| Oda Paula Fernandes
Fotos: Eliane Loin
Há 26 anos, em 24 de agosto, a Ucrânia tornou-se soberana e escreveu um dos mais importantes capítulos da história nacional. Este ano, durante as celebrações em toda a nação, a mensagem do governo foi clara: o país tudo fará para vir a ser membro de pleno direito da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte. No Brasil, em Curitiba, foi feita uma festa para celebrar a data. A cidade foi escolhida devido ao número de imigrantes e descendentes; são mais de 600 mil na região sul do país.
Em Brasília, o embaixador Rostylav Tronenko recebeu a equipe da revista Embassy Brasília e falou, com exclusividade, sobre história, geografia, política e cultura deste povo que carrega em si a busca pela soberania.
Segundo ele, este é um ano de celebrar conquistas significativas ao país; o livre comércio e a isenção de vistos com a União Européia, que se iniciaram neste verão europeu, o livre comércio com o Canadá, que se inicia no próximo 1º de setembro. Na Ucrânia, de acordo com Rostylav Tronenko, 99.7% da população nacional é alfabetizada e é o terceiro país em número de outsourcing, pessoas que trabalham pela Internet.
A data é especial para eles porque foi quando a Ucrânia, em 1949, se tornou membro fundador das Nações Unidas (ONU). Mas comemoraram, nessa quinta-feira (24), duas outras ocasiões igualmente importantes; o Dia da Comunidade Ucraniana no Brasil e o 26º aniversário da independência. Veja a entrevista do embaixador Rostylav Tronenko.
Embassy Brasília – O que a Ucrânia tem para celebrar neste 24 de agosto?
Rostylav Tronenko: Comemoramos a nossa soberania, a integridade territorial e a realização do sonho secular da nação ucraniana, de ser dona de seu próprio país e destino. E ainda o acordo de livre comércio com a União Européia (UE) e isenção do regime de vistos, também com a UE que entrou em vigor neste verão no hemisfério Norte e a zona do livre comércio com o Canadá que entra em vigor a partir de 1º de setembro deste ano. Lembramos ainda de todos que caíram em lutas seculares e também as mais recentes, dos últimos três anos depois do começo da guerra da Rússia com a Ucrânia, na ocupação ilegal da República da Criméria e parte do Leste da Ucrânia. Lembramos todos que deram sua vida pela pátria, para continuar independente, soberana e livre.
Embassy Brasília – Qual é a posição do atual governo, diante da ocupação de parte da Ucrânia?
Rostylav Tronenko: Apesar de 7% de o nosso território estar ocupado por nosso vizinho, que é o poder nuclear membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas, nós vamos recuperar nosso território. Segundo dados da ONU são mais de dez mil mortos, mais de 23 mil feridos e 1.800 ficaram desalojados, refugiados.
Embassy Brasília – O povo ucraniano é engajado na liberdade. Como o Senhor define o seu povo?
Rostylav Tronenko: É um povo muito antigo, a nossa capital, Kiev, foi sede do estado medieval Rus de Kiev – não confundir com o principado de moscóvia, que surgiu séculos depois – sempre foi o berço de nações eslavas. E desde o ano 988, ainda no século 10 do Cristianismo, quando não existia divisão entre o catolicismo e a ortodoxia, nós adotados o Cristianismo, por isso nossos santos Wladmir e Santa Olga são destacados, eu penso que são únicos líderes de estados, depois canonizados. É um país culturalmente rico, tem 45 milhões de habitantes, é europeu, está no caminho de um futuro melhor, que escolheu a democracia, liberdade e estado de direito como princípio de alicerces de seu futuro melhor, que escolheu a UE como padrão para ser implementado e que paga caro por essa escolha.
Embassy Brasília – Quais são as mudanças que o país passa atualmente?
Rostylav Tronenko: Nos últimos três anos, estamos fazendo as reformas necessárias, apesar do momento difícil de guerra contra nós, para corresponder aos altos padrões dos membros da UE. Essas reformas são muito parecidas com as que o Brasil pretende realizar: reforma tributária, do judiciário e policia (segurança), política e econômica. Estamos realizando em meio a essa agressão externa, que uniu o povo na cobrança dos líderes políticos, e que obrigou, nestes três últimos anos, fazer mais reformas do que já havia sido feito em 26 anos de independência.
Embassy Brasília – Quais são os acordos com o Brasil?
Rostylav Tronenko: Em vigor nós temos mais de 50 acordos bilaterais em várias áreas, como eliminação da dupla tributação, acordos de amizade e cooperação técnica científica, educacional. Somos um dos poucos países europeus que temos praticamente todos os acordos na área jurídica de apoio nos casos civis e criminais com auxílio mutuo. Há muito que propor ao Brasil. Por isso desde 2009 somos parceiros estratégicos e desfrutamos, nas áreas técnico-militar, aviação civil, altas tecnologias, espacial, defesa, cultura e na área de agronegócio.
Embassy Brasília – E a relação do comércio exterior entre ambos os países?
Rostylav Tronenko: O Brasil importa da Ucrânia produtos da alta tecnologia, máquinas industriais e naval, mineração, aço, tubos, insulinas, farinha de trigo. Importamos carne, fumo, algumas máquinas. Mas esse leque de produtos, eu vejo que podem ser aumentados. É importante os dois governos prestar mais atenção a Comissão de Cooperação Mista e ajudar os setores como o agronegócio, como o de maquinário, como o setor químico de adubos a aumentar as exportações.
Embassy Brasília – Quanto há na troca econômica com o Brasil?
Rostylav Tronenko: Nos melhores tempos chegamos a bilhão e meio. Não é muito, se compararmos com outros países. Penso que os dois governos precisam trabalhar para aproveitar as possibilidades de comércio mutuo. Fazemos parte do livre comércio da UE, com países do European Free Trade Association (EFTA), além de Suíça, Lienchtenstein, Noruega e Islândia. Então, aquilo que o Brasil e o MERCOSUL aspira, a Ucrânia já obtém essas zonas do livre comércio. E a partir de 1º de setembro a zona de livre comércio com o Canadá, a maior quantidade de ucranianos em território estrangeiro.
Embassy Brasília – A migração de ucranianos para o Brasil se modificou muito em meio à cultura brasileira no sul do país, onde reside a maioria?
Rostylav Tronenko: Temos um elo muito forte que une os dois países. Quase um milhão de ucranianos – entre os que viveram e os que são descendentes – no Brasil, em São Paulo e Curitiba, há registros de 1870. Os primeiros ucranianos chegaram junto com outras comunidades alemã, italiana e japonesa. É um caso a parte para antropólogos brasileiros e ucranianos estudarem, como essa comunidade se adaptou tão bem a vida no Brasil, de como ela se moldou economicamente, politicamente e culturalmente o Sul e ao mesmo tempo preservou sua cultura, suas tradições e a fé milenar.
Embassy Brasília – Quem são os grandes nomes na cultura?
Rostylav Tronenko: A Ucrânia deu muitas pessoas destacáveis à sociedade brasileira, como a escritora Clarice Lispector, que nasceu e veio ainda bebê, aos dois anos de idade, com os pais. O arquiteto Gregori Warchavchik, de Odessa, mas foi naturalizado brasileiro, ele construiu a primeira casa modernista do Brasil, em São Paulo. Helena Kolody, poetisa considerada uma das maiores representantes literárias do Estado do Paraná e muito venerada pela comunidade japonesa por ter feito o primeiro raiko japonês em língua portuguesa. Quero dizer, há tantos outros, cientistas, escritores e pintores. Sem falar que o cooperativismo prosperou, trazido pela Ucrânia.
Embassy Brasília – Em relação à educação. Quais são os índices do país?
Rostylav Tronenko: Nas nossas escolas, as crianças podem estudar até mais de três línguas estrangeiras. Além da ucraniana, que é a língua oficial, o alemão, o inglês, francês, espanhol e português são amplamente divulgados nas escolas. Os pais escolhem se querem para as crianças na escola fundamental de ciências exatas ou de línguas modernas, depois passa para o ensino médio e assim por diante. Adotamos o sistema do ENEM para dar continuidade ao ensino superior. A Ucrânia ocupa o 4º lugar, no mundo, de pessoas alfabetizadas, corresponde a 99.7% da população nacional. Com curso superior, o equivalente é de 70% dos alfabetizados. Eu falo das escolas públicas, aqui não mencionei das escolas privadas. A nossa força do trabalho é extremamente flexível. Somos o terceiro, atrás apenas de Estados Unidos e Índia, a ter o maior número de outsourcing [pessoas que trabalham pela internet, para empresas fora do país]. A terra mais fértil do mundo, é nossa, o húmus. Somos, no mundo o segundo país de reservas de manganês e grafite, terceiro pelos depósitos de minérios e 32º mais populoso. Em geral, somos um país com atrativos.
Embassy Brasília – Embaixador, qual é o maior legado que o Senhor pretende deixar aqui no Brasil?
Rostylav Tronenko: Eu trabalhei aqui há 17 anos, entre 1999 e 2001. Naquela época quase não se tinha empresas ucranianas no Brasil e agora são pelo menos 15 investindo aqui e fazendo bons negócios. Meu maior legado é aproximar os homens de negócios. Temos muito interesse nos produtos agrícolas como os geneticamente modificados. E naturalmente, o Brasil pretende aumentar as exportações do agronegócio e estamos abertos para isso.