Barreiras e carrinhas blindadas ocupam a avenida, no primeiro dos quarto dias de um confinamento decretado face ao agravamento dos contágios com o novo coronavírus. Apenas alguns jornalistas e residentes circulavam na principal artéria da capital, centro nevrálgico do regime de Zine el Abidine Ben Ali, que se tornou o centro da revolução, onde os cidadãos se reúnem habitualmente a cada 14 de janeiro para reavivar a esperança de um futuro melhor.
“Normalmente teríamos pessoas a manifestar-se na avenida para pedir mais justiça social, porque os sucessivos governos desde 2011 ainda não tiveram em conta esse pedido”, disse Alaa Talbi, presidente do Fórum tunisino para os Direitos Económicos e Sociais. “Mas neste 14 de janeiro vou ficar em casa, pela primeira vez em 10 anos, porque a crise sanitária é grave”, adiantou.
A Tunísia regista mais de 50 mortos por dia e alguns médicos têm alertado para a dificuldade crescente em encontrar camas para os doentes mais graves. Face à situação, a federação sindical UGTT e outras organizações renunciaram às manifestações, mas as reivindicações não diminuíram de intensidade.
“É necessário ser muito otimista para crer que a Tunísia está no bom caminho de concretização dos objetivos da revolução”, considera o diário estatal La Presse. A subida dos preços, a persistência do desemprego e a fraqueza crescente dos serviços públicos, numa altura em que a pandemia acentua a precariedade, alimenta uma deceção à altura das esperanças nascidas em 2011.
A 14 de janeiro desse ano, após várias semanas de tumultos desencadeados pela imolação pelo fogo de um vendedor ambulante no interior do país, uma multidão inédita concentra-se na avenida Bourguiba, diante do Ministério do Interior. A cólera contra a miséria vira-se contra o regime e a multidão grita “Rua”. Nessa mesma noite, Ben Ali foge para a Arábia Saudita, onde morreu em 2019.
A partida após 23 anos no poder foi seguida de levantamentos populares noutros países da região e da queda de outros autocratas, no que ficou conhecido como a Primavera Árabe. A Tunísia foi o único país a continuar a sua democratização. “Podemos estar desiludidos, isso não significa que nos arrependemos: 10 anos é pouco para transformar um sistema que existe há décadas e podemos orgulhar-nos dos avanços”, disse Talbi.
“Instaurámos um novo sistema político, chegámos a acordo sobre uma Constituição, ainda que não esteja a ser posta em prática completamente, e respeitámos os prazos eleitorais”, explicou, adiantando: “Agora é necessária uma transição económica”.
A Tunísia, que depende largamente de doadores internacionais, concluiu na primavera um programa de apoio do Fundo Monetário Internacional sem ter relançado a sua economia.
Depois dos atentados em 2015, a pandemia voltou a fazer cair o turismo, deixando no desemprego dezenas de milhares de pessoas. A produção de fosfato e petróleo foi prejudicada por manifestações por emprego e infraestruturas nas regiões marginalizadas e a classe política, dividida e paralisada por lutas de poder, tem falhado na ação.
A falta de perspectivas tem feito aumentar as partidas clandestinas para a Europa, que registaram o ano passado um pico inédito desde 2011. De 2019 para 2020 aumentou cinco vezes o número de tunisinos a chegar às costas italianas. Mas “a juventude que cresceu numa Tunísia livre ainda acredita na revolução”, considera Talbi.