Israel completa 72 anos na próxima quinta-feira com um novo Governo após três eleições em ano e meio de bloqueio político. O pacto de emergência nacional entre o conservador Benjamin Netanyahu e o centrista Benny Gantz para se alternarem no cargo de primeiro-ministro se deve à crise sanitária e econômica ligada à pandemia de coronavírus. Mas, na esfera internacional, o programa da coalizão vem marcado pelo firme compromisso de impulsionar a anexação parcial da Cisjordânia a partir de 1º de julho, apesar da rejeição que essa política suscita na comunidade internacional e das advertências da União Europeia e dos países árabes.
O Estado judaico também se dispõe a comemorar, no mês que vem, o 53º aniversário da ocupação dos territórios palestinos depois da Guerra dos Seis Dias, uma realidade prática que agora pode se transformar em situação de direito. “A natureza do regime estabelecido por Israel entre o rio Jordão e o Mediterrâneo está avançando de uma anexação de facto para uma anexação formal de jure”, destaca Yehuda Shaul, cofundador da ONG pacifista Rompendo o Silêncio, formada por veteranos do Exército contrários à ocupação. “Está em questão agora se israelenses e palestinos podem contar com direitos civis iguais”, acrescenta em um estudo recém-lançado por sua organização, “embora o princípio que norteia esta política seja anexar o máximo de território possível com o menor número possível de residentes palestinos”.
Não se trata de uma reviravolta radical. Durante a última legislatura (2015-2020), sob o quarto mandato do premiê Netanyahu, o Governo —considerado o mais direitista na história do Estado judaico— já havia plasmado em um pacote legislativo o desejo de estender a aplicação das normas israelenses à Cisjordânia. Foi o caso da chamada Lei de Regularização, para legalizar com efeito retroativo a presença dos colonos em assentamentos construídos sobre terras de propriedade palestina.
“A anexação ameaça estabelecer uma realidade legal de apartheid para os palestinos que ficarem no interior das áreas anexadas”, diz Shaul. Refere-se aos bantustões submetidos à lei marcial do ocupante que surgiriam em 43 pequenos enclaves palestinos previstos no chamado “acordo do século”, o plano de paz apresentado em fevereiro pela Casa Branca, que dá via livre para fagocitar um terço do território da Cisjordânia.
O acordo de coalizão aprovado na semana passada pelo Knesset (Parlamento) depois de ser examinado pelo Tribunal Supremo —que avalizou a candidatura de Netanyahu apesar de ele estar sendo processado por corrupção— autoriza o primeiro-ministro a apresentar ao Governo a partir de julho “o acordo combinado com os Estados Unidos de aplicação de soberania” sobre mais de duas centenas de assentamentos judaicos, habitados por 450.000 israelenses, e sobre o vale do Jordão e a costa norte do mar Morto, na Cisjordânia. O embaixador norte-americano em Israel, David Friedman, partidário declarado dos colonos, antecipou que a Administração do presidente Donald Trump está pronta para reconhecer a anexação “em questão de semanas”.
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, prevê viajar na quarta-feira a Israel, na véspera da posse do novo Executivo de Netanyahu e Gantz, uma aliança marcada pela desconfiança, em que ambos os líderes se reservam direito de veto sobre as principais decisões. A exceção é justamente a anexação da Cisjordânia, iniciativa que fica exclusivamente nas mãos do líder do direitista Likud. Resta ver se Pompeo, em sua primeira visita diplomática depois da praga do coronavírus, abençoa a absorção dos territórios palestinos ou impõe condições ao Governo israelense, como declarar com preliminarmente que aceitará a criação de um Estado palestino, conforme prevê o plano de Trump.
A oferta de uma nação própria nos dois terços restantes da Cisjordânia e na faixa de Gaza já foi rechaçada de cara pelos dirigentes palestinos. Por enquanto, o secretário de Estado se limitou a apontar que “a decisão está nas mãos de Israel”.
Ao contrário dos EUA, a comunidade internacional continua negando qualquer legitimidade aos assentamentos e condena a anexação de território ocupado, com os países da Liga Árabe à frente. As Nações Unidas, as igrejas cristãs de Terra Santa… São numerosas as vozes alertando para a potencial instabilidade na região o fim da solução dos dois Estados.
A União Europeia também adverte que a anexação prevista no programa do novo Governo de Israel “pode trazer consequências” para as relações bilaterais. O alto representante do bloco para a Política Externa e Segurança Comum, Josep Borrell, antecipou há três meses que o plano do presidente dos EUA não se encaixa nos parâmetros aceitos internacionalmente para pôr fim ao conflito entre Israel e a Palestina.
Falta de consenso na União Europeia
Uma vez incorporada ao pacto de coalizão do Executivo, Borrell reiterou que “qualquer tipo de anexação constitui uma séria violação do direito internacional” e que “a UE continuará observando de perto a situação e suas implicações, e agirá em conformidade”. O Israel Hayom, jornal local mais próximo de Netanyahu, diz que o chefe da diplomacia europeia —a quem define por sua “animosidade” em relação ao Estado judeu— está disposto a propor sanções contra Israel nesta sexta-feira, apesar da ausência de consenso sobre isso entre os 27 países do bloco.
O mesmo jornal cita fontes oficiais para ressaltar que há países tradicionalmente aliados de Israel (Hungria, Bulgária, Romênia e República Tcheca) que tentam bloquear as medidas punitivas, enquanto outros Estados que questionam abertamente a ocupação (França, Bélgica, Suécia e Irlanda) podem chegar a propor a suspensão do estratégico Acordo de Associação de Israel com a UE, que regula as relações econômicas do Estado judaico com seu principal sócio comercial.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, advertiu claramente que “se Israel der agora o passo da anexação, desconsideraremos todos os acordos assinados com Israel e os EUA”. Os líderes palestinos ameaçam também incorporar o caso da anexação ao processo por crimes de guerra e contra a humanidade que corre no Tribunal Penal Internacional.
Anshel Pfeffer, analista político do jornal Haaretz e biógrafo de Netanyahu, considera, no entanto, que o primeiro-ministro não pretende impulsionar a anexação da Cisjordânia, “ao menos por enquanto”. “Ele está há décadas trabalhando para conseguir o atual status quo, em que a questão palestina quase desapareceu da agenda global. Por que estragar isso lhe dando relevância outra vez?”