, com a dignidade e a prosperidade de seu povo em seu cerne. Desde 1952, não medimos esforços para construir relações com todos os países com base no respeito mútuo e, historicamente, somos líderes na busca da independência de todos os países em desenvolvimento da Ásia, África e América do Sul. Estamos orgulhosos de nosso papel nesse sentido e dos fortes laços que construímos com os países ao redor do mundo e de nosso papel em trazer a paz à nossa região.
Embassy – Como está a situação da pandemia no Egito que registrou o primeiro caso de Covid-19 no continente africano?
Embora os números no Egito não sejam excepcionalmente altos, ainda lamentamos a perda de qualquer morte. Nós passamos por várias medidas desde o início, incluindo o toque de recolher noturno e o fechamento total de nossos aeroportos e outras medidas. Até agora, conseguimos controlar relativamente a situação e, atualmente, estamos em condições de remover gradualmente algumas restrições, sem ainda autorizar grandes eventos. E, apesar das mortes que permanecem pouco mais de 4000, estamos cientes da necessidade de vigilância contínua. Para começar, as principais cidades turísticas ao longo do mar vermelho estão abertas ao turismo limitado, com restrições e diretrizes de segurança, e esperamos poder abrir gradualmente outras áreas e mais atividades, à medida que a pandemia diminui e fica sob controle relativo.
Embassy – Como estão as relações diplomáticas e comerciais do Egito com o Brasil?
É um relacionamento muito especial, uma vez que os dois países compartilham muitos pontos em comum e valores entre eles, o respeito pelo Direito Internacional e a defesa dos interesses compartilhados dos países em desenvolvimento, bem como o papel de liderança de ambos nas respectivas regiões. Ambos os países continuam a coordenar suas posições em fóruns multilaterais e suas relações comerciais estão florescendo com um tamanho médio de cerca de 2,5 a 3 bilhões de dólares por ano. Os Ministérios das Relações Exteriores do Egito e do Brasil realizarão sua próxima rodada de consultas – anualmente – no dia 27 de julho, onde serão discutidas todas as questões bilaterais, regionais e multilaterais.
Embassy – O Egito e a Etiópia estão tendo conflitos pela represa do Nilo que o governo da Etiópia começou a encher. Qual o motivo desse desacordo?
O conflito gira em torno da construção de uma mega barragem no Nilo (foto), na Etiópia, que tem o potencial de causar danos significativos aos países a jusante, Egito e Sudão. O Egito enfatizou consistentemente que apoia qualquer projeto de desenvolvimento para gerar energia para o povo etíope. De fato, nós nos oferecemos para ajudar nesse projeto. Mas, ao mesmo tempo, enfatizamos claramente que esse projeto não deve causar danos aos países a jusante e não deve violar o requisito da lei internacional de consentimento e consulta prévios. Também enfatizamos o fato de que o Egito depende do rio Nilo para 95% de suas necessidades de água e, portanto, embora seja uma necessidade de desenvolvimento para a Etiópia, é uma questão existencial para o Egito. Nos últimos anos, nos envolvemos de boa fé em negociações prolongadas que até o momento não levaram a um acordo sobre o enchimento e operação da barragem, inclusive com o envolvimento dos EUA e do Banco Mundial. Infelizmente, nossos colegas etíopes se recusaram a assinar esse acordo, apesar de participarem das negociações. Continuaremos a buscar um acordo negociado sobre este importante assunto, inclusive através da União Africana e, se necessário, através do Conselho de Segurança da ONU. Mas todos devem perceber a gravidade dessa questão e seu potencial para criar conflitos em um momento em que todos deveríamos estar buscando cooperação.
Embassy – O Egito tem um setor de turismo muito forte. O governo criou um tour virtual e só recentemente reabriu as pirâmides para visitas. Como você avalia e como será o turismo no país?
Sim, a indústria do turismo no Egito é forte, experiente e altamente profissional. Naturalmente, a receita do turismo caiu drasticamente como consequência da atual pandemia, mas recentemente começou a ser relançada novamente. Estamos avançando cautelosamente, já que a saúde e o bem-estar de todos são fundamentais. Queremos um retorno seguro, sem medo, e, portanto, estamos abrindo gradualmente, começando com algumas das cidades costeiras próximas ao mar vermelho. O setor foi certamente muito afetado, com rendimento próximo a zero de março a julho. No entanto, já estamos vendo um aumento na receita. Também estamos iniciando os preparativos para a abertura do Grande Museu Egípcio (foto acima), GEM, um dos maiores do mundo e deve ser oficialmente inaugurado em 2021. Ele abrigará a maior coleção do gênero e está localizado a apenas 2 km das Pirâmides. O governo está planejando um megaevento para sua inauguração. Também sobre o tema do turismo, temos o prazer de anunciar que em breve iniciaremos uma rota direta da Egyptair entre São Paulo / Cairo, na qual acreditamos que aproximará ainda mais nossos países. Agora, os brasileiros acharão mais fácil aproveitar não apenas as glórias do Egito antigo, mas também tudo o mais que o país tem a oferecer, incluindo alguns dos melhores locais de mergulho do mundo, sol o ano inteiro, além de um cenário artístico e cultural extremamente vibrante .
Embassy – O Egito descobriu no sudoeste do país um depósito de ouro contendo mais de um milhão de onças. Quão importante é essa descoberta para o país?
É certamente uma descoberta bem-vinda e as exportações de ouro já representam uma porcentagem de nossas exportações totais. No entanto, nosso foco econômico agora está mais na construção e modernização de nossa base industrial, investindo em pesquisa e desenvolvimento, aumentando nossa produção agrícola e aproveitando o progresso já feito em nosso forte setor de telecomunicações e TI.
Embassy – O Egito promoverá a Egypt Defense Expo, uma exposição de material militar, em dezembro. O Brasil já confirmou sua presença?
Sim, será uma oportunidade de mostrar nosso forte setor de produção militar e talvez haja potencial para assinar acordos entre as partes interessadas. Esperamos uma participação ativa do Brasil e esperamos que as circunstâncias da época o permitam, uma vez que representará mais uma área de expansão de nossas relações bilaterais, inclusive por meio da troca de conhecimento e experiência neste setor vital.
Embassy – Gostaria de adicionar algo ou discutir outro tópico?
Como falamos sobre a maioria dos aspectos da relação, exceto o aspecto político, permita-me observar que todas as relações entre dois países testemunharão áreas de acordo político, bem como questões em que possa haver discordância. A posição do Brasil em relação ao conflito no Oriente Médio tem sido consistente com o Direito Internacional e com base no respeito das resoluções da ONU. O Brasil também tem sido historicamente um firme defensor dos direitos dos povos sob ocupação ou colonização de serem livres e independentes. Agora estamos vendo uma mudança nesse sentido, que se reflete em inúmeras mudanças nos votos brasileiros em fóruns internacionais, bem como em pronunciamentos sobre o status de Jerusalém. Permitam-me enfatizar que o Egito foi o primeiro país a concluir um tratado de paz com Israel e, desde então, não poupou esforços para levar a paz à região em benefício de todos os povos, árabes e israelenses. Portanto, continuamos a instar nossos amigos em todo o mundo a adotar posições que contribuirão para trazer a paz à região. Comunicamos nossas opiniões a esse respeito a nossos amigos no Brasil e continuaremos a fazê-lo, e confiamos que, como sempre, eles desempenharão um papel construtivo nesse sentido.
Assista agora ao vídeo promocional do ministério do turismo egípcio preparou para o retorno das atividades do setor, depois de tomar todas as medidas de precaução para receber os turistas novamente
https://www.facebook.com/moantiquities/videos/720202358805369/?t=0