Uma das principais disputas entre palestinos e israelenses é justamente o status de Jerusalém, uma cidade reivindicada por ambos como sua capital
O governo palestino já se prepara para responder caso o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), cumpra a sua proposta de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
“Esperamos que isso não aconteça. Mas, se acontecer, iremos tomar medidas políticas e econômicas em coordenação com nossos aliados, incluindo a Liga Árabe e a Organização para a Cooperação Islâmica”, afirma à Folha de S.Paulo o negociador-chefe palestino Saeb Erekat, 63.
Erekat é há décadas um dos principais políticos palestinos. Ele lidou com Israel durante as negociações de Madri e de Oslo, nos anos 1990, para tentar encerrar o conflito árabe-israelense -ainda em andamento.
Uma das principais disputas entre palestinos e israelenses é justamente o status de Jerusalém, uma cidade reivindicada por ambos como sua capital. Por isso, uma convenção da ONU pede que nenhum país tenha embaixada ali. Os EUA e a Guatemala desafiaram a regra neste ano, os únicos por enquanto. No sábado (15), a Austrália reconheceu Jerusalém como capital de Israel, mas disse que não vai transferir sua embaixada.
Caso o Brasil decida se unir ao grupo, Erekat prevê boicotes a produtos brasileiros. Diz também que o país pode perder o seu “peso moral” no mundo. “Haverá consequências em diversos níveis, incluindo seu status nos fóruns internacionais e suas relações com os países árabes.”
PERGUNTA – Jair Bolsonaro pode transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv a Jerusalém. O que isso significa para o governo palestino?
SAEB EREKAT – O presidente eleito sabe bem qual é a nossa posição. Sabe, aliás, que isso não é só sobre a nossa posição, mas também sobre como o Brasil quer aparecer diante da comunidade internacional. Esperamos que isso não aconteça. Mas, se acontecer, iremos tomar medidas políticas e econômicas em coordenação com nossos aliados, incluindo a Liga Árabe e a Organização para a Cooperação Islâmica.
P – Outros presidentes brasileiros foram tidos no passado como favoráveis a palestinos. Surpreende que o Brasil mude de posição?
SE – O que é surpreendente é escutar que o Brasil pode mudar seu apoio histórico pelo multilateralismo e pela lei internacional. Foi triste, para dizer o mínimo, ouvir menções ao nosso povo como terroristas, que não merecemos ter relações diplomáticas. Por que alguém diria algo assim?
P – Quando propôs encerrar a representação diplomática palestina no Brasil, Bolsonaro disse que não negocia com “terrorista”.
SE – Ele estava falando sobre os terroristas [israelenses] que queimaram a família Dawabsheh viva em 2015? Sobre os extremistas que entram nos vilarejos palestinos todas as noites para aterrorizar a população civil?
Se ele realmente estava falando do povo palestino, talvez queira conversar com alguns dos mais de 100 mil brasileiros de origem palestina. Ou talvez queira ouvir os milhões de libaneses e sírios que também são cidadãos brasileiros. Eles são terroristas? Quiçá ele queira escutar suas histórias e, então, poderá perceber que os palestinos são como qualquer outro povo que quer viver com liberdade e dignidade.
P – O Brasil não é um dos grandes atores no Oriente Médio. O senhor acredita que a transferência da embaixada pode ter um impacto real?
SE – Eu tendo a discordar do seu comentário. O Brasil teve um papel grande na criação do Estado de Israel e teve também um papel fundamental na onda de reconhecimento ao Estado da Palestina por países latino-americanos entre 2010 e 2011. Se o Brasil tomar a decisão ilegal de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, certamente haverá consequências em diversos níveis, incluindo seu status nos fóruns internacionais e suas relações com os países árabes.
P – Historicamente, o Brasil tem uma relação próxima com países árabes, tanto econômica quanto cultural. Esses países podem passar a ter uma imagem negativa do Brasil, como têm dos EUA?
SE – Definitivamente. Ao assumir essa posição sobre a embaixada, o Brasil pode perder sua ferramental internacional mais potente: o peso moral.
P – O senhor crê que pode haver boicote a produtos brasileiros?
SE – Precisamos esperar para ver o que vai acontecer. Mas, nesse caso, sim.
P – Algumas pessoas se dizem preocupadas que o Brasil possa ser alvo de um ataque terrorista. Isso é um resultado de preconceito?
SE – É a primeira vez que ouço isso. Claramente me parece algo baseado em preconceitos e estereótipos. Tudo o que dissemos é que tomaremos medidas diplomáticas, legais e econômicas com os nossos aliados.
P – O que o senhor diria à população brasileira sobre a embaixada?
SE – Nós adoramos os brasileiros. Os palestinos torcem para a seleção brasileira quase como se fosse o nosso próprio time. Precisamos da sua ajuda para termos uma paz justa e duradoura. Sei que a maior parte dos brasileiros apoia o direito do povo palestino de ser livre.