A chegada de Donald Trump à Casa Branca traz muitas incertezas e expectativas sobre a relação dos Estados Unidos com vários países e regiões do mundo, incluindo o Brasil. O estilo do magnata que seduziu milhões de americanos deve continuar, mas será preciso esperar para conferir se o que ele prometeu durante a campanha poderá mesmo se concretizar, alerta Rubens Barbosa, o ex-embaixador do Brasil em Washington (1999-2004).
Fundador e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) para discutir temas de relações exteriores, Barbosa tem apenas a convicção de que Trump irá se submeter à cartilha do Partido Republicano. Na entrevista à RFI, direto da Flórida, Barbosa afirma que para voltar a ser atraente aos olhos da administração Trump, o Brasil terá que ir adiante com suas reformas. É a única chance de conseguir ampliar as relações comerciais e econômicas com a maior potência do planeta.
E.R. – O que esperar do governo de Donald Trump?
R.B. – O governo Trump é sui generis pela montagem de sua equipe e é imprevisível porque uma coisa é o que o candidato fala durante a campanha, e outra é o que o presidente sentado no Salão Oval da Casa Branca tem que decidir. Vai haver muita influência sobre ele não apenas do próprio Partido Republicano, mas também pela posição dos dois partidos no Congresso. Ele terá dificuldades de aplicar o que pregou durante a campanha porque há limitações no Congresso e também por parte da opinião pública e por parte dos grupos de pressão. Há muitos anos estamos acostumados com os valores liberais do Partido Democrata. Agora, mudou o governo. O establishment americano vai ter uma importância muito grande para controlar a retórica dos excessos do presidente durante a campanha.
E.R. – Isso significa que os americanos e o mundo em geral vão ver um Trump candidato e outro Trump diferente, quando assumir de fato a presidência dos Estados Unidos?
R.B. – O estilo dele não vai mudar. Ele é o homem que está aí e estamos vendo e com todas essas características que estão sendo criticadas. O estilo dele não vai mudar. Os excessos de linguagem, os excessos nas políticas que ele pregou talvez não sejam aplicados, porque haverá, talvez, uma forte reação de todos os lados. Ele vai colocar em vigor a plataforma republicana, a começar pela Previdência Social. Eles vão remover em grande parte a política de Previdência Social e colocar outra no lugar. E na área de política econômica, para criar empregos e voltar ao crescimento mais forte, ele tentará fazer o que o Partido Republicano sempre fez: reduzir imposto, reduzir a regulamentação. Tudo o que ele pregou durante a campanha e a gente não estava mais acostumado. Na área externa terão outros problemas para tentar equacionar.
E.R. – Um dos problemas nesta questão externa é essa política mais protecionista que ele adotou na campanha e confirmou depois de eleito. Que tipo de impacto pode ter esse protecionismo que ele defende?
R.B. – O protecionismo existe de maneira crescente nesses últimos dez, 15 anos. Ele não está inovando nada. Os Estados Unidos são uma das maiores potências do mundo, que importam e exportam. Acho muito difícil que ele vá cancelar os acordos com o México, com o Canadá e com a Ásia. E acho difícil que ele aumente as tarifas em 40% em relação à China. Aumentar em 40%, como ele diz, significaria aumentar em 40% os valores que os americanos pagam pelos produtos chineses. Isso não é aceitável nos Estados Unidos. Acho que ele vai querer rever os acordos, principalmente o do TPP, mas acho que haverá um período de mais ou menos um ano, um ano e meio, que vai ficar na geladeira, vão querer mudar umas coisas. Empresas que se sentiram prejudicadas vão querer algumas vantagens, mas, no final, vai ser implementado. Tanto o Nafta, acordo com o Canadá e o México, quanto o acordo com a Ásia, favorecem demais as empresas americanas, interesses americanos. No final, eles vão ajustar, modificar. Isso já aconteceu no passado quando o (ex-presidente democrata) Bill Clinton foi contra o acordo com o México. Quando ele assumiu a presidência, ele fez algumas correções, umas mudanças e acabou aprovando o acordo. Acho que vai acontecer a mesma coisa com o Trump. O Trump não está inventando o protecionismo. A Europa é uma região protecionista, a América Latina é protecionista, a China também é protecionista, apesar do grande fluxo de comércio. A OMC está em crise porque não consegue conter essa onda de protecionismo. Então, há muito de retórica e vamos ver o que vai realmente acontecer na prática.
E.R. – Como devem ficar as relações dos Estados Unidos com o Brasil sob a era Trump?
R.B. – No que se refere à política externa, pouca coisa irá mudar. A América Latina está presente no radar da política externa americana por causa do México, da América Central, pelas questões de imigração, drogas, etc. Mas a América do Sul não está nos radares dos formuladores de políticas e por isso nada deve mudar. A relação com os Estados e a América do Sul é basicamente econômica e comercial, com exceção da Colômbia, por causa do Plano Colômbia, que agora acabou, e com a Venezuela, por causa da questão interna. Os demais não têm problemas. Se o Brasil quiser aumentar sua relação no comércio com os Estados Unidos, temos que fazer o dever de casa, ou seja, colocar a economia em ordem, melhorar o ambiente de negócios, fazer mudanças por meio de reformas estruturais para manter o país atraente para investimentos e para voltar a ter competitividade no comércio exterior. O aumento da relação econômica e comercial vai depender mais do Brasil do que dos Estados Unidos.
E.R. – O sr. vê um ambiente mais favorável para melhorar essa relação com os Estados Unidos? O governo Temer tem condições de avançar nesses aspectos?
R.B. – Eu acho que nesses últimos quatro meses, muitas reformas começaram a ser discutidas. Como sabemos, estamos no meio das discussões sobre da reforma da Previdência, da reforma trabalhista, vamos começar a discutir a reforma política. Estamos começando a fazer o dever de casa. Vamos ver se o governo vai ter forças par continuar essas reformas que são fundamentais para o país se modernizar e voltar a ser um país normal, que tenha uma relação transparente com outros países, de maneira aberta, eliminando corrupção e práticas pouco transparentes na relação externa na América Latina e no mundo.
E.R. – Como está a evolução das relações entre o Brasil e os Estados Unidos?
R.B. – A relação entre os dois países nunca teve grandes problemas nos últimos 15, 20 anos. O grande problema foi durante o período de 2003 a 2015, quando por questões ideológicas o governo petista se afastou dos Estados Unidos. As relações foram praticamente congeladas. Não temos nenhum problema com Washington. Então, não houve nenhum atrito maior, nenhuma questão que tivesse que ser superada. Mas o Brasil perdeu 15 anos de sua relação com o maior país do mundo. A China, que não pode ser acusada de liberal, é um país comunista, ao contrário, ampliou as relações com os Estados Unidos. O Brasil não avançou em nenhum tipo de acordo, em nenhuma oportunidade em áreas de potencial que existem hoje. Não aproveitou os avanços científicos e tecnológicos por meio de cooperação entre empresas dos dois países. Enfim, nós perdemos 15 anos de oportunidades de negócios e de avançar a relação com a maior potência do mundo.