O rabino Henry Sobel morreu nesta sexta-feira (22), aos 75 anos, em Miami, nos Estados Unidos, por complicações associadas a um câncer. O sepultamento ocorrerá no domingo (24), no cemitério Woodbridge Memorial Gardens, no estado americano de Nova Jersey.
Nascido em Lisboa, sua mãe belga e seu pai polonês chegaram a Portugal fugindo da perseguição nazista durante a 2.ª Guerra Mundial. Ainda na primeira infância, a família de Sobel se estabeleceu em Nova York, onde ele se formou rabino.
A partir de 1970, depois de se formar, ele se radicou no Brasil, onde permaneceu por mais de quatro décadas.
Defesa dos direitos humanos
Nos seus primeiros anos no Brasil, Sobel era visto como uma autoridade religiosa: dava entrevistas para explicar elementos do judaísmo, fazia cerimônias às vítimas do nazismo, entre outras atividades.
Sobel, no entanto, se tornou também uma autoridade e uma voz firme em defesa dos direitos humanos no país durante a ditadura militar.
Ele teve destaque na luta pelo esclarecimento da morte do jornalista Vladimir Herzog, também de origem judaica, ocorrida quando este ficou detido pelos órgãos de repressão da ditadura, em São Paulo, em 1975.
Na ocasião, Sobel se recusou a enterrar Herzog na ala dos suicidas do cemitério israelita, por rejeitar a versão oficial acerca das circunstâncias da morte. O rabino também se juntou a líderes de diferentes religiões num ato ecumênico em homenagem a Herzog, em 31 de outubro de 1975, na Praça da Sé, uma semana depois de seu assassinato. Além de Sobel, estavam presentes o católico Dom Paulo Evaristo Arns e o presbiteriano Jaime Wright.
“Com todas as manchas, eu vi, com meus olhos, foi esta visão que eu levei para a frente quando conversei com três militares e também no culto ecumênico, ecoando as palavras do cardeal de São Paulo. A coragem foi de Dom Paulo. Não minha. Dom Paulo disse ele foi morto, ele foi assassinado. Eu disse ‘eu concordo com o senhor’”, lembrou Henry Sobel, em entrevista a Serginho Groisman. “Foi um momento muito triste na nossa história –eu me refiro ao Brasil e a mim”, completou.
Morre o rabino Henry Sobel
Rabino emérito da Congregação Israelita Paulista (CIP), ele casou-se com Amanda Sobel e, em 1983, os dois tiveram uma filha, Alisha Sobel.
“O que mais amo em São Paulo é ver pessoas das mais diversas origens, tantas nacionalidades diferentes, tantos credos diferentes”, declarou Sobel. Mesmo tendo morado no Brasil por bastante tempo, o rabino sempre falou um português com sotaque americano e era conhecido, também, por isso.
Quando alguém comentava sobre sua pronúncia, Sobel brincava, dizendo que falava daquela forma por ter nascido em Portugal, segundo narra o jornalista Caio Blinder em seu livro “Terras prometidas”.
“Serei honesto: podia ficar nos EUA. Mas não quis ser mais um entre muitos rabinos norte-americanos, servindo entre muitas congregações. Aqui, pensei, teria condições de criar algo genuinamente meu. Ser um pioneiro, um arquiteto do judaísmo segundo minha maneira de encarar o judaísmo”, disse a Blinder.
Ele chamava essa forma de interpretar a religião de “judaísmo interrogativo”. Para Blinder, Sobel resumiu a vertente da seguinte forma: “É necessário perguntar, estudar, formular dúvidas e procurar a resposta com o judaísmo”.
Amizade com Dom Paulo
Sobel e Dom Paulo passaram a aparecer em conjunto em outros momentos em que era convocada a participação institucional de líderes religiosos, em ocasiões como a Páscoa. Em 1978, os dois redigiram juntos uma nota que condenava a invasão de Israel ao Líbano.
“Como há dois dias, protestamos contra a violência de um ataque palestino que ceifou vidas de inocentes em Israel, hoje lançamos, com a mesma veemência, o protesto contra os ataques de Israel que custaram vidas tão preciosas no Líbano”, escreveram os dois, de acordo com uma reportagem da “Folha de S.Paulo” do dia 17 de março de 1978.
Quando Dom Paulo morreu, em dezembro de 2016, Sobel falou ao jornal “O Estado de S. Paulo”:
“Dom Paulo era meu amigo. Passamos momentos incríveis juntos. Ele era um grande liberal: um discípulo e descendente dos profetas de Israel. Sentirei a sua falta. A igreja, a Sinagoga, o Mundo está de luto.”
Gravatas
Em 2007, o envolvimento em um furto de gravatas de grife em uma loja em Palm Beach (EUA) levou ao seu afastamento da Congregação Israelita Paulista (CIP). Na época, ele atribuiu o episódio a uma doença psicológica e ao efeito de remédios para depressão. Posteriormente, ele afirmou que não poderia atribuir o ocorrido a “fatores externos” e que cometeu um “erro”.
“Desde jovem, fui um intolerante comigo. E o autojulgamento sempre foi severo demais. Mas o rabino é humano, portanto, falível”, disse.
Outras polêmicas
Ele se envolveu em polêmicas ligadas à religião: em 2006, o então deputado federal Clodovil Hernandez acusou os judeus de manipularem o Holocausto. Ao comentar, Sobel falou dele mesmo na terceira pessoa: “Se ele falou isso, o rabino Henry Sobel declara que ele vai apanhar”, disse.
“A declaração do deputado eleito é uma provocação, é uma ofensa, reflete ignorância histórica. Certamente não vai ficar sem resposta. A comunidade judaica vai tomar todas as providências que cabem”, afirmou.
Sobel também chegou a defender a pena de morte após o assassinato de Liana Friedenbach e Felipe Caffé por Roberto Aparecido Alves Cardoso, conhecido como Champinha, em 2003. Depois, Sobel voltou atrás e disse que a defesa havia sido “uma reação emocional”.
Em 2004, ele criticou o filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, pela caracterização dos judeus: “Fiquei repugnado com a falta de fundamentação histórica, a subjetividade de Gibson e a violência do início ao fim. Anti-semitas podem usar o filme para recriar a ficção que justifique o preconceito contra os judeus”.
Conciliador
Ele também atuou para desarmar um momento potencialmente constrangedor. Em março de 2002, Henry Kissinger, o ex-secretário de Estado dos EUA durante o governo de Richard Nixon, ia receber uma homenagem do governo de São Paulo.
Grupos de esquerda ameaçaram fazer protestos se Kissinger recebesse uma medalha do governo estadual.
Sobel, em nome da comunidade judaica, entrou no circuito para explicar ao americano qual era a situação no Brasil, e Kissinger, que também é judeu, cancelou a vinda.
“Falei muitas vezes com ele pelo telefone e deixei claro o que acontecia nos bastidores, e ele foi sensível a isso. Foi a nossa forma de evitar problemas e constrangimentos para ele e para nós”, disse Sobel ao “New York Times”, na ocasião.