“30/30/30/30”: esse bem poderia ser o lema da campanha eleitoral que o presidente argentino, Mauricio Macri, vai aplicar a partir deste sábado (28) para tentar reverter um derrota que os analistas consideram irreversível perante o candidato de Cristina Kirchner à presidência, Alberto Fernández, nas eleições presidenciais de 27 de outubro.
Serão 30 marchas, em 30 cidades diferentes do país, pelos próximos 30 dias, com 30 propostas para tentar recuperar o voto da classe média, setor onde se concentram os denominados “desencantados”, ou seja, aqueles que se decepcionaram com Macri e que, para castigá-lo, votaram na oposição, mesmo sendo contra o chamado “kirchnerismo”.
Apelidada “Operação Milagre”, a campanha oficialmente chamada de “Sim, é possível” (Sí, se puede) tem o objetivo de forçar o segundo turno com uma receita em duas vias. A primeira aposta na espontaneidade. Macri quer se mostrar mais próximo dos seus eleitores, tentando recriar o ambiente de 24 de agosto quando uma imensa manifestação popular ocupou praças em todo o país, com epicentro na Praça de Maio, para apoiar o presidente.
Para isso, Macri chegará à manifestação de transporte público e caminhará entre os eleitores no bairro de Belgrano, zona de classe média alta da cidade de Buenos Aires, onde o desempenho do presidente foi superior à média nacional.
A segunda via aposta no principal lema daquela manifestação espontânea de 24 de agosto: a defesa da República num entendimento de que uma vitória do “kirchnerismo” significará a volta do hiper-presidencialismo, em detrimento das demais instituições.
Contra o kirchnerismo
Para isso, sem poder exibir triunfos na área econômica, Macri vai destacar os aspectos que considera louváveis do seu governo, e que destaca como os pontos vulneráveis do kirchnerismo: transparência na gestão, inserção da Argentina no cenário internacional, combate ao tráfico de drogas, liberdade de expressão, grandes obras públicas e combate à corrupção.
“São todos pontos valorizados pelas classes média e alta, de quem Macri ainda pode tentar recuperar votos. Na classe baixa, a urgência passa pela economia, onde o presidente não pode exibir conquistas e onde essas bandeiras republicanas são abstratas”, compara à RFI o analista político Raúl Aragón, em referência à elevada inflação de 54,5% nos últimos 12 meses, combinada com uma recessão econômica.
“O máximo que Macri pode fazer em matéria econômica é uma auto-crítica”, sintetiza.
A ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) é acusada em 12 processos judiciais, a maioria por corrupção. Tem pedidos de prisão preventiva, suspensos graças à imunidade parlamentar do seu cargo de senadora. No entanto, as acusações não impediram uma vitória do kirchnerismo por 16,5 pontos acima de Macri nas eleições primárias de 11 de agosto, indicando o que deve acontecer nas eleições de outubro. Alberto Fernández obteve 49,49% dos votos, quando, na Argentina, bastam 45% para ser eleito presidente no primeiro turno.
Eleição “ainda não aconteceu”
A campanha de Macri destinada à classe média quer relembrar à população que a eleição verdadeira ainda não aconteceu. “O presidente interpreta que o resultado das primárias foi como ‘um puxão de orelhas’. Para ele, parte da população deu um recado nas primárias, mas, nas eleições de verdade, vai repensar o voto por temor ao kirchnerismo. Essa é a aposta do governo”, avalia o analista político Sergio Berensztein.
Na prévia da campanha “Sim, é possível”, nesta sexta-feira, Macri antecipou algumas estratégias.”Eu me responsabilizo pela conjuntura difícil, mas somos parte da solução; não do problema”, disse Macri, ao inaugurar obras de urbanização na localidade de Saladillo. Até 27 de outubro, Macri deve inaugurar 85 obras como parte do marketing de campanha.
“Com um pouco mais de tempo, vamos resolver os problemas econômicos que vêm de décadas atrás”, prosseguiu o presidente, disparando contra a herança recebida. “Não maquiamos a realidade e rendemos contas com honestidade”, acrescentou em alusão ao kirchnerismo, que acusa de manipular dados oficiais, e que tem diversos integrantes sendo investigados pela Justiça por corrupção.
“Campanha do medo”
Outra estratégia será a campanha do medo, relembrado o que foi o governo de Cristina Kirchner. Para isso, o governo conta com a ajuda de algumas referências do próprio kirchnerismo, que têm antecipado algumas iniciativas caso cheguem ao poder.
Líderes populares defendem reforma agrária e participação dos trabalhadores nos lucros das empresas. Na Justiça, eles querem rever as prisões preventivas que colocaram membros do governo Kirchner atrás das grades e defendem até uma reforma constitucional. A própria ex-presidente indicou que é preciso rever a formação de preços e as margens de lucro das empresas.
Para Alberto Fernández, nada do que Macri fizer ou anunciar diariamente ao longo dos próximos 30 dias poderá reverter o resultado.
“Todos os dias (Macri) pode fazer as coisas pior do que já fez porque a sua incapacidade de gestão é incrível”, atacou Fernández.