De forma improvisada, dez pessoas se abrigam no veículo todos os dias. Eles querem ajudar a família trabalhando no Brasil e só devem retornar à Venezuela quando a situação melhorar
Por Anthony Boadle, Reuters
Dez imigrantes venezuelanos pobres que fugiram da crise de seu país não foram longe quando cruzaram para o Brasil: eles vivem há três meses em um ônibus abandonado em Pacaraima (RR), no lado brasileiro, pouco depois da fronteira entre os dois países.
Todos dormem sobre pedaços de papelão, exceto pelo sortudo que consegue ficar numa rede. Para comer, cozinham em uma fogueira próxima à porta de um ônibus Mercedes Benz de 1983 sem motor. Entre os imigrantes, estão duas crianças que frequentam a escola local todas as manhãs.
Sem dinheiro, trabalham fazendo bico, enchendo os carros e picapes de outros venezuelanos que atravessam a fronteira com o Brasil para comprar comida e mercadorias que faltam em casa.
“Estamos morando neste ônibus há três meses”, diz Hildemaro Ortiz, 24, de Punta de Mata, no leste da Venezuela. Ele espera se mudar para uma cidade brasileira maior quando seu filho cruzar a fronteira.
Ortiz e seus companheiros de ônibus fazem parte de uma enxurrada de venezuelanos que se espalham pela América Latina, muitas vezes impulsionados pela fome e desesperados para escapar de uma economia em queda livre na nação rica em petróleo, mas abalada pela carência de alimentos e blecautes.
Dezenas de milhares de migrantes fugiram da agitação política e econômica na Venezuela por Pacaraima, a única via de acesso para o Brasil, criando tensão na fronteira. Cerca de 3,7 milhões de pessoas deixaram a Venezuela nos últimos anos, principalmente por meio da Colômbia, segundo o Banco Mundial.
Ixora Sanguino, de 27 anos, varre o chão do ônibus e dobra os cobertores. “Eu não pensei que viveria em um ônibus, e muito menos em outro país, como este”, disse a mãe de três filhos que teve que deixá-los para trás, em Ciudad Bolívar.
Quando cruzou a fronteira, Sanguino dormia nas ruas. O ônibus improvisado a mantém protegida da chuva. Agora, ela está tentando juntar dinheiro para comprar uma passagem de ônibus para Boa Vista, capital de Roraima, onde pretende encontrar trabalho e enviar dinheiro para a família esfomeada em casa.
Os ocupantes da estrutura de metal enferrujada, antes um ônibus expresso, sonham em retornar à terra natal um dia, quando as coisas melhorarem, mas, por enquanto, a sobrevivência é uma luta diária.
O arroz cozinha em uma panela sobre o fogo em uma grelha improvisada. Geralmente eles comem arroz –ou arroz e frango, quando há dinheiro suficiente entre eles para comprar carne, diz Ixora.
Um padre espanhol oferece um café da manhã para 350 venezuelanos diariamente em sua casa, mas os migrantes devem chegar antes das 6h para conseguir um lugar, explica ela.
O ônibus oferece proteção contra mosquitos e contra o frio da noite, disse Ortiz. Quando surgem muitos insetos, ele coloca fogo em um papelão para afastá-los.
Hildemaro Ortiz está impaciente e deseja se mudar para cidades movimentadas ao sul. “Se apenas este ônibus tivesse um motor, já estaríamos a caminho de Manaus”, diz ele.