Morreu neste sábado (18) um gigante na história da defesa dos direitos civis. O americano John Lewis foi um pioneiro no combate ao racismo nos Estados Unidos. Esteve ao lado de personagens reconhecidos em todo o planeta, como Martin Luther King. Tinha 80 anos, um câncer no pâncreas, e ideais que não conseguiu ver se realizarem.
Imagine passar 60 anos lutando pela mesma coisa. Aos 21 anos, John Lewis embarcou numa ousada viagem de ônibus. Era um dos 13 de um grupo que foi rodar o sul dos Estados Unidos. A ideia era sempre sentar um negro ao lado de um branco. Já era lei. Não podia haver segregação.
Mas os estados americanos do Sul, por onde eles passariam, ignoravam a decisão da Suprema Corte. O grupo era recebido com pedras, os ônibus eram incendiados. Nas rodoviárias gritavam: matem esses negros.
John Lewis ficou conhecido como um dos 13 cavaleiros da liberdade. E entre eles, como o mais corajoso de todos. Os pais eram pobres agricultores do Alabama, arrendatários de terra. A vida inteira ele estudou em escolas públicas segregadas. Até que na juventude conheceu o homem que viraria o farol para milhares de negros americanos.
Ao repórter Fábio Turci em 2018, Lewis disse que o líder Martin Luther King Junior o inspirou a se posicionar e a ter coragem, e ensinou à humanidade que o melhor caminho é o da paz e do amor. Era isso que Lewis tinha em mente quando bolava seus protestos.Ele entrou na faculdade para estudar filosofia e religião, e um dia, simplesmente, liderou os negros para sentarem na mesma mesa dos brancos na hora do almoço.
Passo a passo o movimento foi crescendo até virar isso: em 1963, milhares de pessoas reunidas na capital do país numa cena que entrou para história como o marco da adesão popular aos movimentos dos direitos civis americanos. Foi nesse dia que Martin Luther King disse a histórica frase: “Eu tenho um sonho.”
O desejo era a união de brancos e negros no futuro. Dois anos depois, John Lewis estava lá, na frente de 600 pessoas na cidade de Selma. Eles pediam pacificamente o direito efetivo ao voto. Foram recebidos pela polícia de seu Alabama natal às cassetadas.
Este é John Lewis. Apesar de mais de 40 prisões, agressões físicas duras, sempre defendeu a não-violência. Ele acreditava na democracia. Por mais de 30 anos como deputado, lutou pelo mesmo que lutava na rua.
Você acha que ele não merecia receber em 2011 a Medalha da Liberdade, a mais alta honraria americana, do primeiro presidente negro?
Neste sábado, Barack Obama lembrou que Lewis sempre arriscou a própria vida pela sua causa, inspirou gerações e acreditava que em todos nós existia coragem e um desejo de fazer o que é certo.Outro ex-presidente, Bill Clinton escreveu que Lewis sempre deu tudo de si para resgatar a promessa inalcançada de justiça e liberdade para todos.
O presidente Donald Trump disse estar triste com a notícia da morte do herói dos direitos civis e ordenou bandeiras a meio mastro. O filho mais velho de Martin Luther King Junior disse que Lewis deu voz a quem não tinha e lembrou a cada um de nós que a arma mais poderosa e não-violenta é o voto.
Lewis já lutava contra um câncer no pâncreas quando as ruas foram tomadas, este ano, por protestos contra o racismo e a violência policial, em cenas muito parecidas com as que ele protagonizou faz tanto tempo.
Ele posou com a prefeita de Washington sobre a frase pintada no asfalto: “As vidas dos negros importam. ”Ele já não podia sair para se unir aos manifestantes. Mas contou que chorou ao ver uma cena: a morte de George Floyd, estopim das manifestações. Em 2018 ele já tinha dito: “As relações raciais no país mudaram, mas 50 anos depois as coisas deveriam estar melhores. Mas nós vamos chegar lá.”
Atenção para última frase: “Nós vamos chegar lá.” Sessenta anos de luta e ele nunca perdeu a esperança. Por isso que, mesmo em casa, ele estava na rua ao lado de milhares de pessoas. E elas, é como se estivessem sentadas ao lado dele naquele ônibus. Numa longa viagem rumo à liberdade que ainda não terminou.