O presidente Jair Bolsonaro visitará a China de 24 a 26 de outubro e dependendo da maneira como vier a tratar dois temas relevantes e ao mesmo tempo delicados no relacionamento com Pequim, poderá causar embaraços às relações com os Estados Unidos. As autoridades chinesas esperam que o mandatário chinês se pronuncie formalmente sobre a adesão do Brasil ao megaprojeto “Um Cinturão, uma Rota” e, ao mesmo tempo, anuncie que não vai vetar a entrada no país da megaempresa Huawei na implantação da tecnologia 5G no Brasil.
Se isso de fato acontecer, conforme sublinha Ângela Maria dos Santos, analista de Comércio Exterior da Thomson Reuters, pode haver um estremecimento das relações comerciais do Brasil com os Estados Unidos, num momento em que brasileiros e americanos iniciam negociações visando um possível acordo de liberalização do comércio bilateral.
A especialista em da Thomson Reuters fez essa afirmação no contexto de uma análise mais abrangente sobre o crescimento da presença chinesa na América Latina e mais precisamente sobre a ocupação pelos chineses dos espaços tradicionalmente pertencentes ao Brasil como maior parceiro comercial dos países latino-americanos.
Ao ser questionada sobre quais reflexos a participação da América Latina no “Um Cinturão, uma Rota” poderá ter nas relações entre a China e a América Latina, Angela Maria dos Santos afirmou que, “do ponto de vista chinês, os países latino-americanos e caribenhos fazem parte da extensão natural da Rota Marítima da Seda. E, ainda que não geograficamente falando, são participantes indispensáveis na cooperação internacional do “Cinturão e Rota”, quando o assunto é comércio e investimentos. Porém, apesar de a China ser um parceiro importante dos países latinos, essa deve ser uma decisão cautelosa porque poderá ter reflexos positivos, mas também negativos”.
De acordo com a especialista, “de positivo, o rápido avanço em setores como tecnologia, infraestrutura, logística, automotivo e energia, entre muitos outros. Os reflexos negativos, que precisam ser avaliados, giram em torno principalmente da possibilidade de endividamento com os chineses, bem como a insegurança quanto à concretização das infraestrutura e logística. Por fim, outro ponto que deverá ser analisado com cautela seria a probabilidade de um estremecimento nas relações comerciais com os Estados Unidos, o que seria preocupante para os países latinos, e em especial para o Brasil, que encontra-se no início das negociações para um possível acordo de liberalização comercial com os americanos”.
A pouco mais de duas semanas da visita a Pequim, o presidente Jair Bolsonaro ainda não se pronunciou formalmente sobre essas questões. Mas a posição do governo foi expressa pelo vice-presidente Hamilton Mourão que, em entrevistas recentes, fez comentários sobre a adesão brasileira ao “Um Cinturão, uma Rota” e sobre a entrada da Huawei no Brasil.
Em visita à China, no dia 20 de maio, Mourão sinalizou que o Brasil pode vir a aderir à também chamada “Nova Rota da Seda”, iniciativa trilionária (em dólares) do governo Xi Jinping para retomar o espírito de trocas comerciais do antigo trajeto que unia Oriente e Ocidente na Idade Média. Trata-se de um megaprojeto de infraestrutura que vai interligar portos, ferrovias, rodovias, aeroportos e telecomunicações para facilitar e incrementar o comércio entre a China e o resto do mundo.
Poucas semanas depois, o vice-presidente voltou a falar sobre um outro tema delicado nas relações entre o Brasil e a China e que envolve diretamente interesses globais dos Estados Unidos: a autorização para a entrada da Huawei no Brasil com as tecnologias para a quinta geração (5G) de telefonia móvel. Mourão reconheceu que o tema foi tratado em março passado em conversa dos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, por ocasião da visita do mandatário brasileiro a Washington.
Hamilton Mourão disse ainda que o governo brasileiro não pretende vetar a entrada da Huawei pois não acredita que nenhum país vai receber a tecnologia a ser instalada pela companhia chinesa se ficar preocupado com o fato de que os dados em poder da Huawei vierem a pertencer também ao governo de Pequim. “Aqui não”, disse categórico o vice-presidente ao comentar a possibilidade de o Brasil vetar as tecnologias para a quinta geração de telefonia móvel.
Esses dois temas espinhosos devem ocupar lugar de destaque na visita de Bolsonaro a Pequim. E, ao que tudo indica, durante a visita os dirigentes chineses vão tentar obter compromissos formais do Brasil em relação ao programa “Um Cinturão, uma Rota” e também no tocante à entrada da Huawei no país. No mais, procurarão ter a garantia de que o Brasil se manterá neutro na cada vez mais intensa e preocupante guerra comercial decretada pelo governo Trump contra a China.