Em entrevista ao Correio, Li Jinzhang defende que o sucesso do princípio concedeu maior liberdade à cidade capitalista
Ana Paula Macedo , Rodrigo Craveiro
Li Jinzhang, 62 anos, ocupa o cargo de embaixador extraordinário e plenipotenciário da China no Brasil desde 2012. Com quatro décadas de carreira diplomática, foi diretor-geral do Departamento da América Latina e Caribe do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) da China, além de embaixador extraordinário e plenipotenciário do governo chinês no México, entre 2001 e 2003. Antes de assumir a embaixada, em Brasília, foi vice-ministro dos Negócios Estrangeiros. Casado, tem uma filha e fala fluentemente espanhol.
Hong Kong, 20 anos de autonomia e progresso
No sábado, a China celebrará o 20º aniversário da reunificação de Hong Kong, depois de 150 anos de domínio britânico. A cidade, um bastião capitalista, foi reincorporada ao governo chinês, socialista, sob o princípio “um país, dois sistemas”, segundo o qual o território continua a gozar de grande autonomia. De acordo com o jornal South China Morning Post, o presidente da China, Xi Jinping, viajará na quinta-feira a Hong Kong, onde ficará até 1º de julho. A primeira visita desde que Xi assumiu o governo, em 2013, ocorrerá em um momento no qual habitantes da Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) consideram que Pequim está reforçando o controle em um território que, até 2047, pelo menos em tese, deve conservar amplo grau de autonomia e de liberdades.
Em entrevista exclusiva ao Correio, Li Jinzhang, embaixador extraordinário e plenipotenciário da República Popular da China no Brasil, classificou de grande sucesso o princípio “um país, dois sistemas” e admitiu: “O povo de Hong Kong goza de direitos e de liberdade que nunca teve”. O diplomata explicou que a cidade está cada vez mais próspera. Entre 1997, quando Hong Kong foi devolvida à China, e o fim do ano passado, o volume da economia da RAEHK teve crescimento anual de 3,2 pontos percentuais.
Li advertiu que os movimentos pró-autonomia ou independentistas de Hong Kong, que ganharam evidência desde 2015, buscam “negar o poder de governança do Governo Popular Central sobre Hong Kong” e a separação da China. “O Governo Popular Central da China não permitirá a confrontação da autoridade central em nome do ‘alto grau de autonomia’”, alertou. De acordo com ele, tanto a China quanto o governo da ilha conterão, “de modo resoluto”, comportamentos e ações que colocarem a unidade nacional em risco. O representante de Pequim em Brasília acredita que a experiência vivida em Hong Kong tornou o princípio “Um país, dois sistemas” exemplo a ser aplicado também para a reintegração de Taiwan — considerada pela China como uma província rebelde. “Existe uma só China no mundo, e Taiwan é a parte inalienável do seu território”, declarou. “O princípio de ‘Uma só China’ é uma pré-condição para estabelecermos e desenvolvermos relações diplomáticas com qualquer país do mundo”, disse o embaixador.
Depois de duas décadas, qual o balanço do princípio “um país, dois sistemas” adotado para a reunificação de Hong Kong?
Em 1º de julho de 1997, o governo chinês retomou o exercício de poderes de Hong Kong. Ao longo dos 20 anos, obteve-se grande sucesso reconhecido por todo o mundo na aplicação de “um país, dois sistemas” na Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK). Depois do retorno à pátria-mãe, o princípio de “um país, dois sistemas” tem sido completamente e precisamente implementado em Hong Kong. De acordo com a Lei Básica e as decisões tomadas pelo Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional da China, o Governo Popular Central e o governo da RAEHK promovem firmemente o desenvolvimento estável da democracia política na região e apoiam firmemente o chefe do Executivo e o governo da RAEHK na administração da Região, conforme a lei. A RAEHK goza de elevado grau de autonomia, e continuam se mantendo inalterados o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes. O povo de Hong Kong goza de direitos e de liberdade que nunca teve. O Estado de direito tem sido elevado.
E qual o impacto desse princípio sobre a economia da RAEHK?
A economia de Hong Kong torna-se cada vez mais próspera. Ela se mantém como o centro internacional financeiro, comercial e de navegação. Trata-se da mais aberta e mais competitiva, reconhecida mundialmente. Desde 1997 até 2016, o volume total da economia de Hong Kong passou de US$ 177,3 bilhões para US$ 310 bilhões, com um crescimento médio anual de 3,2 pontos percentuais. As práticas provam plenamente que “um país, dois sistemas” é o mais perfeito para manter a prosperidade e a estabilidade de longo prazo depois do retorno de Hong Kong à China. É uma grandiosa causa, parte importante do socialismo com características chinesas. No futuro, o governo central seguirá apoiando Hong Kong a desenvolver a sua economia, a melhorar o bem-estar do povo e a manter, inabalavelmente, a prática de “um país, dois sistemas”, sem desvio e sem distorção.
Até que ponto os movimentos para a autonomia de Hong Kong ameaçam a meta da reincorporação efetiva marcada para 2047?
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer as relações entre “um país” e “dois sistemas” no princípio “Um país, dois sistemas”. “Um país” significa que a Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) é parte inalienável da China, uma região administrativa local do país que fica diretamente subordinada ao Governo Popular Central. A RAEHK goza de alto grau de autonomia, em vez de uma autonomia absoluta, tampouco de uma divisão de poderes — o Poder Executivo dos assuntos locais é autorizado pelo Governo Popular Central. “Dois Sistemas” significa que, dentro de “um país”, o sistema socialista se aplica ao Estado principal. Em certas áreas, como Hong Kong, se mantém o sistema capitalista. Nos últimos anos, pessoas da sociedade de Hong Kong têm pregado a chamada “autodeterminação de Hong Kong”, ou mesmo “independência de Hong Kong”. A essência é negar o poder de governança do Governo Popular Central sobre Hong Kong e tentar transformar Hong Kong em uma entidade política independente ou semi-independente, ou seja, a separação da China. As práticas de “independência de Hong Kong” são contrárias à lei e à opinião pública. Portanto, elas danificam a soberania e a segurança da China, prejudicando os interesses fundamentais da RAEHK. Em qualquer caso, o Governo Popular Central da China não permitirá a confrontação da autoridade central em nome do “alto grau de autonomia”. O Governo Popular Central e o governo da RAEHK conterão, de modo resoluto, qualquer comportamento e atividades que colocarem em risco a unidade nacional.
Hong Kong acaba de eleger uma nova chefe do Executiva, depois de uma campanha que incluiu protestos contra a exclusão de candidatos. A cidade pode se tornar laboratório para uma experiência política em torno da abertura a lideranças fora do Partido Comunista?
Em março do ano corrente, a candidata Carrie Lam foi eleita, de acordo com a lei eleitoral, pela 5ª Comissão Eleitoral da RAEHK como a 5ª Chefe do Executivo da região administrativa. A eleição foi organizada em estrita conformidade com a Lei Básica, com as decisões relevantes do Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional da China e com as leis eleitorais relevantes da RAEHK. O processo eleitoral foi aberto, justo, equitativo, estável e ordenado. O perfil de Carrie Lam é compatível com os critérios do Governo Popular Central, entre os quais, o Chefe do Executivo deve “amar a pátria e amar Hong Kong”, obter a confiança do Governo Popular Central, e possuir capacidade de governança e apoio das pessoas de Hong Kong. O Governo Popular Central da China persiste o princípio de “um país, dois sistemas”, no qual Hong Kong é governado pelo povo de Hong Kong e possui alto grau de autonomia. Com sua determinação firme e inquebrantável, o Governo Popular Central da China apoiará, plenamente, a governança da nova gestão da RAEHK, à luz da lei.
De que modo a experiência de reunificação com Hong Kong pode servir para pavimentar o caminho para a reintegração de Taiwan?
Tratando-se de uma causa pioneira, as práticas do princípio “Um país, dois sistemas” têm sido constantemente impulsionadas, enriquecidas e aperfeiçoadas, por meio de exploração, em Hong Kong. O seu sucesso serve, indubitavelmente, como exemplo para a aplicação do princípio em Taiwan. Eu gostaria de apontar que o princípio, proposto em primeiro lugar para a solução da questão de Taiwan, leva plenamente em conta a história e a realidade da ilha, e se constitui em saída racional e viável. Entretanto, a solução da questão via “Um país, dois sistemas” não significa copiar o modelo de Hong Kong. Os dois lados do Estreito de Taiwan podem definir o conteúdo de “Um país, dois sistemas”, mediante negociações baseadas no princípio de “Uma Só China”.
Qual é a importância para Pequim de “Uma Só China” e como recebeu a promessa do presidente dos EUA, Donald Trump, de honrar esse princípio?
O princípio de “Uma Só China” é uma pré-condição para estabelecermos e desenvolvermos relações diplomáticas com qualquer país do mundo. O presidente Trump manifestou seu apoio ao princípio “Um país, dois sistemas”. Esse apoio cumpre as diretrizes para o desenvolvimento do relacionamento entre dois países e a tendência internacional.
O senhor vê alguma perspectiva de mudança na forma com que Pequim trata Taiwan?
Existe uma só China no mundo, e Taiwan é parte inalienável do seu território. Esse fato tem sido universalmente reconhecido pela comunidade internacional. O princípio “Uma Só China” é pilar fundamental para as relações entre os dois lados do estreito. O desenvolvimento estável, a paz e a tranquilidade dos laços através do estreito somente poderão ser alcançados com a persistência nesse princípio. Desde 2016, ano em que as autoridades do Partido Democrático Progressista de Taiwan ingressaram no poder, o governo chinês tem manifestado, por várias vezes, que a transformação da cena política na ilha não mudará a nossa linha orientadora para a questão de Taiwan. Ela seguirá o caminho do desenvolvimento pacífico, com a união dos compatriotas dos dois lados do estreito. Essa linha orientadora também persistirá no Consenso de 1992; se oporá às forças separatistas em Taiwan; defenderá com firmeza o alicerce político do desenvolvimento pacífico do relacionamento dos dois lados; promoverá os contínuos intercâmbios em diversas áreas entre a China Continental e Taiwan; e aprofundará a integração do desenvolvimento econômico-social, no sentido de aumentar o bem-estar e a afeição natural dos compatriotas dos dois lados.
Como analisa o comportamento da gestão em Taipé em relação ao Consenso de 1992?
Depois de tomarem posse, as novas autoridades taiuanesas se recusam em reconhecer o Consenso de 1992 e negam que a China Continental e Taiwan pertencem à mesma China. Isso tem causado danos à base política do desenvolvimento pacífico das relações dos dois lados do estreito. Também provoca indulgência às atividades separatistas de “deschinalização” e ao enfraquecimento dos interesses comuns e dos laços dos compatriotas entre os dois lados. Independentemente das mudanças da circunstância da ilha, o governo chinês possui vontade firme de defender a soberania nacional e a integridade territorial, e jamais vai tolerar ações separatistas para a independência de Taiwan de qualquer forma.
De que maneira o Brasil se posiciona sobre Taiwan?
Ao longo do tempo, o governo e o povo brasileiro têm concedido compreensão e apoio preciosos ao governo e ao povo chinês na questão de Taiwan. Por isso, queremos expressar os agradecimentos e a apreciação. A China deseja que todos os setores da sociedade brasileira continuem a apoiar a grande causa de reunificação da pátria do povo chinês, bem como o desenvolvimento da parceria estratégica global sino-brasileira.