A ideia em si conta com um forte apoio na França: dotar-se de instrumentos que freiem a expansão nas redes sociais de expressões e mensagens que incitem ao ódio, seja racial, religioso ou por gênero, ou inclusive à violência. Mas a via para isso – depositando a maior parte da responsabilidade nas plataformas da Internet, que entre outras obrigações deverão retirar conteúdos deste tipo de seus sites em no máximo 24 horas, sob pena de fortes multas – suscita dúvidas entre quem considera que pode provocar uma maior censura de conteúdos. Mesmo assim, o projeto de lei contra o ódio on-line foi aprovado nesta terça-feira por ampla maioria na Assembleia Nacional – 434 x 33 votos, com 69 abstenções –, acelerando sua entrada em vigor.
A autora do projeto é a deputada Laetitia Avia, do partido A República em Marcha (LREM), do presidente Emmanuel Macron. Uma legisladora que sabe muito bem o que é ser vítima de assédio digital e racismo. O texto da lei “contém a minha história, a de uma mulher que não aceita mais ser insultada e tratada como negra nas redes sociais” disse a legisladora, de pele negra, durante sua discussão nos últimos dias.
Baseada no modelo alemão, a medida principal da lei é a que obriga plataformas como Facebook e Twitter e motores de busca da Internet a retirarem os conteúdos “manifestamente” ilícitos em 24 horas. Se não o fizerem, estarão sujeitos a multas de até 1,25 milhão de euros (5,32 milhões de reais). Por “conteúdos ilícitos” entendem-se incitações “ao ódio ou um insulto discriminatório” por motivo de “raça, religião, gênero, orientação sexual ou deficiência”, segundo o texto. Embora a França já obrigue por lei a retirar estes conteúdos, até agora não havia um prazo para isso.
Além disso, as plataformas deverão garantir uma maior transparência e cooperação com a Justiça, eliminando por exemplo o anonimato on-line de usuários que cometam um crime de ódio como o contemplado nesta lei, que também prevê a criação de um órgão do Ministério Público especializado nesta matéria e de um botão de denúncia de “conteúdos manifestamente” incitadores do ódio e reconhecível em todas as plataformas. O conjunto das medidas e ações será controlado pelo Conselho Superior Audiovisual (CSA), o organismo que regula os meios audiovisuais na França.
O principal receio com esta lei, manifestado no plenário principalmente por deputados do partido de esquerda radical França Insubmissa, é que a responsabilidade recaia sobretudo nas plataformas, o que poderia levá-las a preferir retirar um conteúdo em caso de dúvida, em vez de se arriscarem a sofrer uma multa. “Vocês estão confiando a censura ao Google, ao Facebook, ao Twitter, uma censura privada sobre tudo. Pior ainda: uma censura tecnológica”, recriminou durante os debates o deputado do França Insubmissa François Ruffin.
Não é o único. A Comissão Nacional de Consulta dos Direitos Humanos (CNCDH) qualificou nesta terça a lei de “inadequada e desproporcionada” e manifestou sua preocupação com os “riscos” que poderia implicar às liberdades fundamentais, especialmente pela obrigação de retirar em 24 horas conteúdos considerados de incitação ao ódio. Uma medida que “estimula as plataformas, por excesso de prudência, a retirarem conteúdos que não sejam manifestamente de ódio” e “reforça o poder das plataformas mais importantes em detrimento das menores”, adverte. A CNCDH, uma estrutura estatal, mas independente, que vela pela proteção e promoção dos direitos humanos no país, recomenda que caiba “apenas a um juiz avaliar o caráter abusivo do exercício da liberdade de expressão”. Propõe ainda que a resposta a esse tipo de conteúdo, visto o “caráter transfronteiriço” de Internet, seja “coordenada e uniformizada em nível europeu e internacional”.