Promotores de oito Estados tentam impedir que uma empresa, com o aval do Governo de Donald Trump, ofereça projetos para a impressão de armas de fogo feitas de plástico
El País
O sempre difícil equilíbrio nos EUA entre a defesa das liberdades e o mero senso comum enfrenta um insólito desafio. Uma empresa pretende lançar nesta quarta-feira, 1º, em seu site os projetos de armas de fogo de plástico, materializáveis com uma impressora 3D e com capacidade para disparar e matar como qualquer outra. Assim, qualquer um poderá baixar e fabricar livremente sua pistola ou rifle. Promotores de oito Estados apresentaram na segunda-feira uma ação conjunta num tribunal federal de Seattle exigindo a proibição do que consideram uma “séria ameaça à segurança nacional”.
Após cinco anos de disputa judicial, a empresa texana Defense Distributed, responsável pelo modelo das armas, recebeu em 29 de junho autorização do Governo para lançar os pacotes de instruções para a fabricação doméstica. Em 2013, a firma já havia colocado os projetos no site, mas o Departamento de Estado, sob a presidência de Barack Obama, ordenou que o acesso fosse interrompido por violar a lei que regula a exportação de armas. A administração de Donald Trump reverteu a medida, dando novamente sinal verde à Defense Distributed.
Nesta segunda-feira, em pleno alvoroço pela iminente volta do material ao site, o presidente escreveu no Twitter que estava analisando a questão de oferecer ou não essas armas ao público, e que por isso havia consultado a Associação Nacional do Rifle (NRA na sigla em inglês): “Não me parece que faça muito sentido”, disse, sem esclarecer se pretendia tomar alguma medida para frear a situação. Uma porta-voz da NRA afirmou na semana passada que a organização, principal lobby dos EUA na defesa das armas, considera esse um tema de “liberdade e inovação”.
Bob Ferguson, promotor do Estado de Washington, que está à frente da ação, emitiu um comunicado na segunda-feira em que perguntou ao Governo por que estava dando “fácil acesso” a essas armas a “criminosos perigosos”. E alertou que as pistolas baixadas não seriam rastreáveis por não ter número de série, evitariam os detectores de metal e estariam ao alcance de qualquer um não importando a idade, saúde mental e ficha policial. Políticos democratas trabalharam na terça-feira na apresentação de uma proposta para “combater a ameaça” dessas armas.
A Defense Distributed oferece uma variedade de planos que podem ser baixados de pistolas e armas como o rifle AR-15, o mais utilizado em massacres com armas de fogo nos EUA, um problema gravíssimo e reiterado no país. O promotor geral da Pensilvânia, um dos autores da ação, denunciou na segunda que entre sábado e domingo, antes do dia anunciado pela empresa para liberar os planos, já haviam detectado em seu Estado mais de mil planos baixados para construir um AR-15.
A empresa afirma que sua intenção de publicar os planos é protegida pela Primeira Emenda constitucional, que protege o direito à liberdade de expressão. Segundo declarações ao The Washington Post de seu fundador, Cody Wilson, a Defense Distributed considera que não estão em jogo o direito a se ter armas e sim o “acesso à informação”.
Wilson é uma figura controversa nos EUA desde que em 2013 sua empresa publicou os planos da pistola 3D Liberator. Ele se considera um defensor radical da liberdade do indivíduo e inimigo da intervenção do Estado. É admirador de Julian Assange, cérebro da WikiLeaks, e afirma que suas ideias vêm do filósofo pós-moderno francês Jean Baudrillard. O Southern Poverty Law Center, uma organização que analisa os grupos de ódio nos EUA, o define como um produto de “uma espécie de pós-libertarianismo extremo”.
A provocação é sua marca. Em 2014 disse ao jornal inglês The Guardian: “Você me pergunta como eu me sentiria se alguém atirasse em uma criança com uma Liberator? Acho que me sentiria mal e ficaria com o sentimento de ‘Oh, Deus, vai acontecer uma grande confusão”. A revista Wired incluiu Cody Wilson em 2015 e em 2017 entre os cinco personagens mais perigosos da Internet.