Liz Elaine Lôbo
Produção: Elna Souza
Na República Tcheca continua obrigatório o uso de máscaras faciais por tempo indeterminado. No mês de maio, devem ser reabertas gradualmente as instituições de ensino. Em entrevista exclusiva à revista Embassy, a embaixadora da República Tcheca Sandra Lang Linkensederová fala do combate à Covid-19 que considera “um dos maiores que enfrentamos nas nossas vidas”. Segundo a diplomata, até o final de maio é provável a reabertura de todo o comércio. A embaixadora garante que o comércio bilateral será mantido ou mesmo pode ser ampliado com o fim da pandemia. Leia a entrevista na íntegra
Embassy – Os tchecos são adeptos do ditado “faça você mesmo”, o que demonstra alto grau de independência das famílias, que aos poucos voltam à normalidade. Agora, é um dos primeiros países a reabrir algumas lojas. Como a senhora analisa este momento da pandemia na República Tcheca?
A pandemia é uma experiência sem precedentes para todos os países. A República Tcheca faz parte do grupo de países que tomaram medidas enérgicas contra a Covid-19 praticamente logo após a declaração da pandemia mundial ou ainda, alguns dias antes. No dia 11 de março, por exemplo, as escolas foram fechadas. No dia 12 de março foi declarado estado de emergência, prolongado até dia 30 de abril. No dia 14 de março, foram fechados os restaurantes e bares e, no dia 16 de março, o governo fechou as fronteiras do país. A partir do dia 19 de março, foi declarada a obrigatoriedade do uso de máscaras em espaço público, e dentro de instituições e empresas. Recomendou-se manter a distância de dois metros entre as pessoas e evitar agrupamento de mais de duas pessoas nas ruas. Essa rigorosa estratégia rendeu bons resultados e a curva das ocorrências começou a achatar. O governo decidiu, portanto, adotar medidas para devolver fôlego à economia visto também à necessidade de preservar empregos. Já foi permitida a retomada das atividades desportivas em alguns lugares ao ar livre sem uso de máscaras. Várias lojas comerciais além de supermercados também já foram reabertas, como por exemplo, lojas de bricolagem e consertos de bicicletas, papelarias, jardinagem etc. Até o final de maio é provável a reabertura de todo o comércio. O meio principal do contágio do vírus deve constar na quarentena inteligente, ou seja, mediante a autorização do próprio doente, vão ser traçados através dos meios inteligentes, como celulares e cartões de crédito, os movimentos e contatos do doente nos últimos cinco dias. Assim poderão ser identificados os possíveis contagiados e subsequentemente testados. O exército tcheco ajudará nessa tarefa.
Embassy – Na República Tcheca é obrigatório o uso de máscaras faciais, como medida de evitar a contaminação pela Covid-19. Essa obrigação continua até quando? Existe multa para quem não cumpre? A senhora sai de máscara em Brasília, quando precisa se deslocar?
A necessidade do uso de máscaras ao sair de casa será mantida por tempo indeterminado. Há estimativas que esse prazo se estenda até agosto. A multa de violar a regra pode ser dolorosa, até quatro mil reais. O povo tcheco, na sua maioria, é muito disciplinado e não temos tido muitos incidentes. O desconforto é grande, mas as pessoas entendem que isso é a forma de proteger eles próprios e seus entes queridos. No mês de maio, devem ser reabertas gradualmente as instituições de ensino. Primeiro vão voltar a ter aulas os últimos anos das universidades e últimos anos do ensino médio. No final de maio ou em junho devem abrir as portas, as escolas de ensino fundamental, porém, só para as famílias que optarem por não manter as crianças em casa. E aí vai ser um desafio definir como vai ser a regra do uso das máscaras. Eu e a minha família usamos máscaras sempre quando vamos ao comércio.
Embassy – O clima frio no seu país contribui para elevar as contaminações? Como a população tcheca tem enfrentado a pandemia?
No meu país a pandemia destravou em março, ou seja, na primavera que começou modestamente com 10 graus positivos. Em breve vamos estar no verão e, pelo que se sabe, não deve favorecer a propagação do vírus. O frio geralmente volta em novembro. O que vai acontecer nessa altura é atualmente um enigma. No que diz respeito à nossa população e ao enfrentamento da pandemia, é relativamente tranquilo. As pessoas no geral aceitaram as medidas do governo e têm confiança no nosso sistema de saúde tanto público como privado. Mas com certeza é um grande desafio, um dos maiores que enfrentamos nas nossas vidas. Além das incertezas econômicas para muitos, praticamente ninguém está acostumado a passar tantos dias em casa. E os tchecos têm uma alta necessidade de praticar atividades ao ar livre e procuram se alimentar culturalmente; caminhar nas zonas pedestres ou nos centros de cidades, frequentar os cafés ao ar livre, passar a tarde nos parques, visitar teatros etc. Agora podem pelo menos caminhar na beira dos rios, aproveitar as ciclovias ou mergulhar aos sábados e domingos nas florestas que no meu país são lindas e publicamente acessíveis. Deve ter aumentado bastante o número de pessoas que vão apanhar cogumelos nas florestas, algo que é um ritual familiar muito comum na Tchecoslováquia.
Embasssy – Como a pandemia alterou a rotina de trabalho da embaixada tcheca em Brasília? Como está sendo feito a assistências aos cidadãos tchecos que vivem no Brasil?
Alterou bastante. Os nossos funcionários acima de 60 anos ou estão com sistema de home office ou de férias. Outros vão fazendo plantão. O nosso foco principal nestas semanas continua sendo o serviço aos cidadãos que moram no Brasil ou que precisavam de ajuda com a repatriação. A nossa equipe consular fez um trabalho maravilhoso e conseguiu repatriar todos os 300 tchecos aproximadamente que viajavam pelo Brasil no momento em que as fronteiras começaram gradualmente a fechar e os voos a reduzir. Mudou consideravelmente o ritmo, a forma e o conteúdo do trabalho, mas, a vida não parou e as chamas têm que ser mantidas para continuarmos as inúmeras atividades bilaterais quando a situação assim o permitir.
Embassy – As relações comerciais entre o Brasil e a República Tcheca podem ser afetadas em consequência dessa pandemia?
Embora seja difícil prognosticar todos os impactos da pandemia nas economias nacionais e no comercio mundial, podemos contar com um ponto fixo; as significantes rupturas nas cadeias de abastecimento. A crise está em geral levando muitas empresas a reformularem suas cadeias de fornecedores estrangeiros, buscando parcerias com empresas que estejam mais próximas geograficamente ou “mentalmente“. A depender da escala do rearranjo, a retomada do crescimento pós-pandemia pode ser mais demorada, levando mais tempo para que as cadeias voltem às suas configurações originais.
Quanto ao Brasil, com certeza vai achar muitas soluções de produção e de tecnologia em casa reduzindo a importação menos sofisticada. Mas quanto ao comércio bilateral entre a República Tcheca e o Brasil, acreditamos que não vai ficar com muitos danos justamente por causa da sua estrutura. O Brasil nos vende, sobretudo, química, matérias primas e alimentos. Todo isso vai ser preciso também depois da pandemia. Fornecemos, por sua vez, máquinas de relativamente alto nível tecnológico que também serão úteis depois da pandemia, especialmente se o mundo vai aderir ainda mais à mecanização e robotização da produção.
O que então promete ser o novo eixo do comercio bilateral são as cooperações com alta participação da ciência. Agora os nossos países devem aproveitar que já estamos desenvolvendo com a ajuda do SENAI há algum tempo – cooperação científica e tecnológica. Também vão prosperar as cooperações e investimentos nas áreas onde a República Tcheca dispõe de soluções únicas e o Brasil por sua vez represente a entrada para os novos e alternativos territórios.
Parabéns pela entrevista .