Para eles, o comportamento do governo coloca em risco a segurança do país, além de abalar a reputação internacional do Brasil. Nesta semana, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais revelou que desmatamento na Amazônia cresceu 9,5% entre agosto de 2019 a julho de 2020 e a região perdeu 11.088 km² de floresta, um recorde.
Num informe publicado nesta semana, militares e estrategistas estrangeiros deixaram claro que a situação do desmatamento na Amazônia não é apenas uma questão de proteção do meio ambiente. “A Amazônia em risco coloca em risco a segurança do Brasil”; disse o informe preparado pelo Conselho Militar Internacional sobre Clima e Segurança. A entidade é formada por líderes militares, especialistas em segurança e instituições de segurança de 38 países, dedicados a “antecipar, analisar e enfrentar os riscos de segurança de um clima em mudança”.
Para o grupo, líderes brasileiros precisam colocar mudanças climáticas e o combate contra o desmatamento como uma “prioridade de segurança”, e garantir que a segurança da nação esteja “à prova do clima”. “O Brasil não está adequadamente preparado para os impactos dos fatores de estresse relacionados às mudanças climáticas previsíveis em sua segurança, economia, base de recursos naturais e infra-estrutura nacional crítica, especialmente suas usinas hidroelétricas e instalações militares”, indicam.
O relatório recomenda que a comunidade de segurança brasileira incorpore a ciência climática em suas avaliações e processos de planejamento estratégico para mitigar e se preparar para os piores casos, e que “o Brasil se comprometa novamente com seu papel de liderança anterior na luta contra o desmatamento”.
Reputação ameaçada
Na avaliação dos militares, a pressão internacional sobre o governo brasileiro vai continuar. “O interesse da comunidade internacional pelos assuntos da Amazônia aumentou sob a administração Bolsonaro, devido ao enfraquecimento sistemático do presidente dos departamentos e agências civis tradicionalmente responsáveis pelos programas de contra desmatamento do país”, constata. “O desinteresse do governo Bolsonaro em conter o desmatamento ilegal fere a internacionalização do Brasil, no momento em que busca participar de fóruns e processos decisórios internacionais”, alerta.
“Além de colocar em risco a ecologia e o abastecimento de água, o novo surto de desmatamento e a retórica contraproducente do presidente Bolsonaro deterioraram a reputação do Brasil no exterior, prejudicando os acordos comerciais do país”, analisa o grupo. “A proteção da Amazônia continuará sendo um tema de preocupação dentro e fora do Brasil, devido ao seu impacto no sistema climático global”, conclui.
Desmatamento e crime organizado Para os analistas militares, o desmatamento é também um risco de envolvimento criminoso. “As comunidades de segurança da região também deveriam se preocupar com a destruição ilícita da floresta, uma vez que os autores de crimes ambientais muitas vezes cometem crimes associados, como a venda ilegal de madeira serrada”, indicou. Assim, os militares alertam que “o desmatamento ilegal apresenta o maior risco ambiental para o Brasil, mas também representa uma ameaça à segurança pública, dados os impactos de tal atividade criminosa em larga escala sobre a legitimidade do Estado”.
“Os crimes cometidos em escala industrial minam a estabilidade e a legitimidade do Estado. Nesse contexto, o desmatamento ilegal deve ser enfrentado com a reintrodução da estrutura contra desmatamento que teve sucesso na maior parte das duas décadas anteriores”, sugerem. “Neste contexto, o governo brasileiro deveria se envolver em um esforço significativo para reduzir o desmatamento e cumprir com as metas climáticas internacionais, a fim de evitar as ramificações de segurança potencialmente catastróficas das atuais trajetórias de emissão de gases de efeito estufa”, pedem os militares.
Ameaças aos militares De acordo com o estudo, mudanças climáticas ameaçam até mesmo a infra-estrutura militar no Brasil. “A maioria dos recursos de patrulha costeira e ribeirinha do país são ancorados e lançados em instalações navais que estão expostas a riscos relacionados ao aumento do nível do mar e inundações mais frequentes e severas dos rios”, diz. “Isso pode reduzir a prontidão e a capacidade da Marinha do Brasil de cumprir suas principais obrigações, incluindo salvaguardar a riqueza mineral submarina e responder de forma eficaz à criminalidade ilícita próxima ao rio e desastres naturais/crises humanitárias”, alertam.
Agricultura sob risco Outra consequência pode ser na própria agricultura nacional. “As mudanças climáticas e a variabilidade da precipitação ameaçam a segurança da água e a produtividade agrícola em grandes partes do Brasil”, disse. “Essa vulnerabilidade, combinada com outros desafios, pode resultar em crises hídrica e alimentar. Sob algumas condições, isso pode contribuir para a agitação política, o que pode colocar tensões significativas na capacidade do governo federal de ajudar os governos locais a fornecer bens e serviços públicos”, alertou.
“Se as políticas ambientais do presidente Bolsonaro (ou a falta delas) persistirem, existe a possibilidade distinta de que um processo de ‘savanização’ comece em algumas regiões, com a consequência de que porções antes muito úmidas da Amazônia fiquem mais secas e tenham estações de seca muito mais longas, semelhantes às das savanas tropicais da África e da Ásia”, indicou o informe. “Caso este cenário se desdobre, mesmo que parcialmente, geraria graves consequências para a segurança, incluindo migrações das regiões florestais, secas que podem afetar o desempenho das hidrelétricas e impactos severos nas principais regiões agrícolas do Brasil, afetando a segurança alimentar”, completou.
Situação pede nova postura do Brasil, dizem especialistas
Para os militares e especialistas que lideram o conselho, a situação brasileira exige uma nova postura por parte do país. “A mudança climática é tanto um risco existencial para todas as sociedades quanto uma questão de segurança humana e nacional”, disse Sherri Goodman, secretária-geral do Conselho e ex-vice-Subsecretária de Defesa dos EUA. “A degradação ambiental – mais especificamente o desmatamento recorde -, juntamente com a nova dinâmica regional de mudança climática, agravará as consequências pandêmicas e retardará os esforços de recuperação do Brasil”, alertou.
O tenente-comandante aposentado, Oliver-Leighton Barrett, da Marinha dos Estados Unidos, é outro que insiste sobre a necessidade de uma nova postura por parte do Brasil. “Tanto cientistas quanto especialistas em segurança estão unidos em sua preocupação com o bem-estar da Amazônia”, disse. “Em 2020, o desmatamento e as taxas de incêndios florestais em algumas regiões foram recordes, aumentando a preocupação de que a Amazônia possa em breve atingir um ponto de não retorno”, alertou.
Para o americano, o informe revela como políticas de uso da terra, organizações de fiscalização ambiental enfraquecidas e um “presidente que tem defendido publicamente o desmatamento como pré-requisito para o desenvolvimento, têm contribuído para criar um ambiente permissivo para um desmatamento desenfreado que ameaça a segurança brasileira e internacional”. “Hoje, o Brasil está em um ponto de inflexão no que diz respeito à sua segurança ambiental e à segurança humana, nacional e internacional que a ecologia sustenta”, alerta. “Esperamos que a atual administração não apenas devolva ao Brasil seu caminho outrora responsável em relação aos imperativos ambientais e de mudança climática.
“Se a atual liderança brasileira não acredita plenamente no altruísmo de proteger a Amazônia, este relatório do Conselho Militar Internacional sobre Clima e Segurança demonstra que proteger a Amazônia é claramente do interesse da segurança brasileira, tanto em termos de segurança nacional como regional, e sua posição como uma potência líder no mundo”, afirmou Francesco Femia, diretor do Conselho. “A mensagem para o Brasil é clara: deter o desmatamento e comprometer-se novamente a reverter a escala e o alcance da mudança climática. Caso contrário, as consequências da segurança para o Brasil serão severas e potencialmente catastróficas. Resumindo, o Brasil precisa de proteger sua segurança contra o clima”, disse.