Rosana Hessel
á um ano como chefe da delegação da União Europeia no Brasil, o embaixador espanhol Ignacio Ybáñez acredita que o acordo de livre comércio entre UE e Mercosul será importante para ajudar os dois blocos a saírem da crise. “Ele é bom para os países dos dois blocos, porque vai criar riqueza e permitir que as empresas dos dois lados do Atlântico sejam mais competitivas e possam vender de uma forma mais aberta, sem custos excessivos”, afirma.
O diplomata torce para que a assinatura do tratado ocorra ainda este ano, mas admite que, para o processo avançar, serão necessários dados positivos sobre medidas de redução do desmatamento da Amazônia. “Se começarmos a ter notícias boas na luta contra o desmatamento, isso vai ajudar para o processo andar mais rápido”, reforça. Ele lembra que a questão ambiental é um dos pilares nos quais o acordo foi criado, pois ele tem elementos sobre a sustentabilidade. “Se o Brasil não mostrar que vai nessa direção, será muito difícil pedir aos parlamentos dos países membros que votem a favor de um acordo com quem não tenha essa preocupação”, destaca. Confira os principais trechos da entrevista concedida pelo embaixador ao Correio.
A União Europeia incluiu o Brasil em uma lista de países cujos cidadãos têm entrada proibida no bloco. Como a UE nos vê?
A determinação da União Europeia está baseada justamente, primeiro, dentro de suas fronteiras, mas também para fora, com o livre movimento das pessoas. Essa situação que foi criada com a covid-19 é excepcional. Foi uma questão internacional. Até dentro da UE os movimentos foram limitados no início. Não é uma medida contra os países, mas realmente uma resposta para delimitar os contágios e ter uma variação embasada na ciência e nos dados que tínhamos. Isso começou a melhorar na Europa. Agora, já podemos circular livremente. E nessa segunda fase, começamos as fronteiras para os nacionais de outros países que querem chegar à UE. As recomendações foram bem pensadas e baseadas em três grandes critérios.
Quais são os critérios?
O primeiro é objetivo. Não é uma vontade de penalizar um país ou de ajudar outro. A ideia é baseada em dados, em como está a situação da covid em cada país e, também, em como as autoridades desses países estão respondendo ao surto da covid e como estão combatendo essa situação. O segundo critério é fazer uma abordagem conjunta entre todos os países da UE e fazer uma lista da comissão de países que estão em uma situação mais controlada do vírus, baseada em dados. Os países em situação verde são colocados na lista conjunta e os com limitações de trânsito, em um outro grupo. O terceiro elemento, é muito importante, é baseado na flexibilidade em duas direções, abrindo progressivamente, e cada país. Mas, se surge uma dificuldade em um país que está com luz verde, do ponto de vista de covid, podemos tirar ele da lista. É verdade que o Brasil não está nessa lista verde. Das Américas, apenas tem o Uruguai. A verdade é que a evolução da covid começou na Ásia, passou para a Europa, e, agora, está muito mais forte na América.
E quando essa determinação deve mudar?
O Brasil também tem estabelecido regras para limitar a entrada dos europeus no país, sobretudo, quando a situação da covid-19 era mais forte na Europa. Essas regras estão em vigor e foram prorrogadas por mais um mês. A mesma proibição que os europeus têm para entrar no Brasil, os brasileiros têm para chegarem à Europa. E gostaríamos que a situação da covid melhore para começarmos a ampliar progressivamente a lista verde com mais países. Não é uma decisão contra o Brasil, mas uma decisão em relação ao que o Brasil está confrontando no momento com a covid, como a Europa enfrentou no passado. Se houver melhora no país, e esse é nosso desejo, os brasileiros poderão ser incluídos na lista verde. Mas há regras de exceção.
Que tipos de exceção?
Há casos particulares de brasileiros que residem de forma permanente na União Europeia e estão passando férias no Brasil que podem voltar. Se estão trabalhando em algum país europeu ou são estudantes e querem voltar para seguir os estudos nas universidades e centros de formação, não há restrições para essas situações. É lógico que parece uma imagem mais negativa para o país que não está na lista verde, mas não é esse o objetivo. É apenas uma situação de momento, e o governo brasileiro conhece bem esse ponto de vista, porque temos explicado para as autoridades. Essas decisões serão revisadas permanentemente. Há grupos analisando país a país com frequência e, quando o Brasil levantar a proibição contra os europeus, estou seguro de que as autoridades podem reconsiderar a proibição, também, para o Brasil e para os demais países da América Latina.
Analistas, como os do banco francês BNP Paribas, preveem uma recuperação lenta da economia global e do Brasil por conta da covid-19, com o patamar pré-crise só retornando depois de 2022. Como vê esse cenário?
Ainda é cedo para saber qual será o processo de retomada. O efeito da crise foi muito grande e há países em situação fiscal melhor, que devem sair mais rápido da crise. Chile e Peru tinham feito um grande esforço de redução do deficit público e estão em situação melhor para enfrentar esse cenário. O Brasil está em uma situação mais complicada, porque o processo de reformas para recuperar as contas públicas foi interrompido com a pandemia. Houve um avanço com a reforma da Previdência, mas a reforma tributária não chegou a tempo e não sabemos como o país vai conseguir sair dessa crise.
E a Europa?
Na Europa, também há situações diferentes, com países com situação fiscal favorável, como a Alemanha, e outros também com problemas, como Grécia, Portugal, Irlanda… O importante é que, nessa crise, temos oportunidades que não podemos esquecer. Uma delas é o acordo de livre comércio entre UE e Mercosul. Ele é bom para os países dos dois blocos, porque vai criar riqueza e permitir que as empresas dos dois lados do Atlântico sejam mais competitivas e possam vender de uma forma mais aberta, sem custos excessivos. A assinatura e a ratificação do acordo vão ajudar os dois blocos a saírem da crise da covid-19. Estamos confiantes.
Investidores podem migrar para outros países diante da piora da imagem do Brasil na questão ambiental, um dos pilares do acordo?
Os investidores estão acompanhando tudo o que ocorre no país. O marco legal é muito importante e eles tinham avaliado positivamente a agenda de reformas que estava em andamento. Agora, vão olhar como é que será a retomada das atividades do Congresso. E, quando falamos de acordo UE-Mercosul, a maior preocupação dos países membros, do Parlamento Europeu e dos investidores europeus é com o meio ambiente. Por isso, representantes de grandes fundos enviaram uma carta ao governo brasileiro passando essa mensagem e pedindo garantias de que o esforço contra o desmatamento irá adiante. O presidente do BC (Roberto Campos Neto) falou dessa carta e da reunião dos investidores com o vice-presidente Hamilton Mourão, e houve esse compromisso. É uma boa notícia, mas precisamos de fatos e não apenas de declarações. Os números de junho do desmatamento foram muito negativos e esperamos que as promessas de redução do desmatamento sejam cumpridas.
O senhor citou o acordo UE-Mercosul como uma saída conjunta para a crise. Áustria e Holanda são contrários à ratificação do tratado porque o Brasil não respeita as medidas de preservação do meio ambiente. Como o tratado vai avançar no Parlamento Europeu se não há consenso?
O voto ainda é prematuro, porque o texto ainda não foi apresentado ao Parlamento Europeu, nem ao Congresso de cada país membro. Eles têm o direito de fazer comunicações e declarações sobre o que eles pensam dessa situação. E é por isso que achamos que é necessário mais do que declarações do governo brasileiro. Elas são bem-vindas, mas tudo tem que ser refletido nos atos. É importante que, neste mês, já possamos ver uma redução do desmatamento. Tem que haver uma redução nos números mês a mês. A UE pede justamente isso para o Brasil nessa preparação do tratado. A questão ambiental é um dos pilares em que o acordo foi criado, pois ele tem elementos sobre a sustentabilidade, e, nesse sentido, o Acordo de Paris para a redução de emissões é a referência. E, se o Brasil não mostrar que vai nessa direção, será muito difícil pedir aos parlamentos dos países membros que votem a favor de um acordo com quem não tem essa preocupação.
O governo brasileiro está ciente dessa realidade?
Sim. O governo brasileiro sabe muito bem dessa condição. A criação do Conselho da Amazônia, que é presidido por Mourão e tem participação de vários ministros, é um bom exemplo de compromisso. Não queremos fiscalizar. Somos parceiros estratégicos, e o desenvolvimento sustentável é uma prioridade tanto para o Brasil quanto para a União Europeia. Queremos trocar experiências. E, para isso, ainda necessitamos de fatos que mostrem resultados concretos contra o desmatamento. A Amazônia é um bem brasileiro que tem que ser protegido, e queremos ajudar nesse esforço de preservação.
Alguma previsão de quando vai ser ratificado o acordo UE-Mercosul?
Foram 20 anos de negociação. É recomendável que tenhamos de ir passo a passo. Se for demasiado rápido, se perde. E essa foi a mensagem na reunião entre os presidentes do Mercosul e o alto representante da UE (na semana passada). Terminamos as negociações no ano passado. Já concluímos a revisão dos textos, estamos na fase de tradução e ainda falta a revisão jurídica. A nossa vontade é tentar ver se a assinatura ocorre na segunda metade de 2020. Mas isso dependerá, logicamente, dos tempos legais de cada fase. E, se houver mesmo a redução dos incêndios e do desmatamento na Amazônia, nesse período, será um incentivo. Se começarmos a ter notícias boas na luta contra o desmatamento, isso vai ajudar para o processo andar mais rápido.
Qual sua avaliação sobre o acordo?
Acreditamos que é um bom acordo, porque apoia o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos. Depois da assinatura, tem o processo de ratificação, primeiro, do Parlamento Europeu e, depois, tem a votação em cada um dos estados membros. E vamos conseguir, passo a passo. O importante é chegar na assinatura. Há boa vontade de todos os países. Argentina não tem mais dúvida. Todos estão torcendo muito fortemente para o acordo.
Mas o presidente Bolsonaro já ameaçou sair do Mercosul.
Acho que a avaliação dos efeitos do acordo foi revista e isso predominou na análise dos fatos, tanto da Argentina quanto do Brasil. Os efeitos do acordo na UE e no Mercosul são positivos para os dois lados. E ele é mais um incentivo para melhorar a integração dentro do Mercosul e também para a região.
Há oportunidades no Brasil para investidores?
Sem dúvida. O Brasil tem muitas áreas onde é preciso fazer muitas coisas, como no âmbito da infraestrutura. No passado, era mais complicado para as empresas estrangeiras participarem de leilões, mas isso vem mudando. Além de concessões de portos, aeroportos e rodovias, agora, com a covid-19 e com a aprovação do marco do saneamento, essa área ficou mais importante. Há muito que fazer nas grandes cidades para melhorar o acesso à água potável e ao esgoto. Acho que muitas empresas europeias terão interesse em investir, mas é importante para o investidor que o país garanta as condições para que o capital venha.
Quais seriam as condições?
Regras claras, respeito aos contratos e uma aposta por uma economia sustentável, algo que não somente os cidadãos e os parlamentos europeus pedem, mas também os acionistas das empresas. Uma companhia que não apresenta um balancete verde, no qual demonstra que está cuidando do meio ambiente no mundo inteiro, não vai contar com apoio dos seus acionistas.