Com uma comunidade de cerca de 1 milhão de portugueses no Brasil e aproximadamente 300 mil brasileiros em Portugal, as autoridades têm de lidar com muitos casos de vacinas aplicadas fora da EU
A falta de um acordo entre Portugal e Brasil para o reconhecimento de vacinas contra a Covid-19 tem imposto obstáculos a quem viaja para o país europeu, como a dificuldade para obter o certificado digital que facilita o acesso a serviços e atividades de lazer.
As regras em vigor, porém, ainda permitem um fluxo intenso de pessoas entre os dois países. Quem tem cidadania portuguesa ou de outro país da União Europeia (UE) está autorizado a entrar em Portugal a partir do Brasil, e decisão desta quarta (1º) autoriza viagens de turistas brasileiros -ainda que nem todos os detalhes estejam claros.
Também podem viajar estrangeiros com residência legal no país, pessoas com visto de trabalho ou estudo ou cujos deslocamentos aconteçam por motivos médicos. Há, ainda, casos de reunião familiar com residentes em território luso.
Com uma comunidade de cerca de 1 milhão de portugueses no Brasil e aproximadamente 300 mil brasileiros em Portugal, as autoridades têm de lidar com muitos casos de vacinas aplicadas fora da UE.
Embora reuniões técnicas tenham começado em julho e o assunto tenha feito parte da agenda do encontro entre os presidentes dos dois países, em Brasília, no início de agosto, ainda não há um pacto para o reconhecimento em Portugal de vacinas aplicadas no Brasil.
Sem um acordo em vigor, quem consegue entrar no país a partir do Brasil também têm dificuldade para obter o certificado digital europeu, conhecido como passe sanitário ou passaporte Covid, documento eletrônico que atesta uma das três condições: imunização completa contra a Covid-19, recuperação da doença há menos de 6 meses ou teste laboratorial recente com resultado negativo para o vírus.
O certificado digital é cada vez mais usado como requisito para acesso a estabelecimentos e serviços, como o espaço interior de restaurantes e participação em aulas em academias de ginástica.
Mesmo sem o acordo bilateral, é possível que pessoas vacinadas no Brasil tenham acesso ao certificado de Portugal. O caminho, no entanto, é burocrático. Para a obtenção do documento, o país só aceita vacinas que tenham sido aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento: Pfizer, Moderna, Janssen e AstraZeneca. No caso da AstraZeneca, ainda não é aceita a Covishield, versão do imunizante produzida na Índia e que teve lotes aplicados no Brasil. A Coronavac, amplamente utilizada no Brasil e já aprovada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), também está fora da lista autorizada.
Mas mesmo quem se imunizou com os fármacos aprovados na Europa ainda enfrenta outros obstáculos. É preciso pedir a validação junto às autoridades de saúde portuguesas, e, até o momento, somente quem possui um número de utente -identificação de inscrição no SNS, o Serviço Nacional de Saúde- pode pedir o certificado. A exigência significa que, na prática, a emissão do documento fica restrita a portugueses, cidadãos de outros países da UE e residentes legais no país.
Em grupos de apoio a brasileiros nas redes sociais e em associações de apoio a imigrantes, muitas pessoas relatam dificuldade para conseguir o certificado digital europeu. “Minha mãe foi vacinada com as duas doses da AstraZeneca no Brasil. Já entrei em contato com o centro de saúde várias vezes e até agora não consegui o certificado”, afirma Jéssica Barbosa, brasileira que vive em Portugal há 14 anos e há dois meses levou a mãe para viver no país.
Não ter o documento dificulta o acesso à vida cultural e social. O governo de Portugal não respondeu ao questionamento da reportagem sobre a quantidade de pessoas imunizadas no Brasil que já conseguiram o certificado digital europeu no país.
Quem não tem o certificado pode, alternativamente, apresentar um teste negativo para o Sars-CoV-2 para entrar em restaurantes, shows e outras atividades, mas essa é uma opção mais cara, trabalhosa e, cada vez com mais frequência, recusada por estabelecimentos comerciais.
Estrangeiros vacinados em Portugal, mas sem número de utente, também estão impossibilitados de conseguir o certificado digital. Embora a maior parte das pessoas nessa situação seja de imigrantes em situação irregular, há também estrangeiros com toda a documentação regularizada, inclusive europeus, que também têm tido dificuldade para obter o número de identificação do Serviço Nacional de Saúde.
Entre outros setores, a ausência do acordo bilateral tem frustrado profissionais de turismo, que temem que Portugal perca espaço para outros destinos europeus. Na Espanha, por exemplo, mesmo brasileiros imunizados com a Coronavac estão autorizados. França e Alemanha, os outros dois países da UE que abriram as fronteiras para o Brasil, só aceitam os fármacos autorizados pela agência reguladora europeia.