Fávio acompanha Ernesto Araújo e Jair Bolsonaro durante telefonema a Donald Trump, no ano passado – 1º.abr.20/Reprodução
Sem status de ministro, o almirante Flávio Rocha viajou recentemente a China e Argentina, países com os quais chanceler perdeu diálogo
Com o aumento da resistência no exterior ao chanceler Ernesto Araújo, um assessor direto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem participado de missões diplomáticas a países cujas relações com o Brasil enfrentam dificuldades.
Sem status de ministro, mas considerado o auxiliar mais próximo do presidente, o secretário especial da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), almirante Flávio Rocha, viajou recentemente a países com os quais o chanceler perdeu a capacidade de interlocução por causa de posições ideológicas, como China e Argentina.
A atuação do militar, que é chamado de “os olhos e ouvidos” do presidente, rendeu-lhe no Palácio do Planalto o apelido de “02 do Itamaraty”. A alcunha, no entanto, é refutada pelo almirante, que já disse a integrantes do governo que não tem ambições políticas.
Apesar da resistência do militar, que não tem pretensão de deixar o atual cargo, o nome dele entrou, em janeiro, na bolsa de apostas para substituir o chanceler, quando a queda dele era dada como certa por causa das negociações para trazer ao Brasil insumos farmacêuticos da China e vacinas contra o coronavírus da Índia.
Último seguidor do ideólogo Olavo de Carvalho na Esplanada dos Ministérios, o atual chanceler, no entanto, ganhou sobrevida na pasta com a solução dos problemas, o que contou com a atuação nos bastidores dos ministros da Agricultura, Tereza Cristina, e das Comunicações, Fábio Faria.
Hoje, o presidente não pretende trocar o chanceler. Em conversas reservadas, porém, ele não descarta que uma mudança possa ocorrer caso a imagem do país não sofra uma melhora em médio prazo
Para assessores presidenciais, a postura aberta ao diálogo e a atitude cordial de Rocha são características que podem ajudar a melhorar a imagem do Brasil no exterior. E, por isso, consideram que a sua atuação junto a governos estrangeiros pode ser um ganho para a política diplomática brasileira.
Fluente em seis línguas e tido por integrantes do governo como um homem culto, Rocha é descrito como versátil e funciona como uma espécie de coringa no governo. Ele já foi cotado pelo presidente, por exemplo, para ocupar a Secretaria-Geral, cargo entregue a Onyx Lorenzoni, que estava na Cidadania. A transferência foi oficializada na sexta-feira (12) em edição extra do DOU (Diário Oficial da União).
A atuação do almirante em questões externas é considerada por auxiliares do presidente como natural, já que a estrutura que ele comanda também presta ao presidente assessoria em assuntos internacionais.
Em janeiro, o almirante viajou à Argentina a convite do seu homólogo na nação vizinha, Gustavo Osvaldo Beliz. Trataram de pontos de sinergia e cooperação estratégica. Rocha ainda encontrou o presidente Alberto Fernández.
Ernesto já fez críticas à Argentina, assim como o presidente brasileiro. Recentemente, o chanceler condenou decisão do Senado do país vizinho que legalizou a realização do aborto por decisão da mulher.
“O Brasil permanecerá na vanguarda do direito à vida e na defesa dos indefesos, não importa quantos países legalizem a barbárie do aborto indiscriminado, disfarçado de saúde reprodutiva ou direitos sociais”, escreveu em redes sociais.
Na semana passada, Rocha foi à China a convite do ministro Fábio Faria para reuniões sobre a implementação da rede 5G no Brasil. A Huawei, uma das principais empresas do setor, é chinesa e, por se tratar de um assunto de segurança nacional, a secretaria especial acompanha.
Desde o ano passado, por diferenças ideológicas, o chanceler não tem mantido contato com representantes do país asiático. Em agosto, o militar também representou o presidente em missão oficial ao Líbano para o transporte de auxílio humanitário ao país do Oriente Médio por causa de uma explosão no porto de Beirute .
Na viagem, Rocha se aproximou do ex-presidente Michel Temer (MDB), que, a convite de Bolsonaro, chefiou a viagem. Na opinião pessoal de Temer, Rocha tem colaborado para arrefecer as críticas externas ao Brasil.
“Ele é de uma cordialidade absoluta e é muito competente nas conversas que teve comigo quando fomos ao Líbano. E ele é extremamente discreto e muito preparado intelectualmente”, disse Temer à Folha.
“Eu acho que ele colabora para isso [arrefecer críticas ao país]. Mesmo nessa missão do Líbano, acho que ele se esforçou por isso, mas isso é um mero palpite meu”, afirmou. Segundo integrantes do governo, apesar do apelido dado ao militar de “02 do Itamaraty”, não existe uma disputa entre Rocha e Ernesto.
Os dois têm um bom relacionamento e atuam em conjunto. É o que ocorre, por exemplo, quando Bolsonaro faz uma ligação a uma autoridade estrangeira. O almirante e sua equipe técnica são responsáveis por cuidar da parte mais operacional, acertam o horário da conversa e discutem com o chanceler os pontos-chave que o presidente não pode deixar de abordar.
Rocha também atua como uma espécie de “apaziguador” em questões internas do governo. Ele atuou para arrefecer crises políticas, ajudou na sucessão do Ministério da Educação e coordenou a transição do Ministério da Saúde em meio à pandemia do coronavírus.
Segundo auxiliares presidenciais, quando se trata de um assunto delicado e que não pode vazar para a imprensa, o almirante é sempre o nome escalado pelo presidente para atuar na linha de frente, incluindo crises institucionais com o Judiciário e o Legislativo. Segundo cálculo informal de auxiliares palacianos, o almirante participa de mais de 90% das reuniões de Bolsonaro no gabinete presidencial.
Reconhecido dentro das Forças Armadas pelo conhecimento geral, ele é chamado frequentemente pelo presidente para opinar e aconselhar em temas delicados. Bolsonaro e Rocha se conheceram em 2002, quando o militar era chefe da assessoria parlamentar da Marinha da Câmara. O presidente, então deputado, se aproximou do militar por defender pautas de interesse das Forças Armadas.
Nesse período, Rocha fez amizade com deputados e senadores de diferentes partidos, o que, segundo amigos do almirante, o ajudaram hoje a atuar na articulação política apenas quando demandado pelo presidente.