Depois da última e fracassada tentativa do líder oposicionista Juan Guaidó de unir os militares à causa de derrubar o presidente Nicolás Maduro, os dois países reforçaram suas retóricas e se acusaram de interferência na crise interna do país sul-americano.
E não é a primeira vez (e provavelmente não será a última) que Washington e Moscou atuam pela mudança de governo em outros países. Mas, até agora, os esforços da Casa Branca para propiciar a queda de Maduro não foram eficazes.
De um lado, Guaidó defende que o Parlamento considere a cooperação internacional “em questões militares”; do outro, Maduro argumenta que uma intervenção no país só teria como objetivo controlar o petróleo.
Enquanto isso, dois nomes importantes da política dos Estados Unidos – o assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, e o secretário de Estado, Mike Pompeo – afirmam que um dos principais fatores que mantêm Maduro no poder tem sido o apoio da Rússia.
Há meses, o Kremlin não apenas tem defendido Maduro em relação a sanções ou condenações no Conselho de Segurança da ONU como também tem enviado aviões militares e assessores e emitido avisos sobre as graves consequências de uma eventual intervenção estrangeira armada na Venezuela.
Para muitos especialistas, a posição da Rússia em relação à Venezuela se assemelha a um modelo político conhecido – um padrão que já foi bem-sucedido para Putin do outro lado do mundo e que alguns especialistas definem como o “modelo sírio”.
O que é o “modelo sírio”?
De acordo com James Dobbins, analista de diplomacia e segurança da Rand Corporation, um think tank que assessora as Forças Armadas dos Estados Unidos, o “modelo sírio” é basicamente a política que Putin seguiu na Síria para manter Bashar al-Assad no poder.
“Em poucas palavras, a ameaça de uma invasão militar e uma estratégia diplomática de pressão e confronto servem para manter um governo aliado”, diz ele.
Dobbins diz que foi uma lição que a Rússia aprendeu com a Líbia. Em 2011, após a repressão das revoltas da chamada Primavera Árabe, a intervenção de uma coalizão liderada pela Otan precipitou a queda de Muammar Gaddafi, que morreu nas mãos de uma multidão pouco depois.
“Gaddafi era um aliado da Rússia desde o período da União Soviética, mas Moscou não intervinha para salvá-lo”, diz Dobbins.
Segundo o analista, o que aconteceu no país africano foi uma lição para Putin: sem uma atitude por parte da Rússia, Washington poderia continuar a mudar os governos aliados de Moscou.
E o que isso tem a ver com a Síria?
Em 2011, a Primavera Árabe chegou também à Síria e o que começou como um protesto por mudanças políticas logo se transformou em uma guerra civil que, cerca de oito anos depois, continua causando mortes.
O Observatório Sírio de Direitos Humanos, uma ONG britânica que monitora o conflito com base em uma rede de fontes locais, registrou 353.900 mortes até março de 2018, incluindo 106 mil civis, além de 56.900 pessoas desaparecidas.
O conflito logo passou a contar com participação internacional, quando os Estados Unidos, a Turquia, os Emirados Árabes e até mesmo o Irã se juntaram para apoiar algumas das partes.
A guerra continuou e, em 2015, a Presidência de Al Asad ficou por um fio. Foi aí que a Rússia tomou uma atitude.
Após o outono de 2015, a Rússia deu início a uma operação militar na Síria com ativos aéreos, terrestres e marítimos.
Segundo o especialista Matthew Rojansky, diretor do Instituto Kennan do Wilson Center, centro de estudos americano, a Síria se tornou o principal palco para as operações de combate das Forças Armadas russas, bem como seu mais importante “centro de treinamento” no mundo.
Desde que as forças russas chegaram ao solo sírio, os Estados Unidos tiveram que começar a implementar uma estratégia que não tinham praticado antes: notificar os comandantes militares de Moscou sobre suas operações de ataque.
Isso porque uma eventual agressão contra um militar russo poderia fazer com que o conflito tomasse uma dimensão muito maior.
Segundo Rojansky, a eficácia da estratégia de confronto na Síria deixou claro para o alto comando russo que o mesmo modelo também poderia ser eficaz em outros lugares.
Assim como a estratégia diplomática em fóruns internacionais e as ameaças de uma escalada no conflito armado.
Como isso afeta a Venezuela?
Em meio a crescentes tensões com os Estados Unidos e aos pedidos da Casa Branca para Maduro abandonar o poder, a Rússia enviou dois aviões para Caracas com equipamento e militares que supostamente atuariam em tarefas de treinamento.
E há meses a Rússia ameaça ao dizer que haverá “consequências devastadoras para a região e para a segurança mundial” se ocorrer uma intervenção dos Estados Unidos na Venezuela.
No entanto, foram apenas ameaças e o destacamento militar foi de apenas dois aviões e cerca de 100 soldados, o que é quase nada em comparação ao destacamento russo na Síria.
Mesmo assim, segundo especialistas, é um gesto simbólico.
“A presença desses militares russos – e foi dito que alguns são integrantes do alto comando – é uma ameaça em si mesma”, explicou Vladimir Rouvinski, professor de política e relações internacionais da Universidade ICESI de Cali, na Colômbia.
“Os Estados Unidos sabem que se atacarem a Venezuela e algo acontecer a esses militares, isso significaria que a Rússia entraria automaticamente em guerra.”
Há risco real de guerra na Venezuela?
A possibilidade de um conflito armado na Venezuela não pode ser descartada completamente, mas os especialistas consultados pela BBC demonstram ceticismo.
Famil Ismalov, chefe do serviço russo da BBC, aponta três motivos principais:
O Exército russo não tem recursos ou capacidade para estender linhas de combate para o outro lado do mundo e já está em pelo menos duas outras guerras: a Síria e a Ucrânia, ambas em sua área de operações.
Os países vizinhos da Venezuela (incluindo os EUA), embora sejam principalmente defensores da oposição, “não participam ativamente em campo”, como na Síria.
Apesar dos US$ 17 bilhões investidos na Venezuela, a Rússia não arriscaria seus interesses globais por um confronto direto com os americanos em seu “quintal”.
Para que serve o “modelo sírio” na Venezuela?
Matthew Rojansky, do Instituto Kennan do Wilson Center, acredita que a estratégia é uma carta russa para mostrar sua oposição aos Estados Unidos.
“A Rússia se opõe a todos os casos em que os Estados Unidos apoiaram o que Moscou considera ‘operações de mudança de regime’ em todo o mundo, do espaço pós-soviético à América Latina”, diz.
Segundo o especialista, a atuação russa na Venezuela é um caminho para o Kremlin mostrar que está apto a disputas também no Ocidente.
Ismalov concorda com isso: “A presença militar russa na Venezuela é um pretexto para que levem Moscou em conta quando a questão é discutida em nível internacional”.
“É como acontece com a Síria também: qualquer discussão sobre o que acontecerá no futuro também terá que passar por Moscou”, diz Dobbins, analista de diplomacia e segurança da Rand Corporation.