Uma temporada no Congo, de Aimé Césaire, traduzido por João Vicente, Juliana Estanilau de Ataíde Mantovani e Maria da Glória Magalhães dos Reis é o ganhador do Segundo Prêmio de Tradução da Embaixada da França.
Depois do sucesso da primeira edição, que marcou os 30 anos do Programa Carlos Drummond de Andrade de apoio à tradução no Brasil, a Embaixada da França no Brasil e um júri de profissionais da tradução do francês para o português do Brasil, anunciaram o ganhador dessa segunda edição.
O júri, composto de Luciene Guimarães de Oliveira, Henrique Provinzano Amaral e Emilie Audigier, concordou em premiar uma temporada no Congo, de Aimé Césaire, publicado pela editora Temporal e traduzido por um trio talentoso: João Vicente, Juliana Estanislau de Ataíde Mantovani e Maria da Glória Magalhães dos Reis. Não somente o júri entendeu que a tradução desse texto, de um gênero desafiador, é excelente, como também destacou o grande cuidado editorial da edição brasileira. De acordo com eles, a premiação também é a ocasião de chamar a atenção sobre Aimé Césaire, um autor muito importante, que merece ser mais conhecido no Brasil.
Mais do que tradução – Os discursos de Patrice Lumumba, recriados por Aimé Césaire em Uma temporada no Congo, foram objeto de leituras dramáticas realizadas na Abertura das comemorações da Semana de Francofonia na Universidade de Brasília, em março de 2023 e no VI Seminário Internacional de Dramaturgia e Teatro, do Grupo de trabalho da Anpoll (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Letras e Linguística), na Universidade Federal Fluminense, em novembro de 2022. Essas leituras fazem parte de um projeto do Coletivo de teatro “En classe en scène”, coordenado por Maria da Glória Magalhães dos Reis. Um dos projetos futuros do Coletivo é a preparação da encenação dos discursos, no ano que vem.
O Prêmio
Os tradutores receberam 2.500 euros para usar num projeto vinculado à tradução, que pode ser uma viagem de encontros profissionais na França ou a montagem da peça.
Os tradutores
João Vicente é doutor em literatura pela Universidade de Brasília (UnB), com tese sobre romances em francês de autoras africanas contemporâneas. Tem formação em letras – português, francês e inglês. Atua como professor de língua francesa na Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Suas principais áreas de interesse são o ensino de línguas e literatura, crítica literária e tradução.
Juliana Estanislau de Ataíde Mantovani é professora do Instituto Federal de Brasília (IFB) e pesquisadora colaboradora sênior do Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB). Realiza pesquisas sobre as relações entre a literatura e as artes visuais (intermidialidade, transmidialidade, obras híbridas, etc.). Cursou pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade de Brasília.
Maria da Glória Magalhães dos Reis é professora associada do Departamento de Teoria Literária e Literaturas (TEL). Foi coordenadora do Programa de Pós-graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) no biênio 2021/2023. Realiza pesquisas sobre as dramaturgias contemporâneas na África subsaariana de língua francesa, o teatro bilíngue (português-Libras, português-francês) e as temáticas interdisciplinares envolvendo as áreas de Literatura, Educação e Teatro. Fez pós-doutorado em Teatro e Educação na Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo (2016). Atualmente desenvolve estudos em parceria com o Laboratório SeFeA – Scènes Francophones et Ecritures de l’Altérité – dirigido por Sylvie Chalaye, da Université Sorbonne Nouvelle Paris III, sendo contemplada pela bolsa de pós-doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal para estágio de seis meses no SeFeA, de outubro de 2023 a abril de 2024.
O livro
Uma temporada no Congo, publicado em 1967, abarca cronologicamente os acontecimentos que se deram na República Democrática do Congo entre 1959 e 1961. Dividida em três atos, a peça de Aimé Césaire retoma os eventos políticos da independência e da subsequente nomeação de Patrice Lumumba como primeiro-ministro, indo até o assassinato do líder congolês, que resistiu e lutou pela libertação de seu país, colonizado durante oitenta anos pela Bélgica.
A obra ultrapassa a dramatização dos bastidores da política, uma vez que dá ao povo congolês um papel proeminente. Recorrendo a procedimentos frequentemente adotados por Brecht e pelo teatro elisabetano, Aimé Césaire constrói um universo literário regido pela tensão permanente entre a trama do poder institucional, de um lado, e as dinâmicas do povo, com seus anseios, medos e versões próprias sobre os fatos, de outro – e seu herói, Lumumba, vive precisamente nesse limiar.
Natural da Martinica, Césaire estudou com profundidade a história, a política e inclusive a geografia do Congo para apresentar com maestria uma peça sobre a libertação do colonizador belga pelo povo congolês. Tendo passado um tempo no país, Césaire viu de dentro as feridas coloniais e os desafios enfrentados pela sociedade congolesa em seu processo de emancipação. Além do mais, o autor realizou pesquisas acerca da diversidade étnica local, utilizando, na peça, termos e expressões idiomáticas utilizadas no país. Conhecido sobretudo pelo conjunto que produziu no campo da política, por meio do qual abordou (e combateu) racismo, colonialismo e capitalismo, Césaire foi também poeta e dramaturgo, levando para toda a sua obra o olhar crítico que o acompanhava permanentemente.
Escrita em 1966, em concomitância ao processo da montagem teatral, a peça lançada agora pela Temporal Editora é a terceira escrita pelo autor: precedida por Et les Chiens se taisaient [E os cães se calavam] (Temporal, no prelo), de 1946, e A tragédia do rei Christophe, de 1963 – ambas sobre o Haiti –, e sucedida por Une Tempête [Uma tempestade] (Temporal, no prelo), de 1969 – recriação de A tempestade, de Shakespeare, pela perspectiva da luta do povo negro. A edição lançada pela Temporal traz dois prefácios: o primeiro deles, assinado pelos três tradutores da obra – João Vicente, Juliana Estanislau de Ataíde Mantovani e Maria da Glória Magalhães dos Reis –, apresenta a trajetória pessoal, política e artística do autor, bem como alguns aspectos sobre a gênese da peça e seus principais processos criativos. No segundo, traduzido para o português a partir da edição original francesa de 2021, Éric Vuillard ressalta na peça o papel da linguagem, como testemunha viva das vozes silenciadas nos episódios históricos narrados. Conta-se, também, com posfácio escrito pelo intelectual Kabengele Munanga.
Uma temporada no Congo estreou no dia 20 de março de 1967, no Centro Cultural de Anderlecht, em Bruxelas, sob a direção de Rudi Barnet. Desde então, a peça ganhou diversas montagens, dentre as quais caberia destacar a do Teatro Nacional Popular (TNP), na França, dirigida por Christian Schiaretti, que viajou também à Martinica, país natal de Césaire – todas as fotografias presentes no livro da Temporal foram, inclusive, tiradas dessa última montagem. Dessa maneira, reunindo texto dramático, aparatos críticos e imagens de cena, a edição da Temporal busca ressaltar a presença de Aimé Césaire como dramaturgo, sua crítica ao colonialismo, ao racismo e ao projeto de poder hegemônico do Ocidente, além de jogar luz à resistência popular.
O autor
Aimé Césaire foi um poeta, dramaturgo, ensaísta, militante e líder político que, além de ter tido um papel fundamental na tomada de consciência dos atores políticos e culturais do anticolonialismo, tornou-se um dos escritores proeminentes do século 20. Em 25 de julho de 1913, nasceu na plantation Eyma, em Basse-Pointe, Martinica, região que teve forte representação na obra poética do autor. Alguns dos temas recorrentes em sua escrita são o racismo, o colonialismo, a emancipação e o poder popular. Césaire chega a Paris, em 1931, para ingressar em cursos preparatórios de entrada na renomada École Normale Supérieure. Nesse período, o escritor conhece Léopold Sédar Senghor, primeiro presidente do Senegal pós-independência, além de um dos grandes poetas de seu país. Juntos, Césaire e Senghor dão vida à revista L’Etudiant noir, em que refletiam e elaboravam discussões acerca da negritude pelo viés literário e filosófico. Tempo depois, inicia sua carreira política, em 1945, como presidente da câmara e prefeito de Fort-de-France. Suas escritas para o teatro se iniciaram em 1946. Em todos os textos dramáticos que Césaire produziu, nota-se uma característica comum: a presença de um herói visionário, que faz referência a uma figura histórica relevante, em um ambiente de forte discurso político, com o intuito de despertar no leitor/espectador pensamento crítico. Engajado até seus últimos dias, Aimé Césaire faleceu aos 94 anos, em 17 de abril de 2008, na Martinica, na cidade de Fort-de-France, onde construiu boa parte de sua obra política e intelectual.
Ficha técnica do livro:
Gênero: teatro
Tipo: brochura
Formato: 14 x 19 cm
Páginas: 232 pp.
ISBN: 978-65-87243-25-2
Preço: R$ 64
Os organizadores:
Escritório do Livro da Embaixada da França
Com o objetivo de promover a venda de direitos, a tradução e a distribuição de livros francófonos no Brasil, o Escritório do Livro mantém relações regulares com todos os atores da economia do livro os quais apoia através de diversos programas (Programas de Apoio à Publicação da Embaixada e do Institut Français, Prêmio de Tradução da Embaixada da França, etc.) e com quem organiza ações em parceria.
O Escritório do Livro também trabalha para promover e divulgar os autores francófonos no Brasil, facilitando a presença deles nos principais eventos literários do país.
Biblioteca Nacional
Com mais de 200 anos de história, a Biblioteca Nacional é a mais antiga instituição brasileira, anterior mesmo à constituição do Brasil como nação independente. A Biblioteca Nacional (BN) tem a missão de coletar, registrar, salvaguardar e dar acesso à produção intelectual brasileira. A BN mantém parcerias e ações de cooperação com instituições diversas para troca de conhecimento, promoção de pesquisa e de boas práticas de organização, gestão, conservação, preservação e valorização do acervo, definindo projetos comuns que fortaleçam, nos