Embaixador Todd Chapman diz que cerimônia de posse pacífica, após invasão do Capitólio, foi uma vitória da democracia – (crédito: Roberto Schmidt/AFP)
Simone Kafruni
Um dia após a posse do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman (foto), afirmou que recebeu a carta enviada pelo presidente Jair Bolsonaro ao novo ocupante da Casa Branca e que o conteúdo é “muito construtivo”. “Não tenho detalhes para saber como foi recebida. Só posso dizer que comunicação aberta e clara é muito melhor do que falta de comunicação. Foi construtiva e, como um diplomata sempre quer ver, olhando para frente, mas reconhecendo que temos temas para tratar”, disse. “Vamos encorajar este tipo de comunicação”, acrescentou, nesta quinta-feira (21/1), em entrevista a jornalistas.
O diplomata preferiu não comentar o impacto de o líder brasileiro ter sido o penúltimo a reconhecer a eleição do norte-americano e disse não ter previsão sobre um possível encontro entre os dois chefes de Estado. “Estamos no início da relação, sempre tem oportunidades e desafios e temas prioritários. Vamos fazer todo o possível para continuar com uma relação construtiva”, ressaltou.
Segundo Chapman, o presidente Biden mostrou seu desejo de voltar à Organização Mundial de Saúde (OMS) e ao Acordo de Paris, e isso mostra a intenção do novo governo de participar de organizações multilaterais. “Talvez tenha outras organizações, mas isso já mostra a importância que o presidente dá para o multilateralismo. Isso é um ponto importante para a nossa relação. Há muitas oportunidades entre Brasil e EUA, e é possível ter um diálogo maior sobre como avaliar os temas internacionais por meio dessas organizações.”
Agenda prioritária – O diplomata explicou que a nova administração vai priorizar temas diferentes do governo anterior e isso vai dar um novo entendimento entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos. “Os temas que vão continuar, como sempre, são importantes: econômicos, educação, militar, saúde pública, segurança. São chaves, e vamos continuar”, afirmou. O embaixador destacou, contudo, que o presidente Joe Biden sinalizou seu interesse prioritário por saúde pública e pelo meio ambiente. “Ele já disse que o meio ambiente vai ser um pilar da administração”, disse.
Está na agenda prioritária dos Estados Unidos as questões de energia renovável e redução do carbono. “O secretário John Kerry será seu representante especial sobre Clima. Kerry foi quem negociou o Acordo de Paris. Ele tem um compromisso sério, pessoal, para o tema do meio ambiente. E participou da Rio 92. Super bem qualificado para liderar nosso esforço nesse tema. Vai ser muito importante ter um diálogo fluido com o secretário Kerry”, alertou. “Agora que estamos nos juntando ao Acordo de Paris vamos ver como trabalhar nesse fórum para chegar a novos acordos. Vamos dar um pouco de tempo para que as conversas comecem, não somente para o Brasil e os Estados Unidos, mas para o planeta”, ponderou.
Vitória da democracia – Chapman avaliou o dia da posse como um momento histórico. “Foi uma transição pacífica, um evento poderoso para o processo democrático. Este ano, com mais importância em razão da violência de 6 de janeiro em nosso país”, assinalou, referindo-se à invasão ao Capitólio por apoiadores de Donald Trump, que consideram ilegítima a eleição de Biden. “Nosso sistema funcionou e nossas instituições são sólidas. A democracia venceu”, ressaltou.
Segundo o embaixador, outra relevância do dia de ontem foi a posse da primeira mulher e primeira afro-americana como vice-presidente, Kamala Harris. “Isso também é histórico. Porém, o tema central do discurso da posse do presidente foi a unidade. Ele fez uma chamada nacional para a união da nossa nação. Sempre há divisões, questões políticas, mas essa é uma mensagem bastante importante, durante esse tempo de pandemia e também diante dos desafios que vimos no 6 de janeiro. Muitos republicanos e democratas falando que chegou o momento de união e avançar esse projeto chamado Estados Unidos da América. Isso foi muito inspirador.”
Diálogo – O diplomata disse que esteve em Washington e se reuniu com o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Nestor Forster. “Ele está fazendo contatos importantes ao redor do nosso governo e do país. Vamos trabalhar juntos para encorajar este tipo de diálogo”, afirmou.
Chapman preferiu não comentar as declarações do presidente Bolsonaro, que colocou em dúvida a eleição norte-americana, e tampouco os tuítes do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que sinalizaram simpatia aos invasores do Capitólio. “Sobre 6 janeiro, posso dizer que estava em Washington nesse dia, fiquei acordado para ver a votação no Congresso sobre a certificação das eleições. Houve um grupo ameaçando as instituições e tradições democráticas, mas mostramos ontem, com a posse pacífica, um rechaço completo àquilo”, disse.
“Ontem, foi um novo começo de uma administração do presidente Joe Biden, legalmente eleito, nos Estados Unidos, apoiado pela maioria, dentro do sistema que temos do colégio eleitoral. Isso é um fato que precisamos enfatizar sempre”, completou.
Fake news e 5G – Sobre as fake news, o embaixador ressaltou que é importante que informações falsas não sejam espalhadas, nem aqui no Brasil, nem nos Estados Unidos.”Isso não é bom para ninguém. É importante que colocamos nossa relação dentro de um cenário de realidade. Tenho toda confiança de que temos interesses comuns, vamos nos concentrar neles. As palavras são importantes e vamos trabalhar com comunicação certa, correta, com transparência e clareza. É assim que tenho trabalhado”, disse Chapman.
O embaixador acredita que os Estados Unidos vão manter a ênfase na segurança tecnológica e na proteção de dados. “Nem posso imaginar que isso mudaria. Eu acho que há muito apoio para essa iniciativa de realmente proteger a nova economia do 5G. É um tema específico que tem que continuar a ser debatido. Imagino que os objetivos são constantes”, afirmou.
Ele lembrou, ainda, que há uma forte cooperação entre os dois países na área de saúde pública e que os Estados Unidos enviaram mais de US$ 20 milhões de ajuda ao Brasil, sendo que o setor privado doou mais de US$ 60 milhões. “Recebemos várias sugestões e pedidos do governo brasileiro, que estão sendo olhados com muita atenção”, disse.