Diana Mondino, de 65 anos, será a ministra das Relações Exteriores do presidente eleito da Argentina, Javier Milei. Sem experiência na função pública nem na diplomacia, a economista tem sido assessorada por diplomatas ligados ao ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), cuja política externa é elogiada por Milei.
Márcio Resende, de Buenos Aires/ RFI
Mondino foi eleita deputada nacional pelo partido de Javier Milei, “A Liberdade Avança”, para o período 2023-2027, mas logo após sua vitória nas urnas o então candidato a indicou como a sua chanceler. Apesar das declarações de Milei durante a campanha contra o presidente brasileiro, tendo dito que Lula era comunista e corrupto, com quem jurou que não se reuniria se eleito, Diana Mondino garante que a relação com o Brasil, principal sócio político e comercial da Argentina, será “estupenda”, mas reconhece que não há “simpatia” entre os dois.
Para a ministra, o atual Mercosul, formado pelos fundadores Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, não funciona no mundo atual e deve ser “modernizado”, visão que os quatro países compartilham, garante Mondino, minimizando a inicial postura de Milei de “acabar com o bloco”.
partir de 10 de dezembro, a nova administração argentina promete acabar com o protecionismo histórico e focar na ratificação do acordo União Europeia-Mercosul, pendente desde 2019, além do acordo também pendente com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, nas siglas em inglês).
As relações internacionais “serão baseadas numa ideologia liberal”, associadas aos países com valores ocidentais democráticos. Entram em cena, Estados Unidos e Israel, mas também Europa e países da América Latina. Saem de cena aliados incômodos do ‘kirchnerismo’ como Venezuela, Cuba, Nicarágua, Rússia e Irã.
A relação com a China, segundo maior sócio comercial da Argentina, não será mais entre Estados, mas entre empresas. Os acordos atualmente sigilosos entre Argentina e China, fechados durante os governos ligados à ex-presidente Cristina Kirchner, se por acaso tiverem algo ilegal, serão denunciados.
Sobre o convite feito a Lula para a posse de Milei, em 10 de dezembro, Mondino acredita que o presidente brasileiro não deve ter inconvenientes com a presença de Jair Bolsonaro em Buenos Aires. “Somos todos adultos”, minimiza.
Leia a entrevista.
Durante a campanha, o candidato Javier Milei chamou Lula de “comunista e corrupto”. Lula, por sua vez, apoiava o rival Sergio Massa e até pediu aos argentinos que “votassem num presidente que gostasse de democracia”, sugerindo que Milei não. Como será a relação com o Brasil com o atual governo brasileiro?
A relação com o Brasil será estupenda, como queremos que seja com todos os países do mundo. Mas recordemos que o atual presidente, Alberto Fernández, não quis ter relações com o Jair Bolsonaro. Então, o que tentamos explicar é que não se devem confundir as simpatias que se possam ter ou não entre as pessoas com a enorme capacidade de desenvolvimento que temos como países em conjunto. Somos vizinhos, além de sócios comerciais. Mas se você estivesse falando de um país distante, eu diria o mesmo: é importante ter relações com todos os países.
O objetivo é acabar com as ideologias nas relações internacionais?
Sim, é isso ou ter uma ideologia liberal nas relações. O que vamos tentar estabelecer na Argentina é a convicção de termos uma democracia liberal, uma democracia na qual a sociedade possa controlar o governo. Vamos procurar ficar nesses limites. Não estamos de acordo com outros tipos de grupos ou de ideias que acreditam poderem decidir em nome das pessoas ou impedir a liberdade das pessoas.
Vão convidar Lula para a posse?
Óbvio que vamos convidar Lula, claro. Argentina e Brasil são países que vão trabalhar juntos.
(NOTA: Diana Mondino fez uma visita surpresa a Brasília neste domingo (26) e entregou um convite oficial foi feito ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a posse de Javier Milei ao chanceler brasileiro, Mauro Vieira. A entrevista foi realizada antes da viagem)
Mas o presidente eleito, Javier Milei, convidou o rival de Lula, o ex-presidente Jair Bolsonaro…
Ninguém pode ter inconvenientes com outros convidados. Somos todos gente adulta. São chefes de Estado ou foram chefes de Estado. Todas essas coisas que inventam sobre problemas realmente geram muito dano a todos os países. Não há nenhuma possibilidade de duvidar que convidaremos as autoridades do Brasil seja quem for, agora e sempre.
Qual é a posição do governo Milei em relação ao futuro do Mercosul?
Há muito o que ajustar no Mercosul. Os quatro países estão de acordo sobre a necessidade de ajustes. O Mercosul tem 32 anos de vida. Nesse período, o mundo mudou muito. Os quatro países fundadores mudaram muito. É conveniente aos quatro modernizar o tratado (Tratado de Assunção, de fundação do bloco em 1991). Os quatro países do Mercosul precisam crescer. Precisamos ter muito mais comércio internacional. Hoje, o Mercosul é um pouquinho rígido e poderia ser modificado em alguns elementos. Temos uma oportunidade agora de formar uma integração com a União Europeia. Temos também uma oportunidade (de ratificar) com o EFTA (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein). Temos uma possibilidade (de fechar um acordo) com a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático integrada por Brunei, Camboja, Singapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã). Todas essas oportunidades têm de ser feitas o mais rápido possível, da forma mais eficaz possível.
Então, o governo não pretende romper o Mercosul nem retirar a Argentina, como Milei disse na campanha, mas reformá-lo…
Não seria reformá-lo porque parece que está quebrado. Seria modernizá-lo. Aproximá-lo a um mundo muito mais multilateral, onde há uma série de indústrias que antes, quando o Mercosul foi criado, não existiam.
E os quatro países, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai pensam assim?
Sim, os quatro pensam a mesma coisa.
E como fechar o acordo com a União Europeia, pendente de ratificação desde 2019?
Queremos o acordo com a União Europeia. Da nossa parte, definitivamente, o que acaba na Argentina é o protecionismo. A Argentina que começa agora é a do livre mercado. Nunca é instantâneo, mas vamos terminar com o protecionismo o mais rápido possível. O protecionismo nunca foi bom. Em nenhum país do mundo teve bons resultados. Com a Europa há restrições dos dois lados. As nossas são impositivas; as deles, geralmente, são de outra índole, não-tarifária.
Os últimos governos peronistas (Néstor Kirchner, 2003-2007; Cristina Kirchner, 2007-2015; Alberto Fernández, 2019-2023) tiveram sócios políticos como Venezuela, Cuba, Nicarágua, Rússia e Irã. Agora, o presidente eleito diz que a sua política externa será com os Estados Unidos, com Israel e com o mundo livre. Como fica esse tabuleiro geopolítico no governo Milei?
Faremos todas as nossas gestões baseadas na nossa Constituição Nacional, cujos valores, de forma bem simplificada para ser entendido, são valores ocidentais, contrários a ditaduras e a autocracias. Não será apenas com Europa, com Estados Unidos ou com vários países da América Latina. Há vários países que incluem esses valores democráticos. Nós apontamos aos países que são democráticos. Nós nos ateremos às decisões baseadas no direito internacional e nas Nações Unidas.
Como será a relação com a China, país que não tem esses valores democráticos? Milei disse que não terá relação pessoal nem política com comunistas. Como será essa relação?
Será entre privados. Vai mudar a forma de fazermos contratos. Não serão mais contratos entre Estados. Tem de ser as empresas as que mantêm relações. O Estado argentino não pode ser o responsável por definir quem compra, o que compra, quando compra, como compra, quanto paga, de que forma paga. Nem com a China nem com nenhum outro país.
Durante os últimos governos peronistas, foram assinados uma série de acordos de troca de moedas (swap), linhas de crédito e até a instalação de bases chinesas na Argentina (oficialmente de pesquisas, mas sob suspeita de serem militares). As cláusulas desses acordos são sigilosas. O novo governo pretende tornar públicas essas cláusulas?
Não sabemos quais são as informações que esses acordos contêm. Um Estado tem responsabilidades que deve manter, independentemente de qual governo for. Quando pudermos saber quais informações estão nesses acordos, a não ser que sejam manifestamente contra a nossa Constituição, manteremos esses compromissos assumidos. Porém, se houver coisas que ferem a nossa Constituição, a nossa segurança nacional, os nossos valores ou, exagerando, algum delito, claro que vamos agir. Vamos procurar que essa seja uma discussão aberta à sociedade.
Argentina e Brasil formam uma aliança, eixo da integração regional com base no Mercosul. Até hoje, a Argentina teve no Brasil o seu principal sócio político e comercial e juntos procuraram a inserção internacional. Isso muda?
Por que deveria mudar? Um sócio comercial é uma questão de vantagens e pode mudar ao longo do tempo, em função do que os presidentes fizerem. Nós queremos a forma mais eficaz para a Argentina crescer com base no maior comércio exterior e na melhor inserção internacional. Com qual mecanismo? Veremos a cada momento. Não temos por que estarmos com nenhum país, fazendo o que o outro diz. Temos de manter a nossa atividade. A plataforma tem de ser as nossas próprias capacidades.