Súsan Faria
Fotos: Elaine Loin
O Brasil, Bolívia e Peru podem construir um Corredor Ferroviário de Integração, que diminuirá quase pela metade o tempo de percurso para se chegar da América do Sul à Ásia, principalmente a países como China, Singapura, Tailândia, Indonésia e até Japão. Essa saída para o Oceano Pacífico – que pode reduzir consideravelmente custos com transportes – está em projeto defendido pelo governo do Presidente boliviano Evo Morales Ayma e em estudos por comissões técnicas multinacionais, formadas por bolivianos, brasileiros, peruanos, uruguaios e paraguaios.
Em junho deste ano, o ministro de Obras Públicas da Bolívia, Milton Claros, apresentou o projeto ao ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil do Brasil, Maurício Quintella e o convidou a ir a seu país assinar documento apoiando a iniciativa e compromisso para adiantar os estudos. As informações foram dadas com exclusividade à Revista Embassy Brasília pelo embaixador José Kinn Franco, às vésperas das comemorações dos 192 anos de independência boliviana. Segundo ele, o governo do Paraguai pediu para ser incorporado ao projeto, que tem o interesse também do Uruguai.
A ideia é ter uma ferrovia de 3.750 km partindo de Santos (SP), passando por Corumbá (MS) e cidades como Puerto Suarez, Santa Cruz de la Sierra e Cochabamba (Bolívia) até chegar a Ilo, (Peru). O embaixador destaca que esse projeto de integração ferroviária passa por regiões muito produtivas, principalmente na área de alimentos. Permite que parte da produção chegue a Ásia pelos portos do Pacífico, sem dar a volta pelo Canal do Panamá ou Cabo de Hornos (Chile). Disse que 80% da ferrovia estão construídos. É necessário construir os 20% restantes e modernizar o que já existe.
De acordo com Kinn Franco, hoje uma carga que sai do Brasil passando pelo Panamá leva em média 67 dias e 13h horas para ser transportada até a China, num percurso total de 25.918 km. Na nova rota – passando pela Bolívia e Peru – precisaria apenas de 42 dias e 8 horas para o mesmo destino final. Ou seja, 3.750 km de transporte interno (Brasil, Bolívia e Peru) e 18.651 km pelo Oceano Pacífico. Kinn Franco acredita que em dois meses, o Brasil assine acordo para adiantar os estudos que preveem o transporte de 10 toneladas de alimentos por ano pelo Corredor Ferroviário, inclusive “com menos contaminação ambiental”. A proposta é que seja feito por meio de parceria público-privada, com caráter comercial e a construção dure cinco anos.
Mudanças – Cidadão de Beni, na Bolívia, 65 anos, o embaixador José Kinn Franco também é engenheiro civil. Foi ministro de Obras Públicas e presidente da Empresa Nacional de Telecomunicação e da Carretera Administração Boliviana, entre outras funções. Franco afirma que em 11 anos – Evo Morales está em seu terceiro mandato presidencial – houve mudanças em todos os planos na Bolívia. “No plano político, uma nova Constituição, a de 2009, que incorpora a inclusão dos povos indígenas, hoje presentes no parlamento e nas Assembleias Legislativas”, comentou, lembrando que em todas as instâncias políticas há representantes dos povos indígenas o que passou a lhes dar visibilidade e reconhecimento dos seus direitos. “É uma inclusão visível e que incorpora das mulheres, que são 56% em todos os cargos eletivos – no Legislativo e Executivo – do país e 46% na Assembleia Nacional”.
Kinn Franco afirma que a área Social melhorou proporcionando melhor qualidade de vida dos bolivianos, diminuição da pobreza pela metade, que era de 60% da população e hoje está em 30%. “Dois milhões saíram da pobreza. Há melhor distribuição de renda, possibilidade de acesso a crédito e a terra. O PIB que era de 8 bilhões de dólares em 2005, está em 35 bilhões em 2017. Estamos crescendo a 5% ao ano”. O embaixador cita os números em infraestrutura: 2.400 km pavimentados em 2005, e 10 mil km pavimentados em 2017.
Segundo o embaixador, o acesso a crédito e a terra, políticas de distribuição de renda, investimentos em infraestrutura, melhoria da Economia e a nacionalização dos recursos naturais do país, como os hidrocarbonetos, são os principais fatores que provocaram as mudanças. Em 1995, houve a privatização das estatais de petróleo e comunicações, mas voltaram às mãos do Estado. As esferas estatais, comunitárias e privadas estão protegidas, segundo Kinn Franco. A maior dificuldade – diz o embaixador – é reverter a pobreza. Há fortes desafios na Saúde e na Educação.
“Com o Brasil, nossas prioridades são a continuidade da compra dos gás boliviano, o projeto do Corredor Ferroviário, a compra de uréia, aprofundar a área do agronegócio”, explica.
Turismo – Apaixonado por seu país, o embaixador da Bolívia diz que ali se tem destinos únicos no mundo, especialmente nas cadeias dos Andes, como o Salar de Uyuni, em Potosi, maior planície de sal do planeta, extensa paisagem branca que sob as chuvas forma uma lâmina de água que reflete as belezas do céu. Outro grande atrativo são as cidades que guardam reminiscências das Missões Jesuítas, que se instalaram na Bolívia por volta de 1750. Os jesuítas espanhóis ensinaram artes, música barroca e construção de instrumentos para os indígenas, tradição por eles incorporada e passada a várias gerações.
Hoje, há orquestras de música barroca e clássica, formadas por indígenas em vilas próximas a Santa Cruz de La Sierra, como San José, San Raphael, Santa Ana e Concepción, onde há igrejas bem conservadas, com trabalhos barrocos em madeira e lâminas de ouro. Em abril e maio de 2018, acontece o Festival Internacional de Música Barroca nessas vilas, evento que se realiza a cada dois anos. Em 6 de agosto, comemora-se a data nacional do país, que se tornou independente da Espanha em 1825.