Pelo menos é isso que espera a diplomacia brasileira, depois de uma campanha eleitoral marcada por uma resposta hostil do presidente Jair Bolsonaro a comentários feitos por Biden sobre a Amazônia, pela sua torcida pela reeleição de Donald Trump e pela demora de mais de um mês até Brasília reconhecer a vitória do democrata nas urnas – o último país entre os membros do G-20.
Lúcia Müzell, enviada especial a Washington
Em Washington, cabe ao embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Nestor Forster Junior, construir a ponte com o novo governo americano. “Não houve torcida de governo”, minimiza o diplomata, em entrevista à RFI. “O que houve foram manifestações isoladas daqui e ali. O trabalho de governo e da diplomacia profissional do Brasil sempre procurou manter canais abertos com todos os partidos políticos, como é natural numa democracia. A nossa expectativa é que continuemos a ter uma agenda muito intensa de cooperação e colaboração com os Estados Unidos, com o governo do presidente Biden, como é natural para as duas maiores democracias e economias da Américas.”
Forster Junior foi nomeado ao posto pelo presidente brasileiro em outubro de 2020 – 16 meses depois da tentativa frustrada do presidente de colocar o filho, Eduardo, no cargo, um dos mais prestigiosos da diplomacia brasileira. O embaixador, que acabou exercendo o posto de forma interina durante o período de vacância, representou o Brasil na cerimônia de posse de Biden, em 20 de janeiro.
Dois dias depois, Bolsonaro enviou uma carta ao novo presidente, que ainda não respondeu à mensagem. “Os nossos canais estão todos abertos e funcionando aqui. Há uma ansiedade às vezes exagerada com relação ao novo governo. As pessoas ainda estão sentando nas suas mesas e se arrumando, estabelecendo os seus modus operandis inicial”, comentou Forster Jr., na entrevista realizada na sexta-feira (22). “Esses contatos continuaram acontecendo e continuarão a acontecer. É claro que tem um ritmo. A resposta para a carta é objeto de uma reflexão um pouco maior. Ninguém está esperando que venha em questão de horas.”
“Não se faz política externa com ideologia”
O diplomata tem 36 anos de carreira, dos quais a maior parte nos Estados Unidos. Ele destacou que os dois países mantêm uma tradição bicentenária de relações diplomáticas, baseadas em “valores compartilhados” que vão além dos governos em Brasília ou Washington. “Minha experiência mostra que não se faz política externa com ideologia. Isso, no fim das contas, não vai muito longe. Eu não acho que tenha sido o caso”, avalia o embaixador.
“É claro que num momento em que há uma grande sintonia entre dois chefes de Estado, isso pode ser, digamos, potencializado. Mas isto por si não gera nada. A amizade entre chefes de Estado por si só não faz a relação. É por isso que essa relação vai continuar, com esse leito profundo que ela tem de valores compartidos, de países que lutaram juntos na Segunda Guerra Mundial”, exemplifica.
Questão ambiental se torna foco da relação
O presidente democrata assume com uma agenda ambiental ambiciosa, que ele já começou a redirecionar, ao reverter medidas de Donald Trump consideradas prejudiciais ao meio ambiente. Biden colocou o país de volta no Acordo de Paris sobre o Clima e a porta-voz do governo sinalizou que os Estados Unidos e o Brasil “ainda terão muito a conversar” sobre o tema.
“A campanha já ficou para trás. Isso é história antiga. Nós temos que olhar é para a frente. E nós estaremos, com a sensibilidade que é natural nesses momentos de transição, atentos às inflexões, às novas ênfases do governo”, argumentou o embaixador. “E não se trata de pressão: o governo brasileiro está pronto a trabalhar com os seus parceiros, ainda mais o seu mais importante, que são os Estados Unidos, nessa agenda que é muito importante para o Brasil, o meio ambiente”, disse.
Forster Jr. ressaltou que o Brasil é uma potência na área ambiental. Desde o princípio das negociações internacionais sobre o desenvolvimento sustentável, frisou, o país esteve presente à mesa em um papel de protagonista, já que 82% da sua matriz energética vem de fontes renováveis.
“Eu acho que há amplo espaço, do que eu tenho ouvido aqui dos contatos com o governo e com a comunidade ambiental, com o pessoal que está de fato comprometido com o conceito de desenvolvimento sustentável, sem escolher entre uma coisa ou outra, o crescimento econômico ou a proteção ambiental. Isso tem dimensões que abrem possibilidades de cooperação bilateral do Brasil com os Estados Unidos, e certamente também multilateral no âmbito da Convenção de Paris”, comentou o embaixador.
“Há questões muito complexas sendo discutidas, o mercado de carbono, o artigo 6 da convenção, etc. Mas entendo que o Brasil está pronto a dar um tratamento construtivo a esses desafios, buscando trabalhar junto com os seus parceiros americanos, europeus e outros que estejam dispostos a avançar a agenda de proteção ambiental.”