Hayashi Teiji, embaixador do Japão no Brasil | Foto: Isabella Mayer de Moura/Gazeta do Povo
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, o governo do Japão prontamente condenou a agressão. E foi além, aplicando sanções contra oligarcas e bancos russos, se unindo aos Estados Unidos e países europeus em uma estratégia para pressionar economicamente o presidente russo, Vladimir Putin. Essa postura assertiva do Japão – diferente da reação letárgica à invasão russa na península da Crimeia em 2014 – demonstra, além da solidariedade à Ucrânia, as preocupações de que, em algum momento no futuro, Rússia e China possam colocar em risco a segurança regional e prejudicar os interesses do Japão.
“A mesma coisa [que está acontecendo na Ucrânia] pode acontecer na Ásia e outras regiões se ignorarmos esta violação da soberania e do direito internacional”, disse à Gazeta do Povo o embaixador do Japão no Brasil, Hayashi Teiji, que esteve em Curitiba nesta quinta-feira (17) para promover uma parceria com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) sobre cidades inteligentes.
Uma das situações que preocupa o país é a possibilidade de uma invasão da China à Taiwan, ambos vizinhos do Japão. Nos últimos anos, o exército chinês tem intensificado exercícios militares no Estreito de Taiwan – a China considera que Taiwan é uma província rebelde e não uma nação –, colocando Taipei e demais governos da região em alerta. Analistas afirmam que, se isso ocorrer, a segurança do Japão também estará ameaçada.
“A paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan são fundamentais, não apenas para a segurança do Japão, mas também para estabilidade da Ásia e da comunidade internacional”, afirmou Hayashi. Ele disse que as sanções do Japão à Rússia não tem a ver com a situação de Taiwan, mas acrescentou que muitos especialistas falam que a China está observando como os outros países reagem a essa agressão militar da Rússia.
“Por isso, estou falando com o governo brasileiro e outros países latino-americanos para reunirmos as forças dos países que respeitam e que dão mais importância à ordem internacional”.
Hayashi também falou com a Gazeta do Povo sobre a reação do governo brasileiro à guerra na Ucrânia; os impactos da alta do petróleo nos preços dos combustíveis e o que o governo japonês está fazendo para estabilizá-los; sobre as eleições brasileiras e um eventual governo petista em 2023; sobre a possibilidade de um acordo de livre comércio entre Brasil e Japão; e os setores de interesse dos investidores japoneses no Brasil. Confira.
O primeiro-ministro disse recentemente que ‘o crescimento da economia está intrinsecamente ligado a nos tornarmos tão independentes em energia quanto possível’. O que realmente significa isso para o governo grego?
A Grécia, como os demais países da União Europeia, está preocupada com uma possível crise energética devido ao conflito na Ucrânia. O que o grupo poderá fazer para se proteger de uma dependência da Rússia.
Qual é a posição do Japão sobre a guerra na Ucrânia?
A Ucrânia está em guerra e meu coração sofre bastante ao pensar nas vidas perdidas, nas famílias separadas e consequências desta tragédia. O governo japonês condena veementemente essa agressão da Rússia na Ucrânia. O governo japonês também impôs sanções fortes contra a Rússia. Condenamos, por exemplo, as contas dos bancos russos que estão no Japão e suspendemos os vistos para os russos. A exportação das matérias relativas a equipamentos militares para a Rússia também foi proibida.
Também manifestamos nossa solidariedade ao governo ucraniano. O governo japonês prometeu mais de 200 milhões de dólares em assistência e anunciou que vai apoiar os refugiados ucranianos no Japão. O povo japonês também doará mais de 180 milhões de dólares para o povo ucraniano, expressando a solidariedade do povo japonês, em defesa da liberdade, da paz e as regras internacionais.
Pensamos que essa ação militar viola claramente a soberania e o direito internacional. Por isso, temos que trabalhar com outros parceiros do mundo para proibir o uso da força a fim de resolver os temas internacionais.
Como vão acontecer essas doações à Ucrânia?
O governo japonês vai mandar essas doações aos governos de países vizinhos que mais estão recebendo refugiados, como a Polônia. E também temos outras maneiras, como por meio da Cruz Vermelha e organizações não-governamentais.
As sanções contra a Rússia estão surtindo algum efeito?
Acredito que sim. Embora ainda não tenha sido possível chegar a um cessar-fogo, mas temos as sanções mais fortes da história contra um país e elas têm efeitos, de alguma maneira, sobre a situação. E temos que continuar essas colaborações com os parceiros. As sanções econômicas são maneiras mais efetivas para fazer com que a Rússia entenda a situação.
Em 2014, o Japão demorou para se posicionar contra a anexação da Crimeia. O que mudou na geopolítica desde então que influenciou nesta postura mais assertiva do país agora?
Nossa política, nosso pensamento sobre essa agressão militar é igual, mas o governo japonês também estudou bastante essa agressão na península da Crimeia. Esta é a segunda vez que observamos essa agressão militar dos russos e estamos mais conscientes que essa situação não é um problema europeu. A mesma coisa pode acontecer na Ásia e outras regiões se ignorarmos esta violação da soberania e do direito internacional. Por isso, dessa vez, o governo japonês dá mais importância à solidariedade com os parceiros europeus e também com os Estados Unidos e outros países para assegurar o respeito à ordem internacional.
Por que a situação de Taiwan preocupa o Japão
Sobre a possibilidade de invasões militares em outras regiões, o senhor estava se referindo à China e a Taiwan?
Não somente na Ásia, mas também na América Latina ou outras partes. Todos os países estão observando o que está ocorrendo e como está sendo a resposta dos demais países [contra a agressão russa]. Esta situação não tem relações direta com a situação China-Taiwan, mas muitos especialistas falam que a China está observando como os outros países reagem a essa agressão militar. Por isso estou falando com o governo brasileiro e outros países latino-americanos para reunir as forças dos países que respeitam e que dão mais importância para a ordem internacional.
O Japão ficou decepcionado com a postura do Brasil em relação ao presidente Vladimir Putin?
Cada país tem relações bilaterais com a Rússia, mas eu mesmo aprecio muito que o Brasil tenha votado a favor da resolução, no Conselho de Segurança da ONU, condenando a agressão russa. Porque mesmo outros países, por exemplo, os que fazem parte do Brics, China, Índia e África do Sul (além de Brasil e Rússia) se abstiveram de votar essa resolução [na Assembleia Geral da ONU], então, desse grupo, só o Brasil votou a favor dessa resolução. Apreciamos muito o apoio do governo do Brasil nestas duas resoluções da ONU.
Quanto à visita do presidente Jair Bolsonaro a Putin, justo antes desta agressão, não sei exatamente do que falaram esses dois presidentes. Normalmente eles não divulgam todo o conteúdo da conversa, mas realmente aprecio as ações do governo do Brasil.
Também faz parte da diplomacia entender como podemos facilitar os diálogos ou negociações para resolver essa agressão militar de maneira pacífica. O canal de diálogo deve estar aberto e não sei exatamente o que está pensando o presidente Bolsonaro, mas observando essas ações, o governo brasileiro dá muita importância à ordem internacional.
A ameaça de invasão da China a Taiwan preocupa o Japão? De que maneira?
Nos últimos anos observamos alguns desenvolvimento de operações militares da China no Mar Meridional da China e perto de Taiwan e por isso estamos bastante preocupados com a situação. Acho que a paz a estabilidade no Estreito de Taiwan é fundamental, não apenas para a segurança do Japão, mas também para estabilidade da Ásia e da comunidade internacional. Sempre apoiamos Taiwan para que essa situação seja resolvida de maneira pacífica, por meio de mais diálogos e negociações. Este pensamento fundamental existia antes, não mudou por causa da agressão da Rússia.
Pensando em uma situação hipotética, o que o Japão faria em caso de agressão da China a Taiwan?
Depende da situação, mas se ela ameaçar a segurança do Japão temos que, obviamente, reagir da maneira apropriada. Mas também temos uma aliança militar com os Estados Unidos e um tratado que também cobre a situação de Taiwan. Então depende deste acontecimento. Se essa situação representar uma ameaça, os Estados Unidos também vão reagir de maneira adequada.
Esse contexto de guerra está fazendo o Japão repensar seus investimentos em defesa e sua legislação?
Sim. O governo japonês está revisando a estratégia política da segurança nacional. Porque, primeiro, somos vizinhos da Rússia, temos longas fronteiras com a Rússia e temos uma disputa territorial com eles (Territórios do Norte). Então, observando essa política militar e diplomática do governo russo, temos que, obviamente, revisar e pensar em uma potencial operação militar russa. Mas é um pouco prematuro dizer ou prognosticar o resultado dessa revisão da estratégia nacional.
Quais foram os impactos da guerra para a população do Japão?
Os efeitos são parecidos com os do Brasil. Os preços de petróleo estão subindo e os consumidores japoneses estão muitos preocupados com o preço da gasolina. O governo japonês tomou uma medida para estabilizar o preço da gasolina, por exemplo, que agora está no nível mais alto da história. Por outro lado, importamos os produtos russos e ucranianos, como trigo, gás natural da Sibéria, e também exportamos mais produtos pesqueiros, como peixes congelados, e temos vários investimentos na Rússia, como a Toyota, que decidiu retirar os especialistas japoneses da Rússia e acho que vão diminuir ou suspender as operações, também porque congelamos as operações financeiras entre Rússia e Japão.
Qual foi a estratégia do governo japonês para estabilizar os preços dos combustíveis?
Temos uma legislação para estabilidade dos combustíveis. Segundo essa lei, se o preço da gasolina chega a um certo nível, o governo pode dar subsídios para as empresas de petróleo, pedindo que baixem ou mantenham o preço. Obviamente temos um limite de orçamento, mas o preço do momento não pode subir demais. O preço atual está em torno de R$ 8 por litro. Minha expectativa é de que, por certo tempo, poderemos manter isso. O período vai depender do preço do petróleo no mercado internacional, porque esta diferença vai aumentando.
Como é para a diplomacia tratar com o governo brasileiro durante o ano eleitoral? É um período mais complicado?
Esse ano é muito importante para o Brasil. Tem os 200 anos de aniversário da independência do Brasil e também as eleições, inclusive para presidente. Não sou especialista em eleições brasileiras, mas como diplomata, primeiro gostaria de dizer que gozamos de uma longa relação bilateral com o Brasil, com muita amizade, graças à comunidade japonesa no Brasil. Também temos 650 empresas japonesas aqui, com investimentos e negócios, então quem quer que seja o próximo presidente do Brasil podemos manter essa tradição de boas relações.
A democracia no Brasil está muito sólida e estabelecida. Aqui não tivemos, recentemente, golpes de Estado e repressão a manifestantes. Com o Brasil, com valores comuns, como democracia e direitos humanos, com qualquer governo podemos trabalhar muito bem e manter a amizade.
Não preocupa um governo do PT que seja mais inclinado à China?
Quando o senhor Lula foi presidente, também gozávamos de relações muito amistosas. Lula tem certa simpatia e proximidade com o Japão, então não estou tão preocupado. Obviamente cada presidente ou governo tem suas próprias políticas e pensamentos, mas independentemente das relações [do Brasil] com outros países, como China, Rússia, EUA, podemos manter nossas relações bilaterais.
5G e carbono zero: os setores com potencial para atrair investidores japoneses ao Brasil
Falando sobre acordos entre o Brasil e o Japão, há alguma negociação em andamento sobre cooperações em defesa?
. [Na esteira de um acordo firmado em 2014] Em dezembro de 2020, Japão e Brasil assinaram um memorando de cooperação e intercâmbio em defesa. Nesse contexto houve algumas visitas de funcionários, mas devido à distancia bastante grande entre os países, não tínhamos muitas preocupações em comum sobre a segurança nacional. Mas agora temos mais problemas globais e o mundo militar está mudando, há ciberataques que superam fronteiras e distâncias, por exemplo.
Acho que temos mais possibilidades potenciais para desenvolver essa cooperação bilateral no setor da defesa. Poderíamos trocar mais informações sobre uma determinada situação de uma região, sobre questões espaciais, ciberataques.
Há negociações para um acordo de livre comércio entre os países?
Estamos muito conscientes de que alguns setores industriais brasileiros e empresários japoneses querem o começo das negociações sobre o acordo de livre comércio. Mas também temos outros círculos que estão mais preocupados e cautelosos. Então precisamos mais deliberações e estudos sobre isso. Acho que ainda temos essa possibilidade.
Mas francamente falando, a situação atual não é muito favorável, porque devido à Covid, as duas economias, brasileira e japonesa, estão bem afetadas. E essa nova situação gerada pela agressão da Rússia à Ucrânia também causou outro fator negativo para as duas economias.
Quais são as áreas de maior interesse dos investidores japoneses?
Muitas empresas já investiram em grande projetos no Brasil. Mais recentemente, empresas de automóveis japonesas – Toyota e Honda – declararam a ampliação das fábricas aqui no Brasil, sobretudo no estado de São Paulo. A Sumitomo Rubber decidiu ampliar sua fábrica em Fazenda Rio Grande (PR), com investimentos que somam US$ 200 milhões, até 2025.
Também há interesse em outros setores para investimento e mais negócios entre empresas japonesas e brasileiras. Um exemplo é a internet 5G. A NEC, maior empresa de telecomunicação do Japão, quer trabalhar para estabelecer as redes de 5G no Brasil.
[Também há interesse em investir em projetos de] neutralidade do carbono no Brasil. Toyota, por exemplo, tem uma tecnologia muita avançada sobre o hidrogênio. A empresa tem um carro que funciona com hidrogênio, tem autonomia de 300 a 500 quilômetros e não produz dióxido de carbono, porque utiliza apenas o hidrogênio e oxigênio. Em dezembro do ano passado, antes de vir ao Brasil, conversei com o CEO da Toyota e pedi a ele para trazer esse modelo [de carro] ao Brasil o mais rápido possível e ele disse que sim. Minha expectativa é mostrar um carro com nova energia renovável ao povo brasileiro neste ano.
Fonte: Gazeta do Povo