Um jornalista italiano para substituir outro jornalista italiano. O social-democrata David Maria Sassoli (Florença, 63 anos) foi eleito nesta quarta-feira para presidir o Parlamento Europeu em substituição a Antonio Tajani, do Partido Popular Europeu. A eleição, por maioria absoluta, esteve livre de intrigas. Sassoli venceu na segunda votação com 345 votos, 185 de diferença em relação ao segundo. A vitória se sustentou nos sufrágios favoráveis de seu grupo, mas também dos liberais e populares, que se recusaram a apresentar candidatos próprios em troca de obter outros cargos na partilha do poder europeu.
Sassoli, o segundo presidente italiano do Parlamento Europeu, era um dos 14 vice-presidentes da última legislatura e ocupará o cargo por dois anos e meio, renováveis por um período equivalente. Há muita chance de que na segunda metade passe o bastão ao Partido Popular Europeu, com o alemão Manfred Weber como candidato previsível. Os rivais de Sassoli eram o tcheco Jan Zahradil (160 votos), do grupo dos Conservadores e Reformistas, a alemã Ska Keller (119), dos Verdes, e a espanhola Sira Rego (43), da Esquerda Unida.
“A União Europeia não é um acidente da história, nós somos os filhos e netos dos que encontraram o antídoto contra a degeneração nacionalista que envenenou nossa história”, disse Sassoli depois de eleito. O novo presidente comemorou o aumento da presença de mulheres no Parlamento Europeu –40% dos 751 europarlamentares– e citou entre suas prioridades a revolução digital e a luta contra as mudanças climáticas e o desemprego entre os jovens.
Sua eleição devolve a presidência da Câmara aos socialistas dois anos e meio após a partida do alemão Martin Schulz, e implica que a Itália não permanecerá de mãos vazias, embora depois de perder a presidência do Banco Central Europeu e a chefia da diplomacia europeia isso não represente um consolo para o Executivo nacional populista da Liga e do Movimento 5 Estrelas. A presidência do Parlamento Europeu tem um peso menor do que os outros cargos em jogo e, embora italiano, seu perfil ideológico está muito longe do das forças eurocéticas que lideram a Itália. Sassoli é muito crítico da restritiva política de imigração promovida por Matteo Salvini.
Membro do Partido Democrático de Matteo Renzi, sua nomeação reflete o novo equilíbrio de poder no campo socialista, onde a delegação italiana se tornou a segunda mais poderosa, atrás da espanhola, depois do naufrágio da social-democracia na Alemanha. Os Estados-Membros preferiam para o cargo o búlgaro Sergey Stanishev, mas a líder dos socialistas europeus, a espanhola Iratxe García, promoveu a candidatura de Sassoli, e obteve uma maioria confortável. “Ele é um homem ágil e inteligente, com oratória e muito trabalhador”, elogia García. “O Partido Democrático é um partido peculiar na família social-democrata. E Sassoli é um produto dessa identidade ideológica híbrida. Firmemente pró-europeu num país onde o euroceticismo está em ascensão, híbrido no campo ideológico e marcadamente progressista”, diz um eurodeputado socialista.
Jornalista veterano moldado no contato com a rua, iniciou sua carreira muito jovem, nas redações de pequenos jornais e agências de notícias. Passou para a televisão em 1992, onde chegou a apresentar os noticiários da rede pública RAI. Muito ligado na juventude ao movimento associativo, especificamente em organizações católicas e de escoteiros, desembarcou no Parlamento Europeu como deputado em 2009.
Embora compartilhe nacionalidade e profissão com seu antecessor, Antonio Tajani, quem o conhece confirma suas diferenças. Enquanto Tajani aterrissou no Parlamento com o estigma de ser um homem próximo de Silvio Berlusconi, com quem compartilha partido e afinidade na Força Italia, Sassoli chega com a marca de progressista respeitado por seus rivais. “Foi um bom vice-presidente, calmo e firme, com um espírito jornalístico apreciável”, descreve a liberal Beatriz Becerra, que esteve na legislatura passada com ele.
Onde Tajani e Sassoli não se diferenciam é na posição sobre a crise catalã. Uma de suas rivais na corrida para a presidência do Parlamento, a ecologista Ska Keller, criticou em várias ocasiões a exclusão do Parlamento dos três deputados independentistas, a última na sessão desta quarta-feira. Segundo a chefa dos Socialistas Europeus, Iratxe García, Sassoli compartilha “totalmente” a posição do Governo espanhol no confronto com o movimento de independência, uma questão sensível para o Executivo de Pedro Sánchez.
Sassoli foi o centro de alguns dos maiores aplausos na legislatura passada. Em meio aos horários apertados dos deputados, ele não hesitou em acelerar as votações nos últimos dias de sessão para evitar que seus colegas perdessem os aviões que todo fim de semana os levam de volta a seus países.
A eleição consolida a irrelevância institucional do Leste na estrutura da comunidade. Embora a paridade de gênero tenha sido respeitada, o equilíbrio geográfico foi relegado. A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, é alemã; o do Conselho Europeu, Charles Michel, belga; a do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, francesa; e o alto representante da Política Externa é o espanhol Josep Borrell. Com a incorporação de Sassoli a este organograma, os quatro maiores países da UE –sem contar o Reino Unido, de saída– têm um representante em cargos de comando.
Na batalha entre famílias políticas, os social-democratas alcançam duas dessas posições (Alto Representante e Parlamento), mas o saldo qualitativo lhes dá muito menos influência do que esperavam alcançar.
Com a derrota do Ska Keller, a candidato dos Verdes para presidir o Parlamento, os ecologistas ficam afastados das esferas de poder europeu, apesar de que em 26 de maio obtiveram o melhor resultado de sua história e foram a quinta força.