Em 25 de dezembro de 1991 Mikhail Gorbachov deixou de ser líder da URSS
Mikhail Gorbachov, o grande reformador da Rússia comunista, vivia suas últimas horas no Kremlin. Chegava ao fim não só um império, mas um país que tinha desempenhado papel fundamental na história do século XX. O sistema econômico e político imposto pelos bolcheviques, fracassado, desaparecia. Ficava para trás, definitivamente, a falta de liberdades –políticas, econômicas, culturais, de movimento– e continuava a cada vez mais difícil caminhada, que havia começado exatamente com Gorbachov, rumo a um sistema que queria ser democrático. O custo social dessa mudança foi enorme: o capitalismo selvagem golpeou uma população acostumada à estabilidade trabalhista, mas também abriu as portas para a iniciativa individual e permitiu que os russos gozassem de uma liberdade que nunca haviam tido.
Parafraseando o que diria depois um dos artífices das reformas econômicas da nova Rússia, Gorbachov colocou assim o último prego no caixão da URSS. A verdade é que o país já tinha deixado de existir como unidade territorial, depois do fracassado golpe de Estado de agosto de 1991 por parte dos comunistas conservadores para evitar, exatamente, o que se via chegar: a desintegração da União Soviética.
Gorbachov tinha esperanças de poder manter o país unido, mesmo depois que as repúblicas que integravam a URSS declararam sua independência. Não as perdeu totalmente nem depois que, em 8 de dezembro, as três eslavas (Bielorrússia, Rússia e Ucrânia) firmarem o tratado de Belovezha, pensando que ainda seria possível formar uma confederação. Mas as poucas que sobraram se desvaneceram no dia 21, quando os líderes das 11 antigas repúblicas soviéticas (todas menos a Geórgia e as três bálticas) se reuniram no Cazaquistão e anunciaram a formação da Comunidade de Estados Independentes (CEI).
O 25 de dezembro de 1991 foi um dia de esperança para milhões de pessoas na Rússia, que viam o futuro com otimismo. Também foi um momento de luto para outros milhões, agora ex-cidadãos da URSS. “Odeio sua liberdade, perdi o túmulo dos meus pais, a Vitória, meu país”, disse o escritor nacionalista conservador Alexandr Projanov. O novo mapa significou para muitos ter de abandonar o território em que haviam nascido, deixar lá familiares e relíquias. Também o desaparecimento da potência que havia vencido a Segunda Guerra Mundial e o ressurgimento de movimentos nacionalistas e até facistoides no antigo território soviético
Quando foi arriada a bandeira vermelha fiquei em estado de choque”, lembra Serguei Kosarev, que tinha então 37 anos. “Eu, nascido em Sochi, às margens do mar Negro, tinha terminado o ensino médio no Cazaquistão e depois o instituto em Riga (Letônia). De repente meus amigos, minha juventude ficaram para trás em outros países. Pensei que tudo isso fosse para o mal e no começo foi duro, mas o pior não foi o primeiro ano da reforma econômica, e sim mais tarde, quando na Rússia deixaram de pagar em dia os salários, e havia atrasos de seis meses ou mais”, conta. “No final, no meu caso tudo foi para o bem, recuperei a religião dos meus antepassados, como outros milhões de ortodoxos, e vi meio mundo; nem uma coisa nem outra teriam sido possíveis na URSS”, conclui.
Foi um momento de alegria especialmente para os jovens e para muitos menores de 50 anos, que intuíam que seus filhos não conheceriam a ditadura, a censura; que não só poderiam se deslocar livremente em seu país e se estabelecer onde quisessem, como também fazê-lo pelo mundo, coisas que já tinham começado a tomar forma nos anos da perestroika.
É verdade que essas expectativas não foram cumpridas para todos os cidadãos da URSS. Em vários países, os regimes ditatoriais se perpetuaram (as antigas repúblicas da Ásia Central e o Azerbaijão); outros se envolveram em guerras civis (Geórgia, Moldávia, Tajiquistão) ou entre o centro e as suas autonomias étnicas (Abkházia e Ossétia do Sul com Tbilisi, seguido, uma década depois, pela guerra entre a Geórgia e a Rússia; os habitantes de língua russa da Transnístria, na Moldávia; a Chechênia contra o Kremlin), ou contra o vizinho (Armênia e Azerbaijão).
Esses processos, alguns dos quais ainda prosseguem, tinham começado antes: no momento da renúncia de Gorbachov, quando na Geórgia se combatia, a Chechênia tinha declarado a independência, a Moldávia tinha anunciado a aspiração de se reunificar com a Romênia.
Depois da mensagem Gorbachov –ou, segundo o ex-deputado Vladimir Isakov, enquanto falava–, a bandeira vermelha soviética foi arriada e em seu lugar foi içada a tricolor russa no Kremlin. Depois do discurso de despedida, num corredor do Kremlin, o general Yevgeny Shaposhnikov entregou a maleta nuclear para Boris Yeltsin.
O ponto final foi formalmente colocado no dia seguinte na Câmara das Repúblicas do Soviete Supremo da URSS, antes de ser dissolvida: seus membros aprovaram a declaração que ratificava o fim da URSS.
A nova Rússia começou a caminhar com reformas econômicas e terapia de choque: em 2 de janeiro os russos acordaram com um aumento substancial dos preços. A inflação ultrapassou 300% naquele ano (no ano seguinte chegaria a 2.600%), mas, de acordo com especialistas, o país conseguiu acabar com o déficit de produtos, restabelecer o consumo, começar o processo de privatização, liberalizar o comércio externo, começar a reforma agrária e deter os processos desintegradores que ameaçavam então a Rússia.
Svetlana, que prefere não dar o sobrenome, tinha 12 anos quando a URSS acabou. Conta que não se lembra muito, exceto a atmosfera “tensa e de preocupação” que havia em sua casa no final do ano. “Depois veio o aumento dos preços e também a liberdade para comprar e vender, e eu lembro que um dia minha mãe me levou ao centro da cidade e nos instalamos ao lado de muitas outras pessoas ao longo das lojas de departamento Detski Mir [O Mundo das Crianças], nós com dois pares de meias e vários maços de cigarros para vender; outros vendiam garrafas de vodka, pulôveres para crianças tecidos pelas avós, conservas…”, lembra.