Plenamente afinado com o estilo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e com posições divergentes dos demais países do bloco em temas regionais, como a Venezuela, o governo do presidente Jair Bolsonaro receberá, quarta e quinta-feira, os líderes do Brics (grupo também integrado por Rússia, Índia, China e África do Sul) de olho em mais comércio e investimentos para o Brasil. Ao contrário de encontros anteriores, presidentes sul-americanos não foram convidados a participar de reuniões paralelas, o que reforça um quadro de esvaziamento político no fórum criado há uma década.
A reunião terá como tema “O crescimento econômico para um futuro inovador”. O governo brasileiro aproveitará o evento para reforçar o fato de o Brasil ser um grande provedor de alimentos, matérias-primas minerais e, ainda, uma fronteira aberta para obras de infraestrutura e logística. Essas características serão demonstradas com maior ênfase por Bolsonaro durante encontros bilaterais no primeiro dia do evento.
Venezuela e esvaziamento
Para especialistas, porém, a cúpula será esvaziada. Uma das razões é que, apesar dos apelos feitos, principalmente, pelos indianos, para que fossem convidados outros líderes da região para um encontro paralelo, Bolsonaro disse não. Isto porque o Brasil é exceção ao reconhecer como presidente interino da Venezuela o líder opositor Juan Guaidó. Os demais membros do grupo apoiam o governo de Nicolás Maduro . Chegou-se à conclusão de que não dava para excluir os venezuelanos de uma reunião de presidentes da América do Sul.
— Em função da mudança de orientação política no Brasil, a cúpula será mais morna. Um fator que incomoda é a forte aliança entre o presidente brasileiro e Trump. Mas os demais países do Brics não abandonarão o grupo por causa de Bolsonaro — disse Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas.
Para Dawisson Belém Lopes, da Universidade Federal de Minas Gerais, o atual governo não fez esforço algum para aumentar a importância do evento.
— Praticamente não se fala do encontro entre os integrantes do governo brasileiro. É como se não houvesse interesse em divulgar o evento — disse Belém.
Os líderes do Brics chegam a Brasília na noite de terça-feira. Na quarta-feira, participarão do encerramento de um fórum que reunirá cerca de 500 empresários dos quatro países.
A China é vista como um grande investidor em áreas estratégicas, como energia, petróleo e gás, transportes e portos. O diálogo com o presidente Xi Jiping vai no sentindo de que é preciso expandir a atual parceria entre brasileiros e chineses além do comércio.
Isso ficou claro no mês passado, durante a viagem de Bolsonaro à Ásia. Preocupado com a possibilidade de baixo interesse por empresas estrangeiras nos leilões de campos de petróleo — o que se confirmou — o presidente brasileiro fez um apelo a Xi para que as companhias de seu país participassem dos certames.
A presença do primeiro-ministro da Índia , Narendra Modi, será um “esquenta” para a viagem que Bolsonaro fará em janeiro de 2020. O governo brasileiro quer um ambicioso acordo de livre comércio com os indianos. A expectativa é que, em dez anos, a Índia será mais populosa do que a China, que hoje tem quase 1,4 bilhão de habitantes.
Com a Rússia de Vladimir Putin, o foco é abrir o mercado para a venda de proteína animal e negociar acordos de transferência de tecnologia. A avaliação é que, como os russos têm dificuldades de relacionamento com a União Europeia, desde a anexação da Crimeia, em 2014, os exportadores brasileiros poderão se beneficiar, especialmente no caso de carnes bovina, suína e de frango.
Já a reunião com o presidente da África do Sul , Cyril Ramaphosa, poderá se transformar no relançamento das relações do Brasil com o continente africano. Devido a uma série de fatores, sendo o principal a saída de empreiteiras brasileiras da região, por causa do escândalo da Lava-Jato, o Brasil perdeu espaço na África subsaariana.
Dúvida sobre Amazônia
O Brics, que na visão do criador do termo, o economista Jim O’Neill, era formado por países de grande potencial econômico, deixou de ser uma plataforma de concertações políticas — principalmente no governo Lula — para se voltar para dentro. Ciência, tecnologia e inovação, economia digital, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) para financiar projetos de infraestrutura, o combate aos ilícitos internacionais e ao terrorismo também estão entre as prioridades.
— Toda a cooperação terá seu ponto culminante na cúpula com a marca do pragmatismo e resultados concretos e perceptíveis para a sociedade — declarou o secretário de política Comercial e Econômica do Itamaraty, Norberto Moretti.
Na quinta-feira, último dia do encontro, sairá uma declaração conjunta que conterá, entre outros pontos, o combate ao terrorismo e à corrução, o desenvolvimento e a transferência de tecnologia e inovação. Porém, ainda não se sabe se meio ambiente e Amazônia entrarão no texto. Existe uma negociação que só terminará no último momento. Por iniciativa do Brasil, a situação na Venezuela também será tratada, mas de forma paralela.
Os quatro países passaram a atuar de forma coordenada a partir da crise de 2008, com propostas de reformulação da engenharia financeira global, incluindo maior espaço para as nações em desenvolvimento em organismos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Essa harmonização financeira deu origem ao NBD e ao Arranjo Contingente de Reservas (ACR) — um fundo emergencial para países emergentes.