O primeiro-ministro do Líbano, Saad Hariri, anunciou nesta terça (29) que vai renunciar ao cargo, dizendo ter chegado a um “beco sem saída” na crise desencadeada por uma onda de protestos sem precedentes que ocorre há duas semanas no país.
Em um breve discurso transmitido pela televisão —recebido pelos manifestantes nas ruas com gritos de alegria, buzinas e fogos de artifício—, Hariri, 49, afirmou que vai apresentar sua demissão ao presidente Michel Aoun.
Desde 17 de outubro, os libaneses vêm fazendo manifestações massivas no país, que passa por sua pior crise econômica desde a guerra civil (1975-1990). Bancos, escolas e universidades estão fechados, e barreiras bloqueiam os principais acessos à capital.
O levante está sendo chamado de “revolução do WhatsApp” porque começou após o anúncio de um plano para cobrar uma taxa sobre chamadas de voz em aplicativos como esse. A cobrança seria de 20 centavos de libra libanesa (R$ 0,83) por dia para ligações feitas por meio de programas que usam a tecnologia Voip, que permite chamadas pela internet.
O governo recuou horas mais tarde, mas as manifestações continuaram, evidenciando o descontentamento da população frente a políticos que levaram o Líbano à crise econômica.
“Há 13 dias, os libaneses estão esperando por uma solução política que freie a deterioração [da economia]. E eu tentei, durante esse período, encontrar um caminho de saída pelo qual escutar a voz da população”, disse Hariri nesta terça em seu discurso de renúncia, acrescentando que é “hora de um grande choque para enfrentar a crise”.
“A todos os parceiros na vida política, nossa responsabilidade hoje é em como protegermos o Líbano e recuperarmos sua economia”, completou.
A saída de Hariri era a principal reivindicação dos manifestantes, mas a revolta é dirigida a toda a classe política, considerada incompetente e corrupta.
O governo, que inclui quase todos os principais partidos do país, está lutando para implementar reformas há muito adiadas e vistas como vitais para começar a resolver a crise.
No último dia 21, Hariri anunciou um plano de reforma que não convenceu: medidas contra a corrupção, um orçamento sem novos impostos, um programa de privatizações para combater a disfunção dos serviços públicos e ajuda aos mais pobres.
Abalado por uma guerra civil entre 1975 e 1990, o Líbano é um dos países mais endividados do mundo: o crescimento econômico foi dificultado por conflitos e instabilidade regionais. O desemprego entre pessoas com menos de 35 anos chega a 37%.
Os libaneses sofrem com a escassez crônica de água e eletricidade, e mais de um quarto da população vive abaixo da linha de pobreza.
A crise foi agravada por uma desaceleração dos fluxos de capital para o país do Oriente Médio, que há muito depende de remessas de expatriados para atender às necessidades de financiamento, incluindo o déficit do Estado.
A crise financeira aumentou o ímpeto de reforma, mas as medidas do governo ainda não convenceram os doadores estrangeiros, que ofereceram bilhões de dólares em assistência ao país condicionados a mudanças nas políticas fiscais.
Hariri é uma figura fundamental do polarizado cenário político local desde que seu pai, o ex-premiê Rafik Hariri, foi assassinado em uma explosão em Beirute em 2005. O filho emergiu como líder dos sunitas do país em um momento de conflitos políticos e violência esporádica com os xiitas libaneses do Hizbullah.
Durante seus três mandatos, obteve relativo sucesso em formar um governo de união nacional, capaz de deixar de lado por certos períodos as rivalidades históricas entre os dois grupos —Hariri tem apoio da Arábia Saudita, enquanto o Hizbullah conta com o suporte do Irã. Os dois países muçulmanos são rivais há décadas.
Hariri assumiu seu primeiro mandato de premiê em 9 de novembro de 2009. Menos de dois anos mais tarde, a coalizão de partidos de oposição, liderados pelo Hizbullah, renunciou ao governo de unidade nacional, implodindo a administração. A retirada dos xiitas e de seus aliados cristãos se deu pois agentes do Hizbullah foram acusados de matarem seu pai.
O premiê reassumiu o cargo em 2016, por um decreto assinado pelo presidente Michel Aoun. Hariri conseguiu novamente fazer com que os dois grupos deixassem de lado as rivalidades, governando de maneira relativamente pacífica.
Em novembro de 2017 ele renunciaria pela primeira vez partir de Riad, capital da Arábia Saudita, pegando de surpresa seus apoiadores e adversários.
Ele disse temer por sua vida, e argumentou que um esquema para matá-lo estava sendo planejado. O presidente Michel Aoun, aliado do Hizbullah, afirmou que a Arábia Saudita deteve o premiê e o forçou a renunciar. Ao retornar ao Líbano semanas mais tarde, Hariri retirou sua demissão. A sua saída anunciada nesta terça é, portanto, a segunda vez que renuncia.