Estendo meus agradecimentos ao Governo do Distrito Federal pela oportunidade para compartilhar essas notas e passar em revista algumas das iniciativas do Itamaraty que integraram a ação do governo do Presidente Jair Bolsonaro desde que a Covid-19 atingiu o mundo. Comentar o trabalho que foi desenvolvido representa exercício de prestação de contas e transparência, necessário em qualquer democracia madura.
Passados mais de 18 meses do início da pandemia de Covid-19, declarada oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, convém realizar balanço, ainda que parcial, do que tem feito a diplomacia brasileira para enfrentar o desafio que ela impôs ao Brasil e ao mundo.
É difícil dimensionar a escala do impacto causado pela pandemia, em termos de perda de vidas, de prejuízos econômicos e de aumento da instabilidade internacional. Milhões de vítimas fatais, escolas fechadas, famílias separadas, restrições de viagens e deslocamentos de modo geral, a virtual paralisação de setores inteiros da economia global e a maior recessão desde a Segunda Guerra Mundial. Foi nesse contexto que assumi a honrosa tarefa que me foi confiada pelo Presidente Jair Bolsonaro de liderar o Ministério das Relações Exteriores (MRE). Como não poderia deixar de ser, a diplomacia da saúde esteve, desde o início, no topo de nossas prioridades, assim como a recuperação econômica e os esforços em prol do desenvolvimento sustentável.
Tem sido um período de enorme desafio, mas principalmente de aprendizado e de intenso trabalho. Passamos, em poucas semanas, de uma atividade de identificação, diagnóstico e análise para outra de construção de capacidades, mitigação de riscos e elaboração de respostas. Tratou-se de verdadeiro exercício de gestão de crises, a exigir-nos criatividade, dinamismo e adaptação. O Ministério das Relações Exteriores conseguiu demonstrar resiliência ante os desafios apresentados e deu prova de sua capacidade de defender o interesse nacional e prestar serviços de qualidade aos cidadãos brasileiros.
Nesse momento inédito para nossa geração, verificamos novamente o acerto da Constituição ao estabelecer os princípios que regem nossas relações internacionais, com destaque para a “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”. Sob este signo, o Itamaraty desenvolveu iniciativas importantes, que, não resta dúvida, ajudaram na mobilização nacional de contenção do vírus e de seus efeitos negativos sobre a vida dos brasileiros.
A tradicional atuação internacional do Brasil no campo sanitário foi fortalecida e aprimorada. O MRE e o Ministério da Saúde atuaram de mãos dadas nesse esforço, voltado para troca de informações, discussões sobre boas práticas, obtenção de medicamentos e insumos hospitalares e desenvolvimento e aquisição de imunizantes contra a Covid-19.
O Itamaraty agiu decisivamente para a importação desses imunizantes e dos insumos necessários para sua produção (Ingrediente Farmacêutico Ativo – IFA). Não se pode deixar de ressaltar o papel das doações no auge do enfrentamento à pandemia. O Itamaraty coordenou o recebimento de ofertas de medicamentos, EPIs e máquinas de exame feitas ao Brasil por nações amigas. Também pudemos fazer nossa contribuição, atendendo a pedidos de 24 países parceiros, principalmente por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), que recebeu, em 2020, recursos extraordinários no valor de R$ 28 milhões para emprego exclusivo em ações de cooperação humanitária internacional para enfrentamento da Covid-19.
O Brasil tem trabalhado tanto no desenvolvimento de vacinas próprias quanto na criação de capacidade tecnológica para a produção dos componentes das vacinas estrangeiras utilizadas no país. Tencionamos fornecer imunizantes a outros países tão logo a produção doméstica o permita, dando prioridade aos nossos parceiros da América Latina.
Uma das diretrizes centrais do Presidente Bolsonaro no enfrentamento da pandemia é a de que nossa atuação deveria ter como horizonte a proteção da saúde e, também, dos empregos. Tendo isso presente, o Itamaraty valeu-se amplamente da diplomacia econômica para buscar condições de suporte à economia brasileira, de acesso a insumos estratégicos no combate à crise e de aquisição de tecnologia para os imunizantes.
No debate sobre propriedade intelectual no âmbito da OMC, o Brasil tem sublinhado a necessidade de que a decisão de eventual relaxamento das proteções do Acordo TRIPS (seja uma moratória, seja a ampliação de flexibilidades do Acordo, ou algo híbrido) possa ser implementada no menor prazo possível, de forma a contribuir para a produção de vacinas e de outros tratamentos para o combate da pandemia.
Ainda em 2020, no âmbito multilateral, juntamente com os demais membros do G20, o Brasil apoiou o documento “Ações do G20 para apoiar o comércio e investimentos mundiais em resposta à COVID-19”, que prevê ações coletivas em regulação e facilitação do comércio, transparência, operação de redes logísticas, suporte às micro, pequenas e médias empresas, apoio ao sistema multilateral de comércio, construção de resiliência das cadeias globais de valor e fortalecimento dos investimentos internacionais
Nossa participação nos bancos multilaterais e regionais de desenvolvimento também canalizou a relevante contribuição que tais instituições podem dar aos países-membros. No âmbito da Comissão de Financiamentos Externos (COFIEX), órgão colegiado do qual o Itamaraty participa, destacou-se a aprovação do “Programa Emergencial de Apoio a Renda de Populações Vulneráveis Afetadas pelo COVID-19 no Brasil”, com financiamentos de seis daqueles organismos, no total de US$ 4 bilhões, que contribuíram significativamente para a implementação de políticas públicas nas três esferas da federação.
Outra área em que o Itamaraty atuou intensamente no combate à pandemia foi a do serviço consular. É difícil imaginar algum período, nas últimas décadas, em que a diplomacia consular tenha sido tão requisitada como na fase inicial da pandemia. Sem muito planejamento, medidas unilaterais foram adotadas da noite para o dia em dezenas de países. Milhares de brasileiros que estavam em solo estrangeiro foram pegos de surpresa.
Tivemos de redobrar esforços na área consular, de modo a atender os brasileiros expatriados que recorriam a nossas representações em busca de assistência. Integramos o Grupo Executivo Interministerial de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional e, com esse mecanismo interagência, passamos a colher e sistematizar informações sobre o volume de brasileiros que ficaram retidos no exterior em razão da emergência sanitária.
Dentro do MRE, criamos grupos de trabalho para “Plantões Consulares”, separados por regiões, e designamos funcionários que estiveram disponíveis 24 horas por dia, 7 dias por semana, para o atendimento ao público, mediante contato telefônico que divulgamos em nossas redes sociais e demais canais institucionais. Esses esforços possibilitaram ao governo brasileiro repatriar mais de 38.800 nacionais que se encontravam retidos no exterior. Desse total, mais de 8.000 brasileiros foram repatriados em 37 voos fretados diretamente pelo MRE, vindos de cerca de 100 países, graças a recursos de Medidas Provisórias decretadas pelo Presidente Bolsonaro.
A crise que a humanidade ainda está por superar expôs nossas fragilidades e os riscos a que estamos sujeitos. Se há algo que certamente precisamos – organizações e indivíduos – internalizar em nossa atuação é a importância do imprevisível e a influência que ele tem no trabalho que realizamos diariamente.
Penso que é preciso maior esforço analítico para entender a natureza das crises que provavelmente teremos de enfrentar. Até pouco tempo, costumávamos pensar que as grandes ameaças à segurança e à estabilidade das relações internacionais seriam fruto de embates militares, ataques terroristas, choques econômicos e outros fatores correlatos.
A pandemia parece ter expandido consideravelmente a percepção dos desafios que teremos de levar em conta. Teremos de atentar para questões que vão desde o surgimento de zoonoses a desastres ambientais, passando pela segurança cibernética e a mudança do clima. O conhecimento para compreender tais problemas é multidisciplinar, e a capacidade para resolvê-los depende da ação coordenada do Estado, envolvendo os três poderes e as três instâncias de governo, sempre em diálogo e colaboração com os diversos segmentos de nossa sociedade.