Eliane Oliveira
BRASÍLIA – Após a situação de pânico com a propagação do novo coronavírus (COVID-19), que levou o governo chinês a isolar em regime de quarentena quase 20 milhões de pessoas, a epidemia já está praticamente contida dentro do país e não haverá dificuldades para fornecimento de suprimentos de peças para empresas brasileiras, principalmente dos setores automotivo e eletroeletrônico.
A informação é do embaixador da China em Brasília, Yang Wanming, que, em entrevista ao GLOBO, afirma que este é um problema passageiro e de curto prazo. O diplomata também acredita que não haverá redução das importações de produtos brasileiros, como soja e carnes, por causa da doença. Com o fim do surto, a demanda de consumo acumulada na China será liberada rapidamente, diz Wanming.
Em comparação com a disseminação fora da China, a epidemia parece estar sob controle dentro do país, conforme o noticiário internacional. A COVID-19 representa um grande desafio tanto para a China como para o mundo. Perante essa séria prova, a China tomou as mais abrangentes e rigorosas medidas de prevenção e controle. Atualmente, essas medidas estão produzindo efeitos, de maneira que a epidemia já está preliminarmente contida dentro da China, com a queda contínua de novos casos confirmados, a crescente taxa de altas hospitalares e a retomada gradual das atividades econômicas.
Em que medida o coronavírus está afetando a economia chinesa?
O COVID-19 realmente trouxe desafios para a economia chinesa, com impactos mais acentuados para o setor de serviços, como restaurantes, turismo e entretenimento. Esse impacto, porém, é de curto prazo, temporário e controlável. Não foram alterados os fundamentos para que a economia melhore a longo prazo e continue com um crescimento de alta qualidade. Por outro lado, o combate à epidemia apresentou oportunidades para alguns setores, por exemplo, manufatura inteligente, entrega autônoma, consumo on-line, educação e consulta médica à distância viveram uma forte alta, o que contrabalançou em parte o impacto negativo.
Quais as principais medidas que a China adotou para redução do impacto na economia?
Várias medidas já foram implementadas ou estão prestes a ser lançadas, principalmente nos seguintes aspectos: Em primeiro lugar, promover a retomada da produção e do trabalho conforme o grau de riscos das regiões. Nas localidades de baixo risco, onde há poucos casos acumulados e não tem havido mais casos confirmados, deve ser plenamente restabelecida a normalidade da produção e de vida. Nas áreas de risco médio, deve-se retomar o trabalho gradualmente à medida que a epidemia regredir. Já nas regiões de alto risco, deve-se manter o rigor das medidas de prevenção e controle. No âmbito da política fiscal, foram introduzidas várias reduções de impostos e taxas, e novas medidas ainda estão por vir. Será intensificada a transferência de recursos para as regiões gravemente afetadas, dando suporte à retomada do trabalho em setores-chave e às micro, pequenas e médias empresas. Já na política monetária, serão aperfeiçoadas as formas de apoio financeiro, a fim de resolver as dificuldades das empresas em termos de fluxo de caixa e aumento do financiamento. Em terceiro lugar, garantir o bem-estar básico da população. Assegurar o emprego é uma prioridade através de políticas como reduções temporárias dos encargos sociais e subsídios ao emprego. Trabalhamos também para garantir o abastecimento de itens de primeira necessidade e evitar uma disparada dos preços. E em quarto lugar, serão lançadas mais iniciativas de facilitação do comércio para simplificar ainda mais as formalidades aduaneiras, reduzir os custos não tarifários e proteger a cadeia produtiva e de suprimento do comércio exterior.
Há setores no Brasil que afirmam estarem tendo dificuldades para importar componentes da China. O sr acredita que a China poderá retomar a produção aos níveis anteriores rapidamente?
Soube que, ultimamente, empresas brasileiras nos setores eletrônico e automotivo se queixaram das dificuldades de suprimento de peças e componentes importados da China. Acredito que esse é um problema passageiro e de curto prazo, a epidemia não vai alterar a capacidade produtiva de todos os setores industriais da China nem sua importância na cadeia de suprimento global. Neste momento, o governo chinês está priorizando as ações para garantir a retomada da produção nas empresas internacionais e nos seus fornecedores que tenham grande peso na cadeia de suprimento global, promovendo a retomada articulada da produção a montante e a jusante em indústrias como a automotiva e a eletrônica. Até o dia 25 de fevereiro, 78,9% das grandes e médias empresas chinesas já haviam retomado a produção e a taxa aumenta para 85,6% nas grandes e médias indústrias manufatureiras. Prevê-se que até o final de março, essa taxa cresça para 90,8% no quadro geral e para 94,7% na manufatura em particular. À medida que recupera a normalidade de suas atividades empresariais, a China terá maior capacidade de assegurar o abastecimento da cadeia produtiva mundial.
O governo chinês tem alguma previsão de quando a situação vai se normalizar?
De acordo com os modelos estabelecidos pela equipe de especialistas epidemiológicos da China, estamos confiantes de que até o final de abril o surto estará basicamente controlado e será restaurada a normalidade do trabalho e da vida.Existe a possibilidade de haver redução das importações de commodities do Brasil, como soja, carne e minério de ferro, devido à desaceleração da economia chinesa?
De acordo com as estatísticas do governo brasileiro, em fevereiro deste ano, as exportações para a China aumentaram mais de 20%, e os principais itens, como soja e carne, não foram afetados. A meu ver, mesmo que a epidemia tenha impacto nos embarques para a China a curto prazo, não vai mudar a tendência da sofisticação contínua do consumo da população chinesa. Com o fim do surto, a demanda de consumo acumulada na China será liberada rapidamente, contrapondo-se aos efeitos negativos da epidemia. A China tem a maior e a mais crescente classe média do mundo, com um enorme potencial de consumo, e o comércio sino-brasileiro tem alta complementaridade. Do ponto de vista de médio e longo prazo, a demanda chinesa por produtos diferenciados do Brasil não vai diminuir, mas sim aumentar.
A China tem sido um importante destino para estudantes e empresários do mundo inteiro. Essa parte está comprometida?
A curto prazo, houve certas restrições à movimentação de pessoas entre a China e o mundo no intuito de impedir a propagação da epidemia. Mas os efeitos também são temporários. A China é o maior destino de estudos na Ásia, com mais de meio milhão de estudantes internacionais matriculados. Há mais de novecentas mil empresas estrangeiras na China, 2% do total das empresas cadastradas no país. No ano passado, em média, mais de 120 empresas estrangeiras investiram na China por dia. Desde o início da epidemia, grande número de estudantes e funcionários internacionais optaram por permanecer na China, ou até mesmo em Wuhan. Músicos brasileiros que vivem no país, por exemplo, fizeram uma canção bilíngue para torcer pelo povo chinês. Um estudante brasileiro que foi repatriado de Wuhan me escreveu para expressar o desejo de voltar lá o quanto antes para continuar seus estudos.
O coronavírus vai atrapalhar as negociações entre EUA e China para o fim da guerra comercial?
A China opõe-se firmemente a uma guerra comercial e sempre se empenhou em encontrar solução para qualquer problema através do diálogo em pé de igualdade. A nossa determinação em manter esta posição é firme e não será perturbada pela epidemia. O acordo da primeira fase, alcançado pelas duas partes em janeiro deste ano, é benéfico para a China, os Estados Unidos e o mundo inteiro, e mostra mais uma vez que os dois países têm todas as condições de solucionar adequadamente as questões relevantes através de diálogos e consultas, com base na igualdade e no respeito mútuo. Para implementar o acordo, o governo chinês anunciou a redução pela metade das sete tarifas adicionais aplicadas sobre parte dos 75 bilhões de dólares em produtos importados dos Estados Unidos, e a medida entrou em vigor em 14 de fevereiro. O presidente Trump (Donald Trump, presidente dos EUA) também expressou várias vezes a sua disposição de trabalhar com a parte chinesa para colocar em prática o acordo e promover as relações bilaterais. Em uma conversa telefônica com o presidente Trump no mês passado, o presidente Xi Jinping expressou o desejo de que os dois lados se encontrem no meio do caminho, implementem o consenso alcançado pelos dois chefes de estado, persistam no tom geral de coordenação, cooperação e estabilidade e favoreçam o desenvolvimento das relações bilaterais nos trilhos corretos.