Reino Unido e Holanda dão início hoje às eleições para o Parlamento Europeu, que escolhem os 751 deputados da União Europeia (UE) reunidos em Estrasburgo. A votação prossegue amanhã na Irlanda e República Checa, sábado na Eslováquia, Malta e Letônia, domingo nos demais 21 países do bloco de 28.
Deverão votar algo como 200 milhões dos 426 milhões de eleitores habilitados. A eleição europeia costuma ser um evento morno, que mobiliza menos paixões que eleições nacionais, dado o poder reduzido dos deputados europeus. Desta vez, porém, será a mais importante desde a primeira, 40 anos atrás.
O principal motivo será o crescimento na quantidade de deputados contrários à integração europeia, conhecidos como eurocéticos. O maior exemplo do avanço do euroceticismo é obviamente o Brexit, que criou para os britânicos a situação mais insólita entre os 28 países.
Por não ter aprovado o acordo de divórcio firmado no final do ano passado com a UE, o Reino Uido será obrigado a eleger seus deputados, mesmo que o Brexit – a data fatídica foi adiada para 31 de outubro – venha a acarretar a saída deles e consequente redução no tamanho do Parlamento (de 751 para 705 representantes).
O fiasco dos conservadores e trabalhistas tem levado os eleitores britânicos a manifestar preferência majoritária nas pesquisas (em torno de 35%) pelo Partido do Brexit, do eurocético Nigel Farage. Farage já foi o principal vitorioso na eleição de 2014, quando liderava o também eurocético Partido da Independência do Reino Unido (Ukip).
Foi tal resultado que levou o então premiê, David Cameron, a convocar o plebiscito do Brexit, na tentativa de trazer os votos eurocéticos de volta para os conservadores. O plebiscito de 2016 lançou o país numa crise política sem precedentes.
Incapaz de aprovar qualquer proposta de Brexit, a premiê Theresa May se viu nesta semana às voltas com uma rebelião no próprio gabinete, depois que propôs a votação no Parlamento de um novo plebiscito para aprovar o acordo de divórcio e de uma fórmula que manteria o país como parte de uma união aduaneira com a UE. A renúncia de May é esperada para qualquer momento.
Embora mais crítico, o caso britânico não é isolado. O sentimento anti-europeu cresce em todos os países do bloco, como demonstra a ascensão de partidos nacionalistas, populistas ou de extrema-direita. O resultado das eleições entre hoje e domingo será provavelmente um Parlamento Europeu fragmentado, sem a maioria consensual que tem garantido aprovação aos projetos formulados pela Comissão Europeia, o órgão executivo da UE.
O Parlamento Europeu está dividido em blocos, reunindo partidos nacionais de orientação ideológica similar. Os dois principais são o bloco conservador, de centro-direita, Partido do Povo Europeu (EPP) e o social-democrata, de centro-esquerda, Aliança Progressista de Socialistas e Democratas (S&D).
A representação de ambos deverá cair. De acordo com a projeção do site Politico, o EPP perderá 52 de seus 221 deputados. O S&D, 45 de seus 191. Crescerão, em contrapartida, o bloco liberal, a Aliança de Liberais e Democratas pela Europa (Alde), e o ecologista, reunião entre Verdes e a Aliança Livre da Europa (EFE). O primeiro deverá ir de 67 a 106 representantes. O segundo, de 50 a 55.
O crescimento mais relevante deverá ser registrado nos três blocos eurocéticos: Conservadores e Reformistas da Europa (ECR), Aliança Europeia de Povos e Nações (antigo Europa de Nações e Liberdade, ou ENF) e a nova aliança entre o italiano Movimento Cinco Estrelas e o Partido do Brexit (antiga Europa de Liberdade e Democracia Direta, ou EFDD). Ao todo, o Politico prevê que os blocos eurocéticos crescerão de 155 para 181 deputados.
Essa é, contudo, uma medida parcial da extensão do euroceticismo no Parlamento Europeu. Embora o ENF reunisse partidos nacionalistas como o italiano Liga ou o francês Reunião Nacional, o húngaro Fidesz, do premiê Viktor Orbán, ainda integra o EPP. Há também eurocéticos no bloco esquerdista que reúne a Esquerda Nórdica Verde e a Esquerda Europeia Unida (GUE/NGL).
Numa análise individual, reunindo deputados de orientação eurocética espalhados por todos os blocos, o Politico estima que eles somarão 254 dos 751 deputados. Os favoráveis à integração europeia ainda representarão a maioria, com 469 deputados. Mas será uma maioria instável na hora de tratar de temas divisivos como imigração, meio ambiente ou regulação digital.
Uma vez eleito o Parlamento, será escolhido o novo presidente da Comissão Europeia, pois o mandato de Jean-Claude Juncker expira no final de outubro. A tradição informal é ele ser indicado pelo maior partido do Parlamento, provavelmente o EPP, pelo mecanismo conhecido em alemão como Spitzenkandidat (“candidato da ponta”).
O nome oficial do EPP é o bávaro Manfred Weber, aliado da chanceler Angela Merkel. O francês Emmanuel Macron faz pressão para entregar o cargo ao negociador do Brexit, o também francês Michel Barnier. Corre por fora, pelo S&D, o holandês Frans Timmermans.
Além do presidente da Comissão Europeia, os próximos meses trarão as escolhas do presidente do Conselho Europeu (órgão consultivo formado pelos líderes dos países), do Banco Central Europeu e do comissário encarregado das relações exteriores. Um Parlamento renovado, de perfil mais jovem e mais eurocético, terá influência decisiva no futuro do maior bloco político e comercial do planeta.