Embaixador André Regli fala sobre o país do relógio, onde tudo funciona, a Constituição Federal fortalece a política de base e o cidadão vota em temas de interesse geral
Súsan Faria
Há 726 anos, em 1º de agosto de 1.291, nascia a Confederação Helvética e um país 220 vezes menor em extensão do que o Brasil, e que é hoje uma das nações mais desenvolvidas do mundo: a Suíça. A data nacional daquele país será comemorada em Brasília, nesse sábado, dia 29, na sede da Embaixada, para convidados, especialmente os representantes do corpo diplomático. Será uma ocasião também para despedida do embaixador André Regli, que fica na Capital até o final de outubro e em seguida assume o posto em Lisboa – Portugal.
Em entrevista exclusiva à Revista Embassy, André Regli, 60 anos, advogado, diplomata de carreira, fala sobre a Suíça, um país onde se investe muito na Educação e Tecnologia, a paixão pelo Brasil e Brasília, seus gostos, a comunidade de descendentes de suíços em Nova Friburgo (RJ), entre outros assuntos. Veja a entrevista:
Revista Embassy Brasília – Nesta data especial o que os suíços têm a comemorar?
Embaixador André Regli – São 726 anos, quando representantes de três cantões juraram ajuda mútua. Todo suíço é orgulhoso porque a Suíça é um sucesso histórico. Não foi sempre assim, mas, a partir da 2ª Guerra Mundial, tivemos um desenvolvimento econômico e social forte.
Como o Sr. resumiria hoje a situação da Suíça?
É o país do Centro da Europa com muita diversidade. Falamos quatro idiomas (Francês, Alemão, Italiano e Romanche), o que traz uma mistura de cultura interessante. Temos algumas características importantes como o Federalismo, temos 26 cantões e o poder deles é grande. A nossa Constituição fala primeiro nas responsabilidades das cidades, depois dos cantões (os Estados) e no final o Estado Federal. É diferente. Organizada de baixo para cima. Esse federalismo é forte. A neutralidade também. Ficamos fora dos grandes combates e atritos do mundo.
Quais são os avanços mais marcantes no país?
Nos últimos anos, a Suíça sempre saiu como país mais inovador do mundo. Isso com certeza vem da Educação. Não temos recursos naturais, petróleo, mar. O que temos são pedras, que não são preciosas, e água. Então, a riqueza da Suíça vem dos recursos humanos e da Educação, da Tecnologia, da inovação. Investimos de 5% a 6% do PIB em Educação.
E os problemas/dificuldades da Suíça…
Hoje um dos problemas na Europa e também na Suíça é a emigração, sobretudo de pessoas dos países africanos, da Turquia e Síria. Somos um país pequeno e temos 25% de estrangeiros, o que é muito. Às vezes, em torno de Zurique há escolas com turmas de 15 alunos e das quais 12 alunos vêm dos ex-países iugoslavos. Alguns pais temem perder a identidade. Por isso, nos últimos anos crescem na Suíça os partidos de Direita que querem acabar com a imigração.
Há acampamentos?
Não, nenhum. A gente tenta integrar aqueles que são aceitos, cada cidade tem uma instituição que ajuda na integração, na aprendizagem da língua, na Educação. Outro problema é a nossa relação com a União Europeia. Temos um acordo com a UE, mas ela gostaria de ir além, que seguíssemos todas as suas leis. E os suíços são muito independentes. Temos de negociar o nosso futuro com a UE. Nós acabamos de votar no referendum uma nova estratégia para promover a energia renovável e até 2050 sair completamente da energia nuclear. Faremos muito esforço para promover a energia eficiente, utilizar menos energia, especialmente nas residências.
Outro problema, como no Brasil, é que os suíços estão ficando cada vez mais velhos. No final de setembro, votaremos para revisão da Previdência Social em 2030. Devemos prever adaptações, como igualar a aposentadoria de homens e mulheres, que hoje é de 65 e 63 anos, respectivamente. Nós votamos muito, quatro vezes por ano. Vamos às urnas não para votar nas pessoas, nos partidos, mas para nos assuntos concretos.
Quais os principais acordos em vigor e os projetos para o futuro dos dois países?
Há acordos para cooperação jurídica, nas questões penais, na Ciência e Tecnologia, Transporte Aéreo e Segurança Social. Podemos fazer mais, o Brasil e a Suíça em 2009 firmaram o Memorando de Entendimento para assegurar que somos parceiros estratégicos, quer dizer que começamos o diálogo em várias áreas: Política, Economia, Financeira, Jurídica e Administrativa. Nos encontrámos, os responsáveis, a cada dois anos – na área Política, a cada um ano – para conversar sobre os avanços que podemos ter. Nos últimos dois anos, fizemos um progresso na área fiscal. Finalizamos o texto que evita a bitributação entre os dois países, importante para empresas e pessoas físicas. A partir de 2019, as autoridades das Receitas suíça e brasileira vão intercambiar os dados fiscais automaticamente.
Um segundo acordo, iniciado há um mês, é um tratado de livre comércio com o Mercosul e a EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre) – que são todos os países da Europa que não fazem parte da União Europeia (UE): Noruega, Islândia, Liechtenstein e a Suíça, um pequeno bloco. Esse tratado ajudará no intercâmbio do mercado de importações e exportações. Esse é um intercâmbio que mais de 120 países concordaram em fazer e vamos realizar com o Brasil.
Quais são os principais produtos brasileiros que a Suíça tem interesse?
A maioria é da agropecuária. Importamos bastante cacau, e também peixes, metais preciosos. Importamos café, o Dulsão, que colocamos em cápsulas e exportamos inclusive para o Brasil. A Suíça é campeã em valor agregado. Exportamos eletrônicos, instrumentos de precisão.
Qual o maior legado que o Sr. deixa na sua gestão no Brasil?
O último ano no Brasil foi intenso para todos os diplomatas, com os grandes eventos, as Olimpíadas, a crise econômica e política, a Operação Laja Jato. Estive aqui de 1997 a 2001, como ministro conselheiro, durante o governo do Fernando Henrique Cardoso, e gostei muito do Brasil e dos brasileiros, que falei: um dia voltarei. Demorei 15 anos. Trabalhamos muito na Copa, em 2014; e nas Olimpíadas, em 2016. Queríamos que os brasileiros conhecessem mais sobre a Suíça e até pensamos em algo em telenovela, mas optamos pelo Carnaval e apoiamos a Unidos da Tijuca que em 2015 homenageou a Suíça. A Operação Lava Jato fez também com que a Suíça ficasse mais conhecida, ao indicar muitas provas. Em 2018, comemoraremos o bicentenário da imigração para Nova Friburgo, quando Dom João VI e o governo suíço fizeram um acordo e mil famílias suíças vieram para a região. Hoje, somos 15.500 suíços no Brasil.
O que o sr. pensa sobre Brasília?
É uma cidade fantástica, com qualidade de vida. É maravilhosa. Viajo uma vez por mês. Gosto de Pirenópolis (GO), de Alto Paraíso (GO) onde fui três vezes, de Foz do Iguaçu (PR).
E a música, o cinema, os autores brasileiros…
Adoro a música brasileira, funk, sertanejo, Luan Santana, Ivete Sangalo, Caetano Veloso, Gilberto Gil. Adoro a Fernanda Montenegro, fantástica especialmente no filme “Central do Brasil”. Gostei do filme “Cidade de Deus”. São obras que falam da realidade brasileira. Li muito Paulo Coelho, que mora em Genebra. Li Jorge Amado e os três livros de Laurentino Gomes, 1808, 1822 e 1889, excelentes. Gosto de arroz com feijão, de comida mineira e paraense, especialmente. Acho que os brasileiros têm calor, facilidade de se comunicar. E também adoro meu país. Nasci em Uri, onde tem um túnel ferroviário de 57 km, o maior do mundo, e sempre quis seguir a carreira diplomática. Sinto um grande privilégio em poder representar o meu país.