Uma nova crise no Mercosul não seria novidade. O bloco, que foi criado há 25 anos atrás, com a assinatura do Tratado de Assunção em 1991 por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, já havia passado por turbulências políticas anteriormente. Dentre as crises políticas enfrentadas pelo bloco, uma que chama a atenção é a incorporação da Venezuela ao bloco no mesmo período que ocorreu a suspensão do Paraguai, com a justificativa de que o país havia rompido a cláusula democrática em razão do processo de impeachment que destituiu o então presidente Fernando Lugo.
Mais recentemente o bloco enfrentou (e ainda enfrenta) desafios relacionados à transferência da presidência pro-tempore do Uruguai para a Venezuela. Brasil, Paraguai e Argentina foram vocais em negar a legitimidade do país em exercer a presidência do bloco, e fundamentaram suas posições, sobretudo, na instabilidade da democracia e do sistema político da Venezuela.O Uruguai encerrou seu mandato em julho do ano passado, cumprindo com os seis meses que cada país assume com a presidência do bloco. A prevista transferência da presidência para a Venezuela – de acordo com a ordem alfabética, conforme definido pelas regras do Mercosul -, não ocorreu.
Com efeito, Brasil, Argentina e Paraguai demonstraram oposição à presidência da Venezuela alguns meses antes do mandato do Uruguai terminar. Os três países alegaram que o país governado por Nicolás Maduro, para além de ser baseado em um sistema democrático altamente questionável, vinha apresentando problemas político-econômicos graves, que impactariam diretamente no cumprimento dos requisitos para assumir a presidência, exigidos pelo Mercosul.
A reunião da Cúpula de Presidentes do bloco, que aconteceria em meados de julho e a reunião do Conselho, que deveria acontecer no dia 30 do mesmo mês, foram canceladas. Como consequência, o Mercosul ficou sem a presidência definida até que a situação com a Venezuela fosse resolvida. Diante desse impasse, os quatro países fundadores reuniram-se em 13 de setembro para decidir o destino na nação caribenha dentro do bloco. O resultado da reunião foi o ultimato dado à Venezuela: o país precisa adequar importantes normas e acordos do Mercosul ao ordenamento jurídico venezuelano[1].
Se até o dia 1º de dezembro de 2016 a Venezuela não tomasse as providências necessárias e continuasse descumprindo com suas obrigações de membro do bloco, seria suspensa definitivamente do Mercosul. E a Venezuela não conseguiu incorporar o total das normas técnicas exigidas, sendo a principal, o Acordo de Complementação Econômica nº 18. Tais normas definem a identidade, forma e funcionamento do Mercosul e até o prazo estabelecido para o cumprimento dessas normas.
Desta forma, o Ministério das Relações Exteriores divulgou uma nota explicando que os Chanceleres do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai legitimaram, no dia 13 de setembro de 2016, a “Declaração Relativa ao Funcionamento do Mercosul e o Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela”.
A Declaração estabeleceu que a presidência do Mercosul no semestre agosto -dezembro 2016, não seria passada para a Venezuela, assim, foi exercida de forma conjunta entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Estes países têm plena condição para definir ações e adotar as decisões necessárias de cunho econômico-comercial e ainda, outros temas fundamentais para a não paralisação do bloco.
Então no dia 02 de dezembro de 2016 o Ministério das Relações Exteriores do Brasil anunciou que a Venezuela foi suspensa do Mercosul. Os países fundadores do bloco chegaram a essa decisão quando venceu o prazo determinado em setembro do ano passado, para que Caracas cumprisse as obrigações de adesão ao Mercosul.
Impacto do impasse para o Brasil – Vários setores da indústria brasileira sofreram as consequências desse impasse no Mercosul, principalmente com a importação de alguns insumos, fundamentais para a incorporação a bens finais produzidos e exportados pelo país. São pleitos solicitados pelo setor privado e os itens são bem variados: vão de fios de raion de viscose a cones de lúpulo, usados na fabricação de cervejas
Muitos desses insumos – a maioria matéria prima industrial – fazem parte de uma série de pedidos que aguardam a decisão do Mercosul para que a redução da alíquota do imposto de importação seja concedida. Para tanto, existe um mecanismo de redução da tarifa do imposto de importação instituído no Mercosul, incorporado pela Resolução do Grupo Mercado Comum do Mercosul – GMC nº 08/08, para que seus países membros possam garantir um abastecimento normal e fluido de produtos considerados em situações de desabastecimento[2].
Justamente por ser uma medida de âmbito Mercosul, todos os países do bloco devem aprovar os pleitos. Como as reuniões no Mercosul não estavam ocorrendo de maneira regular, os processos ficaram com análise suspensa, prejudicando o processo produtivo da indústria nacional. Contudo, o governo brasileiro sensibilizado com o tema e buscou saídas para mitigar os efeitos da crise no Mercosul, como agilização de análise dos pleitos de redução tarifária usando mecanismos que não dependam tanto das decisões do bloco.
De fato, alguns insumos importantes para a indústria tiveram alíquota do imposto de importação reduzida para 2% publicados na primeira semana de novembro passado: MDI polimérico, filme de polivinilbutiral, cabos acrílicos e tintas para impressão. Além disso, foi incluída com 0% de imposto de importação a soroalbumina humana, hemoderivado de amplo uso na saúde.
(*) Monica Rodriguez é Bacharel em Administração pela UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina e com MBA em Administração Global também pela UDESC. Concluiu os cursos de Multilateral Trade Agreements e Medidas sanitarias y fitosanitarias, OMC – Organização Mundial do Comércio. Mestranda em Administração no CESUSC e Universidade Lusófona de Lisboa, Portugal.