Manifestantes enfurecidos invadiram o Ministério das Relações Exteriores neste sábado (8/8) em Beirute, enquanto a indignação cresce entre os libaneses quatro dias após a gigantesca explosão que comoveu o mundo.Milhares de libaneses saíram às ruas, em Beirute, para protestar contra a classe política que eles culpam pelas terríveis explosões que devastaram parte da capital, matando mais de 150 pessoas e ferindo 6.000.
Nos arredores da Praça dos Mártires, tradicional epicentro de contestações populares na capital, houve confrontos entre as forças de segurança, que lançaram bombas de gás lacrimogêneo, e jovens armados com pedras.Para os libaneses, atingidos por uma grave crise econômica, a explosão foi a gota d’água e alimentou um movimento de protestos que havia começado em outubro contra a classe política, considerada corrupta e incompetente, mas que havia perdido força devido à pandemia da COVID-19.
Em um discurso transmitido na televisão, o primeiro-ministro do Líbano, Hassan Diab, anunciou que irá propor a antecipação de eleições legislativas, ao acreditar que somente um sufrágio permitirá “sair da crise estrutural”. O mandatário afirmou estar disposto a permanecer “por mais dois meses” no poder, enquanto as forças políticas entram em acordo sobre o tema. A Cruz Vermelha libanesa informou pelo Twitter que 63 pessoas ficaram feridas na manifestação e foram levadas ao hospital, enquanto outras 173 receberam atendimento médico no local.
Enquanto as forças de segurança se concentravam em manter a ordem na manifestação, cerca de 200 manifestantes, liderados por oficiais da reserva do exército, tomaram à força a sede do Ministério das Relações Exteriores, proclamando o local “sede central da revolução”, segundo imagens transmitidas ao vivo pela televisão.
“Vingança” – O general da reserva Samir Rammah urgiu através de um megafone a população a perseguir “todos os corruptos”, enquanto manifestantes arrancavam e pisoteavam o retrato do presidente Michel Aoun. Ao grito de “Abaixo o reino dos bancos”, outro grupo de manifestantes invadiu a sede central da Associação de Bancos, no centro da capital, e atearam fogo no local antes de serem expulsos pelo exército, segundo um fotógrafo da AFP que acompanhou os fatos.
Outros manifestantes tomaram o Ministério do Comércio, assim como o de Energia, segundo a televisão local. A polícia libanesa informou pelo Twitter que um agente de segurança morreu nos confrontos, após um ataque ao hotel Le Gray, enquanto ajudava pessoas que estavam presas no edifício. Na Praça dos Mártires o lema de milhares de pessoas era “Dia do Julgamento”, com a instalação de guilhotinas de madeira nas ruas. A hashtag #enforquemeles circula há vários dias nas redes sociais.
“Vingança, vingança, até a queda do regime”, gritavam os manifestantes, alguns usando máscaras, outros bandeiras ou retratos das vítimas da explosão, enquanto as forças de segurança tentavam impedir alguns grupos de avançar em direção ao parlamento, de acordo com correspondentes da AFP.
21 desaparecidos – O incidente de terça-feira no porto, cujas circunstâncias ainda não estão claras, teria sido causado por um incêndio que afetou um enorme depósito de nitrato de amônio, um produto químico perigoso. O desastre deixou pelo menos 158 mortos, mais de 6.000 feridos, incluindo 120 em estado crítico, de acordo com o ministério da Saúde libanês, além de quase 300.000 desabrigados.
O ministério também revisou o número de pessoas desaparecidas, indicando que agora seria de 21, contra os cerca de 60 previamente informados. A embaixada da Síria anunciou neste sábado que 43 de seus cidadãos estão entre as vítimas. E a Holanda anunciou que a esposa de seu embaixador no Líbano Jan Waltmans faleceu em decorrência de ferimentos sofridos nas explosões.
O presidente Michel Aoun, cada vez mais criticado, deixou claro na sexta-feira que se opõe a uma investigação internacional, dizendo que as explosões poderiam ter sido causadas por negligência ou por um míssil. Cerca de vinte funcionários do porto e da alfândega foram presos, segundo fontes judiciais e de segurança.
Neste contexto, o líder do partido Kataeb, Samy Gemayel, anunciou neste sábado sua renúncia junto com outros dois deputados do histórico partido cristão após o desastre no porto, dizendo que havia chegado a hora de construir um “novo Líbano”. Sua renúncia acontece após uma decisão semelhante por dois outros parlamentares nesta semana.
Videoconferência de doadores – Dois dias após a visita de Macron, que criticou severamente a classe política, uma videoconferência de doadores em apoio ao Líbano acontecerá no domingo, co-organizada pela ONU e pela França, segundo informou a presidência francesa à AFP. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que participará. “Todo mundo quer ajudar!”, tuitou.
O Líbano atravessa uma severa crise econômica, depois de não pagar sua dívida, e seus líderes não conseguiram chegar a um acordo sobre um resgate econômico com o Fundo Monetário Internacional (FMI).O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que viajou a Beirute para mostrar a “solidariedade” dos europeus, assegurou aos libaneses que eles “não estão sozinhos”. A UE já liberou 33 milhões de euros.
O chefe da Liga Árabe, Ahmad Aboul Gheit, junto com o vice-presidente turco, Fuat Oktay, e o ministro das Relações Exteriores, Mevlüt Cavusoglu, também visitarão Beirute para assegurar seu apoio.