O direitista Guillermo Lasso se distanciou da proposta de Lula de reativar a União de Nações Sul-americanas, mas disse que ‘diferenças deverão ser conversadas’
Por Janaína Figueiredo — Brasília
Com o resultado das últimas eleições presidenciais latino-americanas, o governo direitista de Guillermo Lasso, no Equador, perdeu aliados importantes e ficou isolado, numa região onde a esquerda voltou a pisar forte. O chefe de Estado equatoriano participou da posse de Luiz Inácio Lula da Silva e teve uma reunião bilateral com o novo presidente, com quem, segundo disse ao GLOBO antes do encontro, pretende trabalhar conjuntamente em temas como preservação da Amazônia, atuação no Conselho de Segurança da ONU (onde ambos os países ocupam vagas rotativas), combate à fome e ao narcotráfico. Perguntado sobre a proposta de Lula de reativar a União de Nações Sul-americanas (Unasul), Lasso se descolou: “Sem menosprezar uma cúpula para falar de temas ideológicos, as pessoas esperam conversas que gerem oportunidades para elas.”
Seu governo tem posições ideológicas diferentes das do governo Lula. Acredita na possibilidade de uma relação pragmática com o Brasil?
Sim, é o que fizemos nos últimos 20 meses, desde que chegamos ao poder. Temos relações pragmáticas porque representamos nossos povos, não grupos ideológicos. Apostamos numa relação pragmática com o Brasil também. Em minha conversa com Lula, quero conversar principalmente sobre três temas. Primeiro, a fome, que sei que é algo que o preocupa e a mim também, pensando especialmente nas crianças. Quatro horas após assumir o poder, assinei um decreto que criou uma direção de combate à desnutrição crônica infantil. Este programa foi se consolidando, apoiamos as mães e seus filhos até os 2 anos de idade. Nos encarregamos de que tenham vacinas, quatro refeições diárias e uma ajuda econômica para as mães. Em segundo lugar, a Amazônia: quero falar sobre nossa experiência e de como o mundo recebeu a ampliação da reserva marinha das Ilhas Galápagos. Vim com meu ministro do Meio Ambiente e vamos fazer uma apresentação sobre nosso interesse comum em preservar a Amazônia. Fazer uma cúpula de países amazônicos seria um primeiro passo interessante, acima de qualquer questão ideológica, para falar sobre preservar o meio ambiente.
Qual é o terceiro tema da agenda bilateral que o Equador propõe?
A questão da segurança. Esta semana, iniciamos um mandato como membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas [mesmo status do Brasil] e vamos estar juntos. Queremos coordenar ações conjuntas nesse âmbito. Esperamos que possamos conversar, articular, e se existirem diferenças, que sejam respeitadas num ambiente de diálogo. Nós defendemos a defesa do direito internacional e do multilateralismo. Também queremos falar sobre temas de segurança interna do Equador, ver como o Brasil pode nos apoiar.
O senhor vai pedir apoio em alguma questão específica?
Vou contar o que estamos vivendo em matéria de narcotráfico, a luta que estamos enfrentando frontalmente. Em 2022, apreendemos mais de 200 toneladas de drogas, quase dez vezes a média dos últimos dez anos. O narcotráfico é um tema da região.
Sim, que já estamos controlando. Fizemos uma intervenção das Forças Armadas e da polícia nas prisões, recuperamos o controle. O que encontrei quando cheguei ao governo foi uma instituição paralela que controlava as prisões. Tivemos de criar uma política de reconstrução penitenciária, respeitando os direitos humanos. Fizemos um censo e, com base em seu resultado, aplicaremos uma política de indultos para liberar presos que estejam detidos por delitos menores, ou que já tenham cumprido suas condenações.
O senhor considera que Equador e Brasil enfrentam ameaças similares em matéria de segurança regional?
Sim, o narcotráfico, que é um tema da região. Uma diferença, talvez, é que no Equador você levanta um tapete e encontra lixo que estava lá escondido.
Qual é a origem das drogas apreendidas?
Principalmente a Colômbia. Já falei com o presidente [Gustavo] Petro para que trabalhemos juntos. Já houve uma primeira reunião entre generais de nossos Exércitos para coordenar operações táticas e evitar que as drogas entrem pela fronteira.
Para Lula, a integração regional é essencial e a decisão de reativar a União de Nações Sul-americanas (Unasul), cuja sede está em Quito, está tomada. Como seu governo, que não concorda com esta decisão, vai se posicionar?
Essa proposta deveria ser destrinchada, melhor analisada. Nós defendemos a integração comercial, o que gere e promova investimentos. Defendemos a integração através do comércio e dos investimentos. Já falamos sobre isso na Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e todos os presidentes mencionaram a União Europeia (UE) como uma referência. Nossa proposta seria criar uma grande zona alfandegária na América do Sul, começar pela integração comercial.
A integração política que significaria a retomada da Unasul é vista com desconfiança?
Não se trata de desconfiança. As pessoas estão esperando uma oportunidade. Querem um emprego, querem empreender, poder integrar-se aos desenvolvimento. Isso só é possível com comércio e investimentos. Sem menosprezar uma cúpula para falar de temas ideológicos, as pessoas esperam conversas que gerem oportunidades para elas.
Nas últimas eleições latino-americanas, foram eleitos vários presidentes de esquerda, e o Equador ficou mais isolado. Como o senhor se sente nesse novo cenário?
Entendemos as relações internacionais como a defesa dos interesses de nossos povos. Os presidentes [da Argentina, Alberto] Fernández, [da Colômbia, Gustavo] Petro, [do Chile, Gabriel] Boric, e Lula são pessoas com as quais espero ter magníficas relações. O fundamental é o pragmatismo, e deve pesar principalmente o interesse de nossos povos.
A ideologia pesa menos hoje nas relações entre governos da região?
A integração em temas como segurança, comércio e investimentos são os que devem guiar nossas conversas. Vou propor a Lula que troquemos experiências, por exemplo sobre combate à fome.
O senhor já conhecia Lula?
Pessoalmente o conheci na posse. Espero que nesta primeira conversa comecemos a nos conhecer mais. Mas conheço Lula como figura e o reconheço como um líder regional e global, acho que sua volta à política brasileira é positiva.
Como foi sua relação com o governo Bolsonaro?
Tivemos uma boa relação com o Brasil, e isso é importante para o Equador. Os governos são transitórios, mas os povos são permanentes. Esperamos aprofundar ainda mais essa relação com Lula.
O senhor fala no respeito às diferenças. A questão Venezuela será uma delas, já que seu governo não reconhece Nicolás Maduro como presidente…
Isso se resolve conversando. A prioridade para o Equador é o povo venezuelano. Nós acolhemos os venezuelanos através de um decreto executivo bastante aberto e inclusivo. Já legalizamos 150 mil deles, que recebem saúde e educação gratuitas, além de outros serviços do Estado.
Em matéria de combate às mudanças climáticas, o senhor acha que os países amazônicos deveriam ter uma voz e posições comuns?
Sim, e podemos participar de cúpulas como um bloco.
O aumento do desmatamento no Brasil é uma preocupação?
Nossa expectativa é de que isso possa ser revertido e possamos ter uma posição global diante do mundo, que possamos oferecer a Amazônia em troca de recursos financeiros. Merecemos isso por conservarmos este grande pulmão do mundo. Temos uma oportunidade financeira.