Paulo Beraldo, O Estado de S.Paulo
Em meio à reabertura gradual de atividades na Europa após mais de dois meses de confinamento, os países da Escandinávia adotam estratégias diferentes para atingir o mesmo objetivo: retomar a economia sem deixar o coronavírus avançar. Em comum, Finlândia, Noruega, Suécia, Dinamarca e Islândia – os chamados países escandinavos – têm a confiança da população nas instituições governamentais como trunfo para o momento.
A partir desta semana, finlandeses e noruegueses puderam voltar a frequentar seus bares e restaurantes preferidos, algo que os suecos e dinamarqueses já vinham fazendo há algum tempo. O horário de funcionamento é menor, a capacidade foi reduzida e as regras de distanciamento social precisam ser obedecidas.
“É importante frisar que o fato de estarmos levantando restrições pode dar a impressão de que a pandemia está acabando, mas esse não é o caso. É a maneira como o governo está lidando com ela que está mudando”, frisa o embaixador da Noruega no Brasil, Nils Martin Gunneng (foto).
Uma reabertura segura, lenta e gradual é a recomendação repetida diariamente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) aos seus 194 Estados-membros. Essa estratégia permite que os sistemas de saúde tenham capacidade de atender todos os que precisam – inclusive pacientes com outros problemas de saúde.
Parceiros históricos, os países escandinavos têm cooperado em iniciativas de financiamento conjunto em pesquisas, colaboraram para repatriar cidadãos e elaboram planos conjuntos para a economia de sua região após o fim da pandemia. Com a suspensão de algumas restrições, como a possibilidade de fazer compras e de se reunir com pequenos grupos, ainda é fundamental manter a propagação do vírus sob controle, com mais testes e rastreamento das pessoas que entraram em contato com o vírus.
A Noruega, com 5 milhões de habitantes, deve enfrentar a pior recessão desde a Segunda Guerra e planeja retirar cerca de US$ 37 bilhões do fundo soberano do país, o maior do mundo, com cerca de US$ 1 trilhão em ativos. O embaixador Gunneng conta que a comunicação foi efetiva para conter o vírus, com vídeos e materiais de campanha em diversas línguas – focando também em imigrantes.
A primeira-ministra Erna Solberg chegou a tirar dúvidas de crianças sobre a pandemia em uma entrevista coletiva sem adultos. No país, os times de futebol já voltaram a treinar e os campeonatos devem recomeçar em meados de junho. Escolas e universidades estão abertas. Eventos com até 50 pessoas podem ser organizados, atividades esportivas com no máximo 20 e o tempo de quarentena para quem contraiu o vírus caiu de 14 para 10 dias.
Museus, cafés e livrarias
Nesta semana, a vizinha Finlândia também avançou mais um passo em sua reabertura. Os museus retomaram as atividades, encorajando os cidadãos a comprarem entradas pela internet para evitar filas. Ainda que já estivessem abertas, as livrarias e bibliotecas – bastante tradicionais no país de 5 milhões de habitantes – agora vão permitir acesso aos seus espaços de convivência, áreas de leitura e mesas de computador. Algumas piscinas públicas também foram reabertas.
Desde o início, o país teve uma abordagem mais leve contra o vírus, ainda que com mais proibições que os suecos. Academias e salões de cabeleireiro, que fecharam em muitos países, ficaram abertos. O resultado? “Não tinha proibição, mas no primeiro mês ninguém foi”, conta o embaixador da Finlândia no Brasil, Jouko Leinonen. O país não aplicou multas a quem descumprisse as recomendações.
A Finlândia chegou a recorrer a armazéns secretos construídos durante a Guerra Fria nunca antes abertos. Nesses espaços subterrâneos, há estoques de remédios, alimentos e produtos essenciais – de combustíveis a equipamentos médicos. Ao fim da Segunda Guerra, o país não se alinhou nem com a vizinha Rússia e nem com os Estados Unidos, portanto precisava se defender. “Aprendemos a sobreviver sozinhos. E sempre estamos preparados para a guerra do inverno, aprendemos desde pequenos”, explica o embaixador.
No subsolo da capital, Helsinque, e em outras cidades do país, uma rede de túneis e bunkers equipada com artigos essenciais pode receber milhares de cidadãos em caso de crises climáticas e guerras. Mas, ao final, foi uma pandemia que obrigou o governo a usar pela primeira vez esses depósitos, abastecidos ao longo dos anos esperando o pior. “Temos uma preparação total da sociedade para qualquer tipo de crise”, diz Leinonen. “Esse sistema pode interessar a muitos países quando a pandemia passar”.
Confiança
“Temos uma forte tradição na Dinamarca de cooperação, coesão e confiança. Faz parte do nosso sistema de assistência social e da maneira como fazemos as coisas”, comenta o embaixador do país no Brasil, Nicolai Prytz. “O que mais importa é como cada um de nós se comporta, não o efeito direto de enviar as crianças de volta à escola ou abrir um salão de cabeleireiro”, avalia.
O país adotou uma abordagem restrita, aplicando multas contra quem furasse as medidas de distanciamento social. Cinco elementos foram considerados para a reabertura: fortes testagens no sistema de saúde e na sociedade, maior uso de equipamentos de proteção individual, distanciamento social, higiene reforçada e evitar aumento da propagação. “Se a situação epidemiológica piorar, os planos podem ser renunciados e as medidas necessárias de contenção reintroduzidas”, diz.
Desde 11 de maio, os dinamarqueses podem frequentar áreas externa de bares e restaurantes, levar crianças nas escolas, ir a livrarias, igrejas e praticar atividades ao ar livre. A terceira fase da reabertura inicia em 8 de junho, com permissão de encontros de 30 a 50 pessoas e mais algumas atividades culturais e esportivas.
A medida acabou gerando curiosidade na fronteira com a Suécia, dividida por uma ponte entre Copenhague e o porto Malmö. Ali, oito quilômetros diferenciavam abordagens distintas para a pandemia.
Enquanto os suecos podiam ir a parques ou cafés, os dinamarqueses viviam o lockdown. Em entrevista ao Estadão, o epidemiologista chefe da Suécia, Anders Tegnell, reafirmou a estratégia de dar recomendações e conselhos para as pessoas, ao invés de impor. “Há uma tradição muito forte de confiança entre os suecos e as agências governamentais. Isso sempre foi alto na Suécia”, disse. O país não determinou um lockdown ou uma quarentena, mas recomendou que os 10 milhões de suecos saíssem de casa apenas quando necessário, trabalhassem de casa se possível e evitassem aglomerações.
A decisão sueca fez os casos de covid-19 subirem mais que nas nações vizinhas e rendeu uma divergência política. Dinamarca e Noruega anunciaram a reabertura das fronteiras entre os países na semana passada, mas não fizeram o mesmo com cidadãos provenientes da Suécia. Procurado, o governo sueco não quis comentar a situação e lembrou que a Agência de Saúde Pública do país não recomenda nem mesmo viagens domésticas acima de cerca de duas horas.
Já os islandeses pretendem reabrir o país aos turistas em 15 de junho, sem terem feito um lockdown, mas com testes em toda a população de 360 mil habitantes, inclusive nos cidadãos que não apresentavam sintomas. A regra é que todo cidadão que entre no país faça testes ou, então, fique duas semanas em quarentena.
Também será preciso baixar um aplicativo para poder passear pela nação com vulcões, gêiseres e, por vezes, sol à meia noite. Para estimular viagens, o país faz campanhas de marketing e está reduzindo os impostos do setor hoteleiro.