A proposta dos Estados Unidos de suspender os direitos de propriedade intelectual sobre as vacinas contra a covid-19 sofreu um revés, depois que a União Europeia (UE) propôs à Organização Mundial do Comércio (OMC) uma alternativa à suspensão das patentes. O bloco de 27 países-membros defendeu um pacto multilateral para expandir a produção dos imunizantes e garantir “acesso universal e justo”, com base em acordos de licenças obrigatórias. “A UE tem demonstrado ativamente solidariedade com o mundo desde o início da pandemia. Nós autorizamos exportações de quase metade do total de vacinas produzidas na Europa. Nossa meta imediata e urgente é garantir o acesso equitativo a países de baixa e média renda, para compartilharmos os fármacos de forma mais rápida e mais ampla”, declarou Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o órgão executivo da UE.
Segundo von der Leyen, o bloco popõe “soluções concretas a curto e médio prazo para assegurar o acesso universal a preços acessíveis”. Ela disse que, na próxima semana, manterá discussões com os líderes do G7 — grupo dos sete países mais industrializados do mundo (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido — sobre estratégias para alcançar essa meta. “Além da crise atual, é importante garantir a preparação global para futuras pandemias: diversificar a produção para que não seja centralizada em um punhado de países e fortalecer a resiliência da infrasestrutura em saúde nas nações menos desenvolvidas”, disse.
A suspensão temporária das patentes foi proposta, pela primeira vez, pela Índia e pela África do Sul. Em 5 de maio passado, Katherine Tai, representante comercial dos Estados Unidos, anunciou a histórica mudança de postura do país em relação às vacinas e apoiou a proposta. “Esta é uma crise global, e as circunstâncias extraordinárias da pandemia da covid-19 apelam por medidas extraordinárias. O governo (de Joe Biden) acredita fortemente nas proteções da propriedade intelectual, mas (…) apoia a isenção destas proteções para as vacinas para a covid-19”, afirmou. “A meta do governo é obter o maior número de vacinas eficazes e seguras ao maior número de pessoas, o mais rápido possível”, acrescentou. Na última quinta-feira, a Casa Branca comunicou a doação de 80 milhões de vacinas, 75% delas no âmbito do programa Covax, criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Eixos – O plano da UE contempla três eixos: a garantia de que as vacinas, tratamentos e seus componentes possam cruzar as fronteiras livremente; o encorajamento para que fabricantes expandam a produção, assegurando que os países que mais precisam de vacinas as recebam a um preço acessível; e a facilitação para o uso de licenciamento compulsório no âmbito do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips, pela sigla em inglês) da OMC.
Lawrence Gostin, professor de Direito de Saúde Global e de medicina da Universidade de Georgetown, concorda com a necessidade de ampliação da capacidade de fabricação em países de renda média, como o Brasil, para que produzam suas vacinas. “As empresas não podem fabricar seus próprios imunizantes, a menos que possuam o know-how para tanto. Isso requer duas coisas importantes. Em primeiro lugar, precisamos da isenção da propriedade intelectual. Em segundo, os países de alta renda e as companhias farmacêuticas devem transferir suas tecnologias para possibilitar que fabricantes regionais produzam suas próprias vacinas”, afirmou ao Correio.
Para Gostin, a OMC deveria apoiar a renúncia sobre os direitos de propriedade intelectual. “Ela também tem que garantir as cadeias de suprimento global para as matérias-primas necessárias à produção de vacinas. Precisamos, ainda, financiar e fornecer assistência técnica a nações de média renda, a fim de habilitá-las a fabricarem imunizantes de alta qualidade a preços acessíveis.”