RIO E SÃO PAULO – Citando o que chamaram de “desmantelamento de políticas ambientais e de direitos humanos”, os gestores solicitaram reuniões virtuais com os embaixadores brasileiros em seis países europeus, nos Estados Unidos e no Japão para discutir o tema.
O movimento integra ofensiva de investidores globais que, nos últimos meses, já vetaram a compra de ações brasileiras ou mesmo de títulos da dívida pública do país e participaram de mobilizações coletivas para criticar a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro.
“É com grande preocupação que observamos a tendência de crescimento do desmatamento no Brasil. (…) Estamos preocupados com o impacto financeiro que o desmatamento e a violação dos direitos de povos indígenas podem ter sobre nossos clientes e companhias investidas, por potencialmente elevarem os riscos de reputação, operacional e regulatório”, escreveram os gestores.
“Estamos preocupados com a possibilidade de empresas expostas a eventual desmatamento em suas operações no Brasil e cadeias de fornecedores enfrentem uma dificuldade crescente para acessar os mercados internacionais”, acrescentaram.Apesar do crescente movimento de repúdio externo à política ambiental brasileira, o presidente Jair Bolsonaro atribuiu a imagem ruim do país à “desinformação”.
Sabemos que nossa imagem não está muito boa aí fora por desinformação — afirmou o presidente. — Aí fora tem país que nos critica, mas não tem um palmo de mata ciliar. Aqui é exatamente o contrário.
A questão ambiental é um dos elementos que vão dificultar a volta do investimento estrangeiro ao país. Especialistas consultados pelo GLOBO lembram que o ponto se soma a outros fatores que podem tirar o país do radar: baixo crescimento, situação fiscal preocupante e falta de espaço para a retomada da agenda de reformas, como a tributária.
Grilagem e ‘passar a boiada’ – Com gastos de mais de 8% do Produto Interno Bruto para conter os efeitos da pandemia do novo coronavírus, a dívida pública deve chegar a 90% do PIB, o que aumentará a percepção de risco do país. A turbulência política é outro complicador, dizem especialistas.
Um sinal de que a aversão ao risco aumentou em relação ao Brasil é a elevação do chamado Credit Default Swap (CDS), um “termômetro” da capacidade de pagamento.
Antes da pandemia, o CDS brasileiro estava em 92 pontos, enquanto a média de um grupo de países emergentes que inclui México, África do Sul, Peru, Indonésia, Tailândia, Filipinas, Turquia e Colômbia era de 90 pontos.
Agora, o CDS do Brasil é de 250 pontos, enquanto a média do mesmo grupo de países é de 170, segundo levantamento feito por Guilherme Attuy, economista-chefe da Gauss Capital. Quanto mais baixo o CDS, maiores são as chances de o país quitar suas dívidas.
No texto encaminhado aos embaixadores brasileiros, os investidores demonstram preocupação com a tramitação do projeto de regularização fundiária, apelidado de “PL da Grilagem”, com os planos de abrir reservas indígenas à mineração e com os comentários do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre aproveitar a pandemia para “passar a boiada”.
O cerco dos investidores à política ambiental do governo Bolsonaro ganhou força no fim do ano passado, depois que uma série de queimadas destruiu 42 mil quilômetros quadrados da Amazônia.
Na ocasião, 230 investidores com portfólio de US$ 16,2 trilhões emitiram carta conjunta pressionando empresas investidas a implementar políticas contra o desmatamento em suas cadeias de fornecedores.
No mês passado, um grupo de 40 grandes varejistas e investidores estrangeiros enviou carta a parlamentares brasileiros manifestando preocupação com o projeto de regularização fundiária, que ainda não foi votado. Entre os signatários estavam gigantes do varejo como Tesco, Sainsbury e Marks & Spencer
“Queremos continuar investindo no Brasil e ajudar a mostrar que o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente não precisam ser mutualmente excludentes”, escreveram investidores na carta. “Fazemos um apelo ao governo brasileiro a demonstrar claro comprometimento em eliminar o desmatamento e proteger os direitos de povos indígenas.”
Diversos fundos de investimento já disseram que pretendem sair de investimentos em processadoras de carne, comercializadoras de grãos e títulos do governo caso não vejam melhora na situação da Amazônia.
Em agosto passado, o braço de gestão de recursos do finlandês Nordea suspendeu a compra de títulos públicos do Brasil, motivado pelas queimadas na floresta. Já ocorreram boicotes a produtos brasileiros este ano em redes britânicas de supermercados e filiais de empresas alemãs no Reino Unido.
O diplomata Rubens Ricupero, que foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, avalia que a precarização das políticas ambientais exerce influência negativa sobre a economia do Brasil. O mercado externo “não se deixa levar por propaganda”, diz o ex-ministro.
— Não há dúvidas de que as atitudes de política ambiental já estão tendo efeito negativo na economia. O foco do governo na parte ambiental faz parte do projeto caracterizado como “ambientalismo de resultados”. Esse tipo de escolha de palavras é ambivalente.
O ex-ministro avalia que, caso não haja melhora nos índices ambientais, o Brasil pode perder mercado lá fora. (Colaborou Washington Luiz)