Na acirrada corrida pelo Palácio do Eliseu, as propostas de governo vão de um extremo ao outro do espectro político
Alarmados pela volta da ameaça terrorista, os franceses participam hoje do primeiro turno de uma das eleições presidenciais mais imprevisíveis das últimas décadas. Quatro candidatos disputam duas vagas no segundo turno, separados nas intenções de voto por uma margem de seis pontos percentuais e com 20% a 25% de indecisos. A sucessão do socialista François Hollande deve ser resolvida entre os dois primeiros colocados, em 7 de maio. Na acirrada corrida pelo Palácio do Eliseu, as propostas de governo vão de um extremo ao outro do espectro político. Com dois eurocéticos e dois entusiastas da integração regional no páreo, o desfecho do processo pode ter impactos profundos para o futuro da União Europeia (UE).
O país vai às urnas três dias depois de o grupo jihadista Estado Islâmico (EI) reivindicar a autoria de um tiroteio na mais famosa avenida de Paris, a Champs Elysées, onde um atirador matou um policial e depois foi morto. Embora os efeitos do incidente no comportamento do eleitorado não tenham ficado imediatamente claros, analistas consideram que a ameaça de segurança deve impulsionar a líder da Frente Nacional (FN, extrema-direita), Marine Le Pen, e garantir sua vaga no tira-teima. “A grande questão é saber quem disputará o segundo turno com ela, pois não há dúvidas de que esse incidente terá reflexos sobre a votação e pode servir de alavanca para Le Pen”, observa Estevão Martins, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
Sondagens eleitorais, no entanto, desenhavam um cenário pulverizado, no qual nenhum dos concorrentes despontava como franco favorito. Na pesquisa da consultoria PrésiTrack OpinionWay/ORPI, divulgada quarta-feira, o centrista Emmanuel Macron liderava com 23% das intenções de voto, um ponto percentual à frente de Le Pen. A dupla era seguida pelo direitista François Fillon, com 20%, e pelo ultraesquerdista Jean-Luc Mélechon, com 19%.
Apesar de Macron estar à frente dos demais, e de Mélechon ter experimentado um salto nas pesquisas às vésperas da votação, Martins observa que Le Pen explora o medo dos franceses com seu discurso anti-imigrante e nacionalista, cuja eficácia é ampliada diante da sensibilidade provocada por um ataque como o de quinta-feira. “A campanha eleitoral deste ano foi tensa e cheia de surpresas. Com exceção de Macron, os candidatos estão abaixo de uma linha de mediocridade impressionante”, comenta.
Uma das fragilidades de Macron e do movimento Em Marcha! é justamente a volatilidade dos apoiadores. Com um discurso centrista, que rejeita os tradicionais rótulos da política francesa, a indefinição em um momento de sensibilidade social pode ser seu calcanhar de Aquiles. As chances do jovem aspirante à presidência de vencer o extremismo de Le Pen no segundo turno, no entanto, são consideradas promissoras.
Dúvidas – Para Marcos Vinícius de Freitas, professor de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), a indefinição da disputa é consequência de um sentimento de ausência de representatividade, em meio ao enfraquecimento das forças políticas tradicionais — republicanos e socialistas — e a uma coleção de fatores negativos. “O desemprego na França está acima dos 10% desde 2012, e esse número sobe para 20% entre os jovens. Há um crescimento econômico que não anda e uma tensão racial e religiosa crescente”, ressalta. “Tudo isso alimenta o descontentamento com a União Europeia e uma sensação de que as elites políticas não atendem os problemas.”
Sem que uma liderança forte cative os franceses, unificar o país deve ser um dos primeiros desafios de quem quer que saia vitorioso da disputa presidencial. O trabalho de tranquilizar a população sobre a condução do governo, porém, coincidirá com a disputa pelo parlamento. As eleições para a Assembleia Nacional e para o Senado estão marcadas para junho e setembro, respectivamente, e a possibilidade de o sucessor de Hollande conquistar apoio sólido no Legislativo é remota. “Nem Le Pen nem Macron têm condições de eleger uma maioria parlamentar, e isso pode levar à formação de alianças”, observa Martins. “Será uma situação esdrúxula.”