Fim de ciclo na Grécia. Como se o parêntese de quatro anos do Syriza não tivesse existido, ou já fosse um sonho distante, a política tradicional volta a se impor em Atenas, com maiorias dignas de outras épocas, com Kyriakos Mitsotakis, continuador de uma importante dinastia conservadora. O Nova Democracia (ND), o mesmo partido que os eleitores puniram em 2015 por ter implementado o resgate, volta pela porta principal em eleições convocadas em maio por Alexis Tsipras, mesmo sabendo que iria perdê-las. A intenção da maioria dos gregos ao depositar seu voto neste domingo, é virar a página o mais rápido possível da dura fase dos resgates. O liberal Mitsotakis será o encarregado de tentar fazer isso, com um programa de reformas e liberalização econômica.
Com a promessa de reverter a maioria dos ajustes perpetrados pelo Syriza na implementação do terceiro resgate, especialmente a onerosa pressão fiscal sobre a classe média, e fomentar o desenvolvimento da economia, o Nova Democracia confirmou as previsões das pesquisas e foi coroado vencedor. Com 85% dos votos apurados, conseguiu 40% de apoios e a maioria absoluta (a primeira de um partido grego desde 2009, quando a crise começou): 160 cadeiras no Parlamento unicameral de 300. Como declarou na campanha, Mitsotakis acredita que conseguirá dos credores, cuja supervisão técnica em relação a Atenas não terminou apesar da conclusão do terceiro resgate, a margem de manobra fiscal suficiente para sua prometida redução de impostos (IVA, renda e empresas, entre outros).
Seu adversário, a coalizão de esquerda radical Syriza, obteve 31% e cerca de 85 deputados. A derrota da formação de esquerda, imediatamente reconhecida por Tsipras, que rapidamente cumprimentou seu rival, confirma a dura sina de todos os Governos encarregados de executar um resgate: o castigo implacável na primeira eleição. Tsipras, no entanto, foi o primeiro-ministro mais longevo da crise: completou seu mandato, a falta de três meses até outubro, quando pretendia convocar as eleições gerais. Os maus resultados na eleição tripla de maio (europeias, regionais e municipais) o empurraram a antecipar as eleições, mesmo consciente de que iria perdê-las. Ele o fez, grosso modo, pela mesma diferença que em maio: cerca de nove pontos.
Como um herói trágico, as negras perspectivas da derrota pareciam envolver o comício de encerramento da campanha que protagonizou na sexta-feira em Atenas: um Tsipras sem a energia usual (é mais carismático como orador do que Mitsotakis, reconhecem até mesmo seus detratores); um pouco maçante e mecânico, como se representasse um papel que já não acreditasse, defendeu o indefensável, inclusive o impopular acordo nominal com a Macedônia do Norte, rejeitado visceralmente por entre 60% e 70% dos gregos, com o Nova Democracia à frente. Esse acordo, saudado pela comunidade internacional, e sua gestão do resgate são os principais fatores que explicam sua derrota, juntamente com o descumprimento de suas promessas antiausteridade.
Em terceiro lugar, como em maio, apareceu o Movimento pela Mudança (Kinal, na sigla em grego), de centro-esquerda, que amalgama os restos do antigo Pasok, outro partido arrasado por um resgate, e pequenas formações afins, como o Dimar, no qual voltou a militar o ex-socialista Yorgos Papandreou, a vítima número um da era do referendo. As fofocas políticas não descartam uma fusão, ou assimilação, entre Syriza e Kinal para colonizar a centro-esquerda e poder enfrentar o ND. Como explicava ontem numa seção eleitoral Maia Andreou, interventora do Partido Comunista Grego (KKE, 5,3% dos votos), “a batalha pelas próximas eleições começa amanhã mesmo”. Suas palavras podem valer também para Tsipras, que ao longo dos últimos quatro anos deu repetidas mostras de camaleonismo e jogo de cintura nas fintas mais adversas, como converter o resultado do referendo de julho de 2015 em uma contrita aceitação do terceiro resgate.
Desde 2010, a Grécia recebeu três resgates no valor de 280 bilhões de euros (cerca de 1,2 trilhão de reais), enquanto a dívida continuou a subir até 181% do PIB. O PIB grego terá de esperar até 2033 para recuperar seu nível de 2009, ou seja, o anterior à crise.
Com os neonazistas do Aurora Dourada fora do Parlamento –o apelo de Mitsotakis ao voto útil dentro da direita deu resultado–, a surpresa foi a entrada do DiEm25, a formação do ex-ministro das Finanças Yannis Varoufakis, enfant terrible do primeiro Governo de Tsipras, com quase 4% dos votos e cerca de uma dezena de deputados. É um resultado mais do que notável para alguém que passou de ser uma espécie de pestilento na vida política grega depois de sua atuação estelar, e estridente, nos primeiros seis meses do Governo do Syriza e, especificamente, nas negociações com os credores, que de acordo com o ND fizeram a Grécia perder muito tempo e dinheiro. Nas europeias, ficou às portas do Parlamento Europeu.
Alguns votos à frente do DiEm25 ficou, com o mesmo número de cadeiras, um partido extemporâneo chamado Solução Grega (SG), liderado por um jornalista célebre de programas de televisão populistas e com um ideário ultranacionalista, pró-russo e ultraconservador. Kyriakos Velopulos, seu líder, propõe a pena de morte para pedófilos e traficantes de drogas.
Com a vitória do ND a vida política grega também recupera a alternância, que foi a tônica dominante desde o restabelecimento da democracia em 1974, depois da ditadura. Com o Syriza como outsider em 2015, mas gradualmente incorporado ao sistema –ou dominado– à força de atender as imposições de Bruxelas, o caminho que hoje se abre diante de Mitsotakis é o de uma via mais do que trilhada: por ser um veterano, pela experiência de governo de seu partido e pelo mais do que previsível entusiasmo dos mercados.