Liz Elaine Lôbo
Produção: Elna Souza
Sob um isolamento mantido até 11 de maio, os russos preveem uma contração econômica de até 6% em 2020. Em entrevista exclusiva à revista Embassy, o embaixador da Rússia no Brasil, Sergey Akopov, fala do quadro atual no país diante da pandemia. De acordo com o diplomata, o governo russo disponibilizou 115 mil novos leitos e treinou mais de 1,3 milhões de médicos. Sete centros de pesquisa estão elaborando a vacina para a Covid-19. Akopov explica como deve ficar a situação do forte setor petrolífero, dá informações sobre a reunião do BRICS nessa semana e do trabalho na embaixada que dispõe inclusive de uma escola para a comunidade russa. Leia a íntegra da entrevista.
Embassy – A Rússia confronta-se com um número crescente de casos de contaminação pelo coronavírus. Quais as principais medidas tomadas pelo governo russo para conter a pandemia?
O governo russo está tomando medidas em quase todas as áreas para conter o avanço da pandemia e mitigar os seus efeitos. Em primeiro lugar, é a mobilização do sistema nacional da saúde. Na região de Moscou foram construídos novos hospitais para receber pessoas com suspeita de contaminação. Mais de 115 mil novos leitos foram criados noutras regiões do país por conta dos institutos e academias do Ministério da Saúde. Mais de 1.3 milhões de médicos passaram por treinamento específico referente ao diagnóstico e tratamento da Covid-19. A Rússia desenvolveu vários tipos de testes de coronavírus, bem como um sistema de diagnóstico da imunidade ao vírus. Sete centros de pesquisa no país estão elaborando a vacina. Desde março, têm sido incentivadas pelo governo a produção e importação de artigos de primeira necessidade e de produtos médicos, incluindo respiradores. Por exemplo, a produção de antissépticos aumentou seis vezes desde então.
Em seguida, medidas sociais: apoio financeiro às famílias com crianças, subsídios aos desempregados e muitas outras decisões que foram tomadas pelo governo nos primeiros dias da crise. Para apoiar a economia nacional, foi introduzido o moratório da bancarrota de empresas. Estão suspensas todas as inspeções das empresas por órgãos controladores, está adiado o pagamento de crédito e de impostos. Os bancos estão obrigados a conceder crédito sem juros a certas categorias de pessoas físicas e jurídicas.
Com certeza, entre as medidas mais visíveis desta campanha é o distanciamento e isolamento social. Em Moscou, por exemplo, foi proibida a saída de pessoas às ruas (exceto ao mercado ou por outros motivos necessários) sem uma permissão, que pode ser obtida no portal eletrônico de serviços públicos. Ao mesmo tempo, as pessoas que trabalham nos setores essenciais da economia continuam trabalhando, os outros exercem suas funções à distância. Está temporariamente proibida a entrada de todos os estrangeiros no país. Os cidadãos russos que chegam do exterior estão obrigados a cumprir quarentena de 14 dias na região de chegada.
Embassy – O petróleo é um dos setores mais prejudicados pela pandemia na Rússia. Como o senhor analisa hoje esse setor em seu país?
A situação no mercado global de energia permanece complicada. Com certeza, isso tem um impacto significativo no setor petroleiro da Rússia, que está bem integrado no mercado internacional. Contudo, esta indústria no nosso país é bastante desenvolvida, tem boas reservas financeiras e conta com o apoio do sistema bancário nacional. Ao mesmo tempo, não é a primeira queda do preço do petróleo na história. Depois dos momentos da crise, sempre seguem os momentos de alívio e recuperação.
Na nossa visão, o interesse comum nessas circunstâncias seria evitar os riscos sociais, econômicos, tecnológicos e ecológicos da crise. A Rússia visa assegurar uma estabilidade do mercado de petróleo em longo prazo, estamos a favor de que sejam levados em consideração os interesses de todos, tanto dos produtores, como dos consumidores de petróleo. Pelo que tudo indica, este princípio é consensual entre a maior parte dos atores do mercado. Portanto, com certeza, é necessário cooperar, juntar os esforços para superar a situação corrente.
Afinal das contas, o setor petroleiro é importante, mas não é o único setor da economia. Enquanto esta indústria, por motivos objetivos, está atravessando uma crise, outros setores encontrarão oportunidades de desenvolvimento. Energia nuclear, hidroelétrica, fontes alternativas, todos estes setores permanecem cartões de visita da nossa economia e da nossa imagem exterior.
Embassy – Quais outros setores econômicos que mais estão se encolhendo na Rússia em função da Covid-19?
Entre os setores mais afetados pela pandemia, de acordo com a avaliação do governo da Rússia, destacam-se transporte de todos os tipos, cultura e lazer, turismo, alimentação pública, hotéis etc. Contudo, todas estas áreas, tal como todos os outros setores da economia nacional, recebem apoio do governo no âmbito das medidas que descrevi na resposta à pergunta anterior.
Embassy – Os negócios da Rússia ao nível internacional também estão prejudicados? Onde e em quais setores?
Com certeza, a cooperação internacional está atravessando um período difícil, em primeiro lugar, por causa das restrições que a pandemia impõe sobre viagens internacionais e encontros pessoais. Contudo, na área económica a interação continua, grandes empresas seguem trabalhando, exportações e importações de produtos essenciais permanecem. Acredito que a maioria dos empreendedores vai adaptar-se com sucesso à nova realidade, e os estados continuarão apoiando-os nesta adaptação.
Quanto à cooperação política, já estamos testemunhando o desenvolvimento de novos formatos de diálogo. Por exemplo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, quase todos os dias participa das mesas redondas, coletivas de imprensa e entrevistas em formato de videoconferência. Os briefings da porta-voz do ministério, Maria Zakharova, desde março se realizam sem presença de jornalistas na sala, todas as perguntas sendo enviadas online. Nesta semana os chanceleres do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul )se reuniram sob presidência do ministro Lavrov, também na forma de videoconferência. Tiveram uma discussão muito frutífera, e o quinteto continua desenvolvendo, mesmo sem a oportunidade de se reunir pessoalmente.Portanto, respondendo a sua pergunta, não diria que os negócios da Rússia no exterior estão prejudicados. Transformados, de certa maneira, sim. Mas prejudicados, não.
Embassy – Um dos papéis em destaque nas embaixadas hoje em dia é acelerar o business. Com a Covid-19, como fica o trabalho da embaixada em Brasília?
Reduzimos ao mínimo os eventos presenciais, ou seja, encontros pessoais, recepções, solenidades, reuniões, eventos culturais. Por exemplo, tivemos de adiar por um prazo indeterminado as nossas tradicionais mostras de cinema russo, neste ano, dedicada ao 75º aniversário da Vitória na Grande Guerra Patriótica de 1941-1945. Também tivemos de cancelar alguns outros eventos comemorativos por ocasião desta data importante, ou transferi-los ao online. Quanto aos nossos processos internos, continuamos trabalhando. Com certeza, tentamos realizar a maior parte das nossas atividades à distância, sem sair de casa. Quando a situação nos obriga a estar presente na embaixada, mantemos distância recomendada entre pessoas e tomamos todas as medidas de prevenção possíveis. Por exemplo, temos aumentado a frequência de limpeza das áreas de serviço da embaixada.
Embassy – A Embaixada da Rússia em Brasília é grande e possui até uma escola. Essa escola continua funcionando? Os empregados estão trabalhando?
A escola da embaixada continua funcionando, mas limitamos o acesso às aulas dos alunos que moram fora da embaixada, eles estão frequentando as aulas no formato online. O processo de educação não pode parar, portanto a escola todas as medidas necessárias para proteger nossos filhos na época da pandemia, mas as aulas continuam de acordo com a programação.
Embassy – Que medidas a Embaixada tomou para dar assistência aos cidadãos russos no Brasil?
Em primeiro lugar, a embaixada, junto com os nossos consulados no Rio de Janeiro e em São Paulo, organizou um voo fretado para repatriar os cidadãos russos que ficaram numa situação difícil aqui quando as fronteiras foram fechadas e muitos voos foram cancelados. O avião russo decolou do Rio de Janeiro em 02 de abril e levou à casa mais de 70 nossos cidadãos. A propósito, a caminho de Moscou para o Rio, o avião trouxe também cerca de 20 cidadãos brasileiros que ficaram numa situação semelhante em Moscou. Para os cidadãos que por alguns motivos pessoais decidiram ficar no Brasil, prestamos todo o apoio que podemos. A maioria deles, aqueles que planejavam voltar à Rússia, mas não conseguiram por causa do surto da Covid-19, de acordo com o programa do nosso governo, recebem ajuda financeira enquanto estão no estrangeiro. Ficamos em contato com todos e esperamos que daqui a pouco eles tenham a oportunidade de voltar a casa.