Junto com a família, Marcelle Ghieh mudou de país ainda na adolescência e hoje se dedica a realizar cerimônias de imigrantes árabes.
Filha de um libanês e de uma brasileira, Marcelle Ghieh, de 55 anos, nasceu no Líbano, mas aos 12 anos se mudou para o Brasil junto com a família. A adaptação, desde o início, aconteceu de forma rápida e orgânica. A facilidade em aprender português e a proximidade com a comunidade árabe trouxeram a oportunidade de trabalho que mudou sua vida: ser celebrante de casamentos da comunidade árabe.
“Apesar da minha mãe ser brasileira, ela não falava português em casa. Assim como eu, ela também mudou de país aos 12 anos, mas ela fez o caminho inverso. Foi para o Líbano e acabou passando a maior parte da vida adulta por lá”, relembra ela.
Enquanto morava no Líbano, Marcelle frequentava uma escola católica onde aprendeu a falar francês. O conhecimento acabou ajudando na hora de aprender português. Em dois meses de estudo do idioma, ela recebeu o prêmio de melhor nota em língua portuguesa de toda a escola.
Ao se formar na escola, ela decidiu fazer duas faculdades, de Turismo e Direito. “Esse último curso universitário acabou me aproximando do cartório de Foz de Iguaçu, cidade do Paraná. Desempenhando a função de escrevente substituta, eu poderia casar as pessoas”, relembra.
“No mesmo ano que iniciei no cartório, fiz meu primeiro casamento em árabe e português. Casei dois irmãos, que eram árabes, com duas estrangeiras, uma delas canadense e outra americana. Eles queriam que a língua natal fosse falada na cerimônia. O que era essencial, por parte jurídica, eu disse em português, mas o restante foi em árabe”.
Depois desse primeiro casamento, realizado em 1993, a notícia de que existia uma pessoa na cidade que poderia celebrar casamentos em árabe se espalhou.
Em 10 anos, Marcelle conta ter feito mais de 1 mil cerimônias. Além dos casamentos, ela também passou a ajudar a comunidade em outros momentos, como, por exemplo, na hora de registrar seus filhos. “Eu dizia qual nome teria uma pronúncia boa em português e qual poderia causar momentos de bullying na escola”, conta Marcelle.
Mesmo com o desligamento do cartório da cidade em 2003, a libanesa continou sendo procurada para ser celebrante dos casamentos.
“Até 2020, enquanto eu ainda morava no Paraná, fiz milhares de casamentos, tanto da comunidade árabe, quanto de turistas de diferentes nacionalidades. As celebrações feitas em salões de festas e até em frente às cataratas não tinham mais valor jurídico. Entretanto, não deixaram de ter valor sentimental.”
Com a sensação de dever cumprido, a celebrante continuou todos esses anos trabalhando para casar a comunidade, seja no Brasil ou fora daqui. “Para mim, é muito gratificante poder ajudar minha comunidade. Sempre fui muito ligada ao Líbano emocionalmente, e dessa forma acabei servindo meu país, mesmo à distância. Nesse tempo, além dos casamentos em Foz e São Paulo, também já fiz no Paraguai e Argentina.”
Além de ser celebrante de casamentos, Marcelle também se orgulha de ser mestre de cerimônias. A facilidade em aprender novos idiomas a levou a estar à frente de eventos da Organização das Nações Unidas na China e Alemanha. Além do árabe, português e francês, que aprendeu na juventude, ela também é fluente em inglês e espanhol.
História da libanesa no Brasil
Fugindo da guerra, Marcelle saiu do Líbano junto com a mãe e os três irmãos mais novos. O pai chegou três meses depois. Nos quatro primeiros anos, a família Ghieh viveu na casa dos avós maternos de Marcelle em Brasília, capital do Distrito Federal.
Quando eu tinha 16 anos, meu pai recebeu uma oportunidade de trabalho. Por isso nós nos mudamos novamente, dessa vez para Foz do Iguaçu, no Paraná. Desde o começo gostamos muito da cidade por causa da grande quantidade de imigrantes árabes que moravam lá. Eu pude continuar falando árabe e vivendo com outros imigrantes”, relembra Marcelle.
Próxima à sua comunidade, a adaptação com a comida e o clima também aconteceram de forma natural. “A partir do momento em que passei a celebrar os casamentos, me senti ainda mais acolhida pelos árabes que moram aqui. Somos muito hospitaleiros e receptivos. E acredito que, ao trabalhar como celebrante, posso a cada dia mais mostrar aos outros um pouco mais da minha cultura”, conta a libanesa.
Já na pandemia, a libanesa se mudou novamente, desta vez para São Paulo. Na cidade, ela ainda atua casando a comunidade árabe, além de outros estrangeiros que a procuram. “Pela proximidade que desenvolvi com os árabes de Foz, eu acabo voltando para essa cidade que me acolheu, pelo menos uma vez por mês. E posso dizer que ir para lá é como voltar para o Líbano, meu país natal”, diz a casamenteira.
Fonte: ANBA