Rodrigo Craveiro
O discurso virtual do aiatolá Ali Khamenei, guia supremo do Irã, teve a importância amplificada por ter ocorrido a poucas horas da retomada das negociações sobre o Plano de Ação Conjunta Global (JCPOA), o acordo nuclear assinado por Teerã, China, França, Alemanha, Rússia, Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia. “Hoje, só quero dizer uma coisa: temos escutado muitas palavras bonitas e promessas, que, na prática, não apenas foram violadas, mas o oposto foi feito. (…) As palavras são inúteis. Desta vez, será apenas sobre ações. Assim que virmos a ação do outro lado, também agiremos. Ao contrário de antes, desta vez, a República Islâmica não será convencida apenas por palavras ou promessas”, declarou Khamenei. O recado teve destinatário certo: o presidente norte-americano, Joe Biden, empossado em 20 de janeiro. Foi uma resposta ao anúncio da Casa Branca sobre o desejo de readerir ao JCPOA.
Hoje, o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, receberá seus colegas Heiko Maas (Alemanha) e Dominic Raab (Reino Unido), em Paris, para uma conversa por videoconferência com Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano. Por meio de comunicado, o Ministério das Relações Exteriores francês explicou que a reunião “será dedicada principalmente ao Irã e à segurança regional no Oriente Médio”. O encontro também é visto como uma oportunidade para tentar salvar o JCPOA, depois que o então presidente Donald Trump abandonou o acordo de modo unilateral. Será a primeira vez que a gestão Biden abordará o tema do enriquecimento de urânio e do programa nuclear iraniano.
Biden admite a readesão ao JCPOA e a imediata suspensão das sanções econômicas a Teerã, com a condição de que os iranianos voltem a cumprir o acordo em sua totalidade. Os dois lados trocam acusações mútuas de violações dos compromissos firmados pelo pacto. A retomada das negociações ocorre sob intensa pressão. O Irã está determinado a restringir as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a partir de domingo, caso os EUA não suspendam as sanções impostas há três anos. No próximo sábado, o diplomata argentino Rafael Grossi, diretor-geral da AIEA,visitará Teerã para “conversas técnicas”.
O presidente do Irã, Hassan Rohani, desmentiu a expulsão de inspetores da AIEA e culpou a “propaganda estrangeira”. “Por que estão mentindo?”, indagou, ao garantir que o seu país está determinado a dialogar com Grossi. Rohani recebeu um telefonema incomum, ontem, da chanceler alemã, Angela Merkel. Ela externou “preocupação com o contínuo fracasso do Irã em cumprir suas obrigações no acordo nuclear”, segundo nota da chancelaria de Berlim.
Sanções – Hossein Gharibi, embaixador do Irã no Brasil (leia Entrevista), defendeu que “a situação brutal e desumana para pressionar o povo iraniano tem de terminar imediatamente — uma alusão às sanções impostas ao país. “Os Estados Unidos e os europeus não podem ter nada mais importante do que isso em sua agenda para a reunião desta quinta-feira (hoje)”, afirmou ao Correio. Ao ser questionado sobre o motivo pelo qual o mundo demonstra tanto incômodo com o programa nuclea iraniano, o diplomata disse que “o Irã quer ser independente”. Segundo Gharibi, Teerã provou que pode se sustentar por conta própria, sem precisar da ajuda de nenhuma outra potência.
“Entendemos que é o nosso povo que pode exercer sua autodeterminação e garantir a paz e a segurança ao país e à região. Não é a primeira vez que o Irã é alvo por exercitar seu direito de decidir sobre o próprio destino: sete décadas atrás, o Parlamento, sob a chefia de Mohammed Mossadegh, premiê eleito democraticamente, nacionalizou nossa indústria do petróleo. Em retaliação à manobra de Mossadegh, os EUA e o Reino Unido classificaram-na de contrária à paz e à segurança e impuseram duras sanções econômicas ao petróleo iraniano”, lembrou.
O embaixador explicou que, a exemplo de outras nações, o Irã pretende exercer os direitos de ter uma indústria nuclear pacífica. “Estamos totalmente comprometidos com as exigências do Tratado de não Proliferação (TNP), e o Irã tem sido objeto de inspeções pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Não podemos aceitar que os poderes intimidatórios, que permitem a outros de nossa região possuírem centenas de ogivas nucleares, ditarem seu desejo sobre nossa nação. A era da ordem colonial acabou há muito tempo, mas a mentalidade ainda existe”, acrescentou Gharibi.
» Entrevista / Hossein Gharibi, embaixador do Irã no Brasil
Que tipos de ações o Irã espera dos Estados Unidos e o que vocês esperam dar em troca a Washington?
O importante para nós é como a Casa Branca se comporta, não quais são as promessas ou as juras falsas, já que estamos exaustos disso. Nós testemunhamos como o governo de Donald Trump supreendentemente violou a decisão do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Se os Estados Unidos voltarem aos seus compromissos, a história será diferente. O Irã disse, por várias vezes, que retomaremos rapidamente os nosso compromissos totais. E isso não levará muito tempo. Os EUA têm que mostrar que estão comprometidos com este acordo — que não o violarão novamente, não farão exigências fora do JCPOA (pacto nucler) e, basicamente, vão parar de causar danos ao Irã. O primeiro passo é a suspensão, por parte dos EUA, de suas violações do direito internacional, com o levantamento das sanções unilaterais ilegais. Isso não requer muitas discussões e negociações. Como outros passos catastróficos dados pelo governo Trump, a chamada “Pressão Máxima” deve ser desfeita de maneira rápida.
Como o senhor vê o esforço diplomático dos EUA e de três países europeus para salvarem o acordo nuclear?
Toda conversa deveria estar alinhada com o direito internacional e os compromissos de todas as partes envolvidas. O JCPOA foi baseado em um “dar e receber”, resultado de anos de conversas entre os membros permanentes do Conselho de Segurança, a Alemanha e a União Europeia. O que se conseguiu foi fruto de negociações. Armas convencionais ou outras questões poderiam ser incluídas, mas todas as partes negociadores logo perceberam que a ampliação do escopo tornaria impossível obter qualquer resultado. Por isso, eles se concentraram no tema nuclear.
O que é necessário para um bom diálogo hoje?
Nós estamos prontos para nos engajar nas questões de segurança da região. O nosso plano para um acordo de segurança com Estados regionais está sobre a mesa. Nenhum outro tema deve ser usada como desculpa para violar seus compromissos. O acordo foi uma vitória para todas as partes. O Irã cumpriu seus compromissos, e 15 relatórios da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) provam que as outras partes não o fizeram. Os EUA abandonaram o acordo nuclear em maio de 2018 e reaplicaram sanções ao Irã, as quais impactaram severamente a economia iraniana e a nossa habilidade de vender petróleo e de cuidar da população durante a pandemia.