Súsan Faria
Fotos: Eliane Loin
Um país que se ergueu investindo na Educação, onde os políticos têm a confiança do povo e a iniciativa privada alcança altos níveis de competitividade, pesquisa e inovação. Assim o embaixador Per-Arne Hjelmborn definiu, em entrevista exclusiva à Revista Embassy Brasília, a Suécia que, no dia 06 de junho, comemorou a data nacional. Segundo ele, existem mais de 200 empresas suecas no Brasil, demonstrando uma relação comercial aqui de longa tradição. Poucos sabem, mas de acordo com Hjelmborn, o Cristo Redendor tem cimento da Suécia e é do país dele a empresa que construiu o primeiro bondinho do Pão de Açúcar e o dono da primeira loja da rede Pernambucanas no Brasil, em 1908, empresa que introduziu o carnê de pagamentos e o carnê-crediário.
A Suécia, país do cineasta Ingmar Bergman, é ainda líder em sustentabilidade e reciclagem, além de ter uma forte indústria de jogos eletrônicos. Foi a empresa sueca, a King, quem criou o Candy Crush, baixado mais de 500 milhões de vezes. Lá foram recebidos 160 mil refugiados em 2015. Leia agora a entrevista completa do embaixador Per-Arne Hjelmborn.
Embassy- A Suécia festejou sua data nacional recentemente. O que o país tem mais a comemorar nos últimos anos?
Comemoramos em São Paulo (SP), onde está nossa maior comunidade. Nunca fomos ocupados, nunca tivemos de lutar pela nossa independência. A data nacional passou a ser feriado há 15 anos. Antes, comemorávamos o Dia da Bandeira. No dia 6 de junho, nossa data nacional, comemoramos a coroação do rei Gustav Vasa, que em 1523 consolidou a terra sueca; e a promulgação da Constituição de 1809, mais democrática. Hoje, festejamos também valores democráticos, somos um país livre, e muitas vezes celebramos os imigrantes que chegam ao país. Geralmente, organizamos uma festa para eles, o que é uma mostra da nossa culturalidade.
Embassy – Vocês não têm problemas com os refugiados?
Hjelmborn – Eu diria que é uma oportunidade, que tem desafios. A Suécia é um dos países que mais refugiados recebeu. Per capta, foi o que mais os acolheu entre todos os países europeus, durante a crise migratória em 2015. É uma mostra de solidariedade. Recebemos 160 mil refugiados naquele ano, na guerra da Síria, são também do Médio Oriente e de outras nações. Desse número, 30 mil eram crianças sem pais. Somos uma dos poucos países do mundo que a cada ano contribui com 1% do nosso PIB para ajudar os demais.
Embassy – A Suécia é um país muito desenvolvido, progressista e tem um dos mais baixos níveis de desigualdades. Como se chega a um patamar desses? Que análises o senhor faz dessa situação?
Hjelmborn – Posso dizer que não são fatos que chegam gratuitamente. A Suécia foi um dos países mais pobres da Europa há 100 anos. Nesse tempo, começamos com uma coisa que é muito importante para o desenvolvimento: a educação. Nos meados do século XIX introduzimos a educação obrigatória para todos. Isso criou a plataforma para a nossa indústria. Muitos engenheiros fundaram empresas que criaram riqueza. Com esses recursos e a ideia de nossos políticos de criar uma sociedade mais igual e mais próspera, construímos um Estado de bem-estar, um modelo onde todos contribuem pagando impostos, mas de forma progressiva, ou seja, quem ganha mais, paga mais. Em contrapartida, você recebe educação, saúde, infraestrutura, aposentadoria, serviço social e seguro-desemprego gratuitamente. É um sistema bem completo. A ideia é que ninguém esteja atrás do sistema. Todos contribuem com ele e recebe os benefícios. Esse modelo é construído sob o conceito de confiança, num contexto de um país muito democrático e transparente. Nossos políticos possuem legitimidade. Eles vão ao trabalho para ajudar a nação a prosperar e os cidadãos têm todo o direito de obter transparência sobre tudo. Temos a Lei mais antiga de acesso público a toda a documentação. Você pode encontrar tudo, desde os valores dos salários até os documentos. Se um cidadão quer saber onde eu estive na semana passada, vou mostrar a ele esse relatório. Então, o conceito de transparência e acesso público, educação e o sistema de bem-estar isso contribuiu para uma sociedade menos desigual de todo o mundo.
Embassy – A distribuição de renda não é concentrada?
Hjelmborn – Sim é uma das distribuições de renda mais igual. Temos a necessidade de um sistema de bem-estar, mas há também um setor produtivo, é privado, muito competitivo, ligado à inovação. Nossas empresas são líderes, mas pagam impostos e ajudam muito com pesquisa. A Suécia é um dos países que mais investe em pesquisa e inovação e tem um modelo onde as partes se tornam competitivas, os trabalhadores, governo e mundo acadêmico. Os três setores trabalham com objetivo comum. A Suécia é um país pequeno, não temos recursos para brigar. Para sermos prósperos, nos ajudamos. Somos 10 milhões de habitantes. Criamos uma plataforma grande por ser um país tão pequeno. Nossas empresas estão distribuídas em todo o mundo. Se você for para a Austrália, as encontrará lá; para a China ou África do Sul. O sueco fala vários idiomas e viaja muito. Somos um dos países mais internacionalizados. É nossa obrigação por ser um país pequeno, não podemos fechar, temos que sair, buscar experiências e melhorar. A vida do sueco sempre foi assim, aberta, transparente.
Embassy – É um país muito frio, não é?
Hjelmborn – Frio para vocês (risos…). Agora temos verão, com 22 a 23 graus centígrados, nunca mais do que 30 graus, mas no inverno já chegamos até 20 graus centígrados negativos, normalmente chega a 5 ou 10 graus negativos. Ao Norte é mais frio. São quatro estações bem marcadas. Nosso turismo é bem elevado, nossa cultura é antiga. Todos gostam da natureza, das frutas silvestres, de aproveitar o verão, pescar, fazer trekking e de esquiar na neve, patinar; somos muito ativos.
Embassy – A Suécia é o país de Ingmar Bergman, diretor voltado para o cinema de temas psicológicos e muito apreciado no mundo. O senhor já assistiu aos filmes de Bergman? Qual prefere? O Cine Brasília fará uma retrospectiva de Bergman em junho.
Hjelmborn – Bergman é uma das personalidades suecas mais conhecidas no exterior. É ponto de referência no mundo cinemático. Ele está no nível dos melhores, sem dúvidas, segundo os especialistas. Eu sabia que na América Latina é um nome muito forte, especialmente no Brasil. Muitas pessoas aqui falam do Bergman com conhecimento. Evidentemente que ele impactou a muitas pessoas. Não são filmes fáceis. O filme dele que mais me impactou foi Fanny e Alexander, que fala das famílias suecas, as tradições antigas do Natal, a relação com a religião. Gosto muito. A Embaixada está patrocinando a mostra do Bergman que está fazendo aniversário. A Helen BeltrameLinné, ex-diretora do Centro de Bergman, em Fårö, vai apresentar o diretor, na abertura. Ela é brasileira, casada com um sueco e sua filha se chama Liv.
Embassy – O escritor brasileiro José Lins do Rego foi diplomata e viveu na Suécia. Escreveu o livro “Riacho Doce”, adaptado para uma minissérie brasileira de mesmo nome. A primeira e segunda parte do livro descreve a Suécia. O senhor conhece a obra? E a minissérie?
Hjelmborn Conhecia o nome desse senhor, mas não sabia que escreveu um livro sobre a Suécia. Agora vou pesquisar.
Embassy – A Suécia participa da Copa. Como estão os preparativos?
Hjelmborn – Fico feliz que tanto o Brasil como a Suécia se classificaram para essa Copa. Agora em 2018 são 60 anos da primeira Copa vencida pelo Brasil, na Suécia. E a melhor maneira de comemorar a final seria outra vez os dois países competindo. É uma possibilidade bastante hipotética, mas há a possibilidade real que a Suécia se classifique no nosso grupo, disputando com a Coreia do Sul, com a Alemanha e depois com o México. Podemos cruzar com o Brasil nas oitavas do campeonato.
Embassy – O senhor esteve recentemente em Fortaleza (CE). A Suécia tem projetos com o Ceará? Quais as perspectivas?
Hjelmborn Pela primeira vez, organizamos nossa conferência bianual fora de Brasília com os cônsules. Foi em maio deste ano. Antes, em janeiro, estive em Fortaleza para preparar a conferência. Foi um trabalho interno bem sucedido. Tive a oportunidade de falar com o prefeito Roberto Claudio (Roberto Cláudio Rodrigues Bezerra – do Partido Democrático) e demos passos para dois projetos. Um relacionado aos Cucas (Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte – rede de proteção social e oportunidades para jovens de 15 a 29 anos de idade). Em Estocolmo, temos centros parecidos, com metodologia avançada e bem sucedidos, para que o adolescente encontre uma paixão e a partir daí trilhe o caminho certo. Fizemos um convênio de apoio para construir experiências nessa metodologia. Duas pessoas de Fortaleza foram conhecer os nossos centros. O outro projeto é de Bioenergia. Somos líderes na sustentabilidade e reciclagem. A primeira conferência internacional do setor foi na Suécia em 1972. O Brasil tem duas usinas de bioenergia e o prefeito de Fortaleza visitou uma usina na Suécia, uma das maiores na Europa, para usar lixo e biomassa e gerar energia para transporte e calefação. O prefeito ficou muito animado e quer trazer a experiência para Fortaleza.
Embassy – A Suécia tem uma embaixada em Brasília e consulados em sete cidades: São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Recife, Manaus, Fortaleza e Belo Horizonte. Como está o trabalho deles? Quais as prioridades e destaques na atividade nesses estados?
Trabalhamos com duas áreas: a clássica de assistência consultar aos suecos; e a de promoção do comércio e da cultura. Temos mais de 200 empresas no Brasil, 95% delas em São Paulo. As primeiras chegaram durante o século XIX. O primeiro bondinho do Pão de Açúcar foi construído por uma empresa sueca. O Cristo Redentor do Rio foi feito com cimento sueco. Todas as nossas empresas têm presença aqui. É difícil precisar quantos suecos estão no Brasil, mas calcula-se entre 2 mil e 4 mil.
Embassy – No dia 9 de setembro 2018 realizam-se as eleições parlamentares dos condados e das prefeituras na Suécia. Quantos serão eleitos?
Somos uma monarquia parlamentarista. Temos três eleições: para o parlamento e os níveis regionais e municipais. Todas no mesmo dia. No Congresso Nacional são 349 parlamentares. Temos oito partidos políticos e mais de 300 municípios, com a densidade populacional quase a mesma do Brasil.
Embassy – O que senhor gosta em Brasília?
Hjelmborn – Gosto do clima. Posso tomar café a cada dia fora. Há uma logística fácil. A qualidade do ar é boa. Gosto de churrasco e galinhada com muita pimenta. Há uma variedade grande de frutas, legumes, peixes no país.
Quem é
Per-Arne Hejelmborn
O embaixador Per-Arne Hejelmborn, 49 anos de idade, casado, dois filhos, começou sua carreira diplomática, em setembro de 1995, no Ministério das Relações Exteriores da Suécia, onde foi chefe do Departamento do Mercado Interno da União Europeia, Promoção da Suécia e do Comércio Sueco e no Departamento de Política de Comércio Internacional. Per-Arne viveu em Santiago, Chile e em Madrid (Espanha), onde ocupou cargos da embaixada sueca e aprimorou o espanhol, segundo ele, uma plataforma para o português que domina quase 100%. Per-Arne foi embaixador em Kuala Lumpur, Malásia; e ministro chefe da seção econômica em Beijing, China. Está em Brasília há quase quatro anos. Economista, aos 24 anos de idade já era encarregado de Projetos de Infraestrutura no Chile, Colômbia e Panamá na Skanska Engenharia Civil Internacional AB, em Estocolmo. Tem Especialização em Negócios Internacionais e Marketing, é mestre em Economia e Ciências Econômicas e estudou na Escola Superior de Administração e Direção de Empresas, em Barcelona, Espanha. Fala seis línguas: sueco, inglês, espanhol, português, francês e chinês.
Edição: Liz Lôbo