O embaixador da Coreia do Sul em Brasília vê com cuidado os progressos no diálogo com o vizinho do Norte e alerta que Seul não abre mão do fim do programa nuclear de Pyongyang. Diplomata crê que existência de única nação na Península Coreana é questão de tempo
Rodrigo Craveiro/Correio Braziliense
fotos: Arthur Menescal/Esp. CB/D.A Press
Um problema de foro internacional, que envolve o desenvolvimento de armas nucleares. Para o embaixador da Coreia do Sul em Brasília, Jeong Gwan Lee, é dessa forma que a crise norte-coreana deve ser contemplada pelo mundo. “Dentro desse contexto, o Brasil pode exercer um grande papel e a sua influência”, afirmou, em entrevista exclusiva ao Correio
Desde 2015 ocupando o posto de chefe da missão de Seul no Brasil, o diplomata, de 59 anos, admite que seu país está disposto a ajudar economicamente a Coreia do Norte e a trabalhar pela reunificação das Coreias. No entanto, ele insiste que a premissa para qualquer acordo envolve o desmantelamento do programa nuclear e a interrupção da fabricação de mísseis balísticos.
Questionado sobre como analisa o convite feito pelo regime do líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, para que o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, visite Pyongyang e aprofunde o diálogo entre as duas nações vizinhas, Jeong adotou a cautela. Mesma medida tomada pela população sul-coreana em relação à presença de Kim Yo-jong nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang. A irmã do ditador norte-coreano é conhecida pela capacidade de dissimulação.
Apesar de ver a visita da enviada como uma mensagem de que Kim pretende melhorar as relações com o Sul, o embaixador acredita que o verdadeiro propósito de Pyongyang é forçar o alívio das sanções da comunidade internacional ou determinar os rumos das relações entre Seul e Washington. “O governo sul-coreano não permitirá que esses tipos de coisas ocorram”, avisou.
Jeong não descarta nova guerra na Península Coreana, provocada por algum tipo de erro ou de falha, mas lembra que os dois lados têm tomado precauções para evitar o acirramento das tensões. Ele vislumbra como real a possibilidade de unificação das Coreias e espera que o processo ocorra naturalmente, por meio de um acordo de paz, o que diminuiria a possibilidade de uma catástrofe humanitária causada por eventual êxodo migratório em massa.
Jeong Gwan Lee começou a carreira diplomática em 1981. Entre 2010 e 2013, foi cônsul-geral da Coreia do Sul em San Francisco, na Califórnia. Antes de assumir a representação no Brasil, atuou como embaixador para coreanos no exterior e para assuntos consulares.
A irmã de Kim Jong-un convidou o presidente Moon Jae-in a Pyongyang. Como o senhor vê o impacto disso nas relações entre os dois países?
Eu creio que, ao enviar sua própria irmã a Seul, Kim pretendeu nos dar clara mensagem de que ele realmente deseja melhorar as relações com o Sul. Seu verdadeiro propósito deve ser o alívio das sanções impostas pela comunidade internacional ou o direcionamento das relações entre Coreia do Sul e Estados Unidos. Mas o governo sul-coreano não permitirá que esses tipos de coisas ocorram. Nós estamos bem preparados para usar essa oportunidade e liderar o Norte na resolução do problema nuclear.
O presidente Moon aceitaria viajar à Coreia do Norte?
O presidente Moon deve ter saudado o convite. Ele pode precisar de algum tempo antes de tomar a decisão sobre a viagem a Pyongyang, pois a situação provocada pelo tema nuclear da Coreia do Norte permanece muito grave. A comunidade internacional, incluindo os EUA, pode não concordar que esta seja a hora certa para uma cúpula entre as duas Coreias. A Coreia do Norte precisa nos mostrar que está preparada para discutir seriamente o tema nuclear, antes da visita do presidente Moon a Pyongyang.
Quais motivos estariam por trás da inclinação da Coreia do Norte em dialogar com o Sul, após uma escalada de tensão?
É uma opinião pessoal. Eu creio que, obviamente, podem haver várias explicações. O fato é que a Coreia do Norte, durante vários anos, vem cedendo em relação às suas armas nucleares, graças não apenas a sanções impostas pela Organização das Nações Unidas (ONU), mas também a posições contrárias da comunidade internacional. De algum modo, essas seguidas sanções e esses posicionamentos da comunidade internacional têm surtido algum efeito, fazendo com que a Coreia do Norte comece a pensar que ela tem de sair dessa posição, de um país sancionado. Talvez o esforço de querer abandonar essa situação de isolamento tenha trazido o resultado do diálogo diretamente entre as duas Coreias.
Qualquer acordo de pacificação com os norte-coreanos partirá do pressuposto de que Pyongyang precisa abandonar o programa nuclear?
Antes de mais nada, se formos pensar como resultado final um acordo de pacificação entre os dois países, é impossível não dizer que não exista tal premissa. A Coreia do Norte tem de abrir mão do desenvolvimento de mísseis e de armas nucleares. Esse é o caminho para a pacificação. Sem isso, não tem como haver um acordo de paz entre os dois países. Isso não significa que, para se chegar a esse resultado final de um acordo de paz entre as duas Coreias, tenhamos de radicalizar. Nós acreditamos que existam fases intermediárias. Até chegar a um acordo de paz entre as Coreias há um longo caminho a ser percorrido. Acreditamos que existe a possibilidade de fases intermediárias, durante as quais, mesmo que a Coreia do Norte comece a demonstrar a intenção de abrir mão desses armamentos, é possível que objetivos mais imediatos, que não sejam o acordo de paz, sejam obtidos. Cada uma dessas fases pode ajudar com a facilitação da fase posterior, de aprofundamento do diálogo. O resultado final que desejamos é um acordo de paz, com a premissa de que a Coreia do Norte abra mão dos mísseis e do desenvolvimento de armas nucleares. Há etapas com espaço para diálogo.Alguns especialistas sustentam que Kim Jong-un estaria interessado em obter ajuda econômica de Seul, a fim de aliviar o peso das sanções.
O seu país se dispõe a fazer concessões para o desmantelamento do programa nuclear norte-coreano?
A Coreia do Sul está disposta a ajudar economicamente o Norte. Para que essa ajuda possa chegar, Pyongyang precisa se mostrar apta ou com o desejo de mudar o posicionamento em relação à questão das armas nucleares. Deve haver indício de boa vontade da Coreia do Norte de sinalizar que poderá abrir mão disso. Seria um sinal para que a Coreia do Sul possa levar a ajuda econômica à Coreia do Norte. Até porque todos os países-membros da ONU, por meio das sanções, estão proibidos de dar apoio ou ajuda financeira ao regime norte-coreano. Se a Coreia do Norte não demonstrar sensibilidade e sinalizar com uma mudança de postura, não tem como Seul sair do espectro das sanções e auxiliar Pyongyang. É preciso uma contrapartida.
Pyongyang insiste que o programa nuclear é motivo de orgulho nacional e descarta abrir mão dele. Como vê isso?
Esse é o posicionamento da Coreia do Norte, o qual não é aceito pela comunidade internacional. É um posicionamento que vai contra qualquer tipo de movimentação de boa vontade, tanto dos países-membros da ONU quanto da própria Coreia do Norte. Enquanto ela não mudar de posicionamento, será difícil sair do isolamento. Pyongyang tem toda a liberdade de tomar essa decisão, da mesma forma que a comunidade internacional tem a liberdade de se opor a ele. Quanto mais a Coreia do Norte insistir nisso, maior será o seu isolamento.
O presidente Donald Trump tem adotado forte retórica em relação à Coreia do Norte e ameaçou destruir o país. O senhor teme um conflito na região?
Dizer que não existe preocupação não seria verdade. Preocupação sempre houve, mas nós cremos que ela não aumenta a ponto de acreditarmos que haverá um conflito maior. Nada é 100%. Desde o fim da Guerra das Coreias, em 1953, sempre houve essa tensão criada pela Coreia do Norte em relação ao Sul. É uma história de momentos de tensão que sempre existiu e que, durante o tempo todo, foi bem gerenciada. A situação envolve outros países da região, como a China e o Japão. O surgimento de um conflito maior ou de uma guerra não é zero porcento, mas acreditamos que a probabilidade seja muito baixa. Esse pensamento é compartilhado pela maioria das pessoas. É óbvio que pode existir um momento em que haja uma decisão equivocada ou uma falha. Isso pode ocorrer, mas exatamente por isso acho que todas as partes estão agindo de forma bastante equilibrada e pensada.
A reunificação das Coreias é possível? Quão distante estamos dessa realidade?
Considerando a tenacidade do povo coreano e a história da Coreia, nós cremos que haverá unificação. É questão de tempo. Outro fator que favorece a possibilidade de unificação é que o regime adotado na Coreia do Norte, no cenário internacional, não tem condições de se sustentar. Em relação a quanto tempo teremos de esperar pela unificação, é uma pergunta difícil de ser respondida. Pessoalmente, acredito que, se for a curto prazo, em alguns anos. A longo prazo, em algumas dezenas de anos.
Quais são os pontos necessários para se alcançar a reunificação?
Nós podemos sempre pensar em duas situações de unificação. A primeira é a que o governo sul-coreano sempre desejou: dirimir as tensões entre as Coreias e ambas começarem o diálogo visando a coexistência pacífica. Essa situação levará a um processo natural, pelo qual os dois países passarão para que um acordo de paz chegue à unificação. Esse cenário seria desejado, inclusive, pelo governo da Coreia do Norte. Um segundo cenário seria provocado por um evento externo e não alheio à vontade das Coreias. De alguma forma, a eventual queda do regime norte-coreano ou algum fator externo traria situação de unificação. Essas são as duas situações deslumbradas. O importante é que haja a desistência da Coreia do Norte em relação aos armamentos nucleares e aos mísseis. Isso precisa ser plenamente resolvido para que possa haver a unificação entre as duas Coreias.
O senhor não vê o risco de uma catástrofe humanitária, ante o afluxo de imigrantes do Norte rumo ao Sul, em busca de uma vida melhor?
Nós temos consciência do que chamamos de “custo de unificação”. Fatalmente, isso deve ocorrer. Mas cremos que, se ocorrer em conformidade com o primeiro cenário — processo de distensão, diálogo e coexistência pacífica —, tal custo será reduzido de forma considerável. Torcemos para que, havendo a reunificação, seja dessa forma, pois o choque e os custos serão menores.
Nessas primeiras rodadas de diálogo entre as Coreias, o que se conseguiu de concreto?
Houve longo período de tensão, durante o qual as Coreias não se falavam. Apenas o fato de ter retomado o diálogo é algo bem significativo. A vinda de autoridades norte-coreanas e a troca entre os dois países são bem importantes. Isso talvez nos dê o otimismo de que o conflito entre os dois países possa ser resolvido de maneira pacífica. Mas é apenas um começo. Nós queremos muito mais e desejamos que o diálogo inclua a questão nuclear.
A Coreia do Norte exige o fim dos ensaios militares conjuntos com os EUA e do escudo antimísseis. Seul está disposta a ceder nisso?
Tanto os testes conjuntos dos EUA com a Coreia quanto a implantação do sistema antimísseis THAAD ocorrem por existir uma ofensiva por parte da Coreia do Norte. São duas atividades que decorrem como forma de proteção. A lógica é que a Coreia do Norte abra mão, se não totalmente, pelo menos de grande parte, do seu aparato nuclear, para que a Coreia do Sul não se sinta ameaçada, a fim de abrir mão também de algum desses dois elementos.