Guaidó, detido e liberado neste domingo, assumiu a presidência da Assembleia Nacional, o último órgão estatal sob o controle da oposição. Nos últimos dias, emergiu como o rosto mais visível do movimento que busca tirar Nicolás Maduro do governo.
Por BBC
Pouco tempo atrás, Juan Guaidó era uma figura pouco conhecida dentro e fora da Venezuela. Mas nos últimos dias ele se converteu em um dos mais proeminentes líderes da oposição, graças à turbulência política que sacode o país.
Guaidó, de 35 anos, assumiu no início deste mês a presidência da Assembleia Nacional, o último órgão estatal sob controle da oposição ao governo Nicolás Maduro. Nas últimas 48 horas, ele emergiu como o rosto mais visível do movimento nacional e internacional que busca tirar Maduro da Presidência por considerá-lo um governante ilegítimo.
Primeiro com o escândalo que se armou porque ele supostamente se autoproclamou presidente em um discurso confuso. Depois, com sua breve detenção neste domingo (13) por parte de um grupo de agentes do Sebin – o serviço secreto de Maduro. Segundo o governo, eles atuaram de maneira unilateral.
Ascensão de Guaidó
No começo de 2018, Guaidó era um deputado da Assembleia Nacional, controlada pela oposição ainda que esvaziada de suas funções após várias decisões do Supremo Tribunal e a criação, incentivada por Maduro, de uma Assembleia Nacional Constituinte “com poderes plenipotenciários”.
De acordo com o sistema acordado entre as forças opositoras, a Câmara deveria ser presidida pela Vontade Popular, o partido de Leopoldo López, dirigente opositor preso após uma onda de protestos contra o governo em 2013.
Guaidó, que havia sido um dos mais destacados ativistas juvenis em um partido do qual é membro desde sua fundação, foi encarregado de assumir a presidência da Câmara. Militante da Vontade Popular, galgou postos após a condenação de López e a saída do país de outros políticos opositores de peso.
Com pouco mais de uma semana no cargo, seu nome prolifera em comentários nas mídias sociais venezuelanas e se converteu no líder de uma oposição que passava por um dos seus piores momentos até poucos dias atrás.
“Usurpador”
Foi a partir de 10 de janeiro que os acontecimentos ocorreram. Nesse dia, Maduro tomou posse para um segundo mandato presidencial, mas a oposição, que não quis participar das eleições em maio, não reconheceu Maduro como presidente legítimo da Venezuela. Tampouco os EUA, a União Europeia ou o Grupo de Lima, que reúne a maioria dos países latino-americanos – entre os quais o Brasil – e o Canadá.
No dia seguinte à posse de Maduro, Guaidó se dirigia a um protesto convocado em Caracas apelando à fórmula do chamado “cabildo abierto”, um mecanismo de participação popular reconhecido na Constituição.
Ele chamou Maduro de “usurpador” e convocou o Exército, o povo da Venezuela e a comunidade internacional a apoiar os esforços da Assembleia Nacional para tirá-lo do poder.
Convocou os venezuelanos a se somarem a uma grande marcha nacional em 23 de janeiro, uma data de grande valor simbólico no país por se tratar do dia em que, em 1958, caiu o governo do general Marcos Pérez Jiménez.
Mas também fez uma declaração cujo significado exato tem gerado debates: “Temos, apegando-nos à Constituição, apegando-nos ao elemento do (artigo) 233, 350 e 333, que assumir as competências de nos encarregarmos de uma Presidência da República porque o diz nossa Constituição”, disse.
Presidente interino?
Jornalistas e usuários das redes sociais interpretaram que Guaidó havia se declarado presidente, pois a Constituição venezuelana estabelece que, havendo a ausência de um presidente, cabe ao titular da Assembleia Nacional assumir de maneira interina o Poder Executivo e convocar novas eleições.
Uma interpretação que a Assembleia Nacional reafirmou em comunicado posterior diz que Guaidó “assumiu as funções da presidência da República”.
Pouco depois, a mesma assembleia pareceu se retratar com uma nova versão do comunicado, em que não figurava a menção à ocupação de funções presidenciais. A confusão havia se espalhado, e muitos se perguntavam o que Guaidó quis dizer e quais eram os efeitos práticos de seu anúncio.
O secretário geral da Organização dos Estados Americanos, Luis Almagro, não teve dúvidas e mostrou todo seu apoio a quem chamou de “presidente interino” da Venezuela.
Em meio às dúvidas, o nome de Guaidó ecoava cada vez mais, e alguns veículos jornalísticos internacionais passaram a apresentá-lo como o líder disposto a assumir a Presidência da Venezuela.
María Corina Machado, dirigente do grupo político Vente Venezuela e uma das personagens mais conhecidas do antichavismo, mostrava nas redes seu apoio a Guaidó. Porém, outros políticos opositores que disputaram o protagonismo nos últimos anos ficaram em silêncio.
A detenção
Neste domingo, um novo episódio confuso voltou a tornar o nome de Guaidó um dos mais pronunciados no Twitter. Sua mulher, Fabiana Rosales, afirmou na rede social que ele havia sido detido por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin).
Logo circulou um vídeo com as imagens que supostamente mostravam o momento da captura e pouco depois, a mulher anunciou que ele havia sido liberado.
Finalmente, o vice-presidente venezuelano, Jorge Rodríguez, informava à TV estatal que os gentes que detiveram Guaidó haviam atuado de maneira “unilateral” e “arbitrária”. Disse também que os agentes haviam sido destituídos e submetidos a um processo disciplinar.
O pronunciamento de Rodríguez foi um raro reconhecimento de que há funcionários armados pagos pelo Estado que atuam à margem das diretrizes oficiais.
Guaidó apareceu em Caraballeda, no Estado Vargas, num ato com centenas de simpatizantes. Ele afirmou: “nos interceptaram, nos sequestraram uns minutos, mas aqui estamos”. A oposição tem defendido que o Exército deve deixar de obedecer ao “ilegítimo” Maduro.
Em 11 de janeiro, Guaidó reiterou seu pedido para que “a família militar” se una à iniciativa contra Maduro. E, neste domingo, disse que o incidente de sua suposta detenção revela que “a cadeia de comando” foi quebrada nas forças de segurança.