Por Aloysio Nunes Ferreira, Ministro das Relações Exteriores
Como a memória de alguns no Brasil tende a falhar, vale insistir: a África é prioridade da política externa. Não será difícil lembrar que tivemos, no passado recente, um ímpeto africanista que perdeu força diante da crise interna e do desinteresse em altos escalões do poder.
Há pouco mais de dois anos, o panorama era desalentador: várias embaixadas permaneciam às moscas; contas de serviços básicos atrasadas; projetos de cooperação semiparalisados; e iniciativas esparsas e sem foco.
O que mudou nos últimos dois anos? O fortalecimento das relações com os países africanos voltou a ocupar lugar de destaque nas nossas relações exteriores. Foi possível assegurar lotação adequada ou minorar a falta de funcionários.
Hoje, nossos embaixadores não correm o risco de passar pelo vexame do despejo ou de ter a luz cortada. Os projetos emblemáticos da Agência Brasileira de Cooperação estão em curso, graças à preservação do orçamento da agência. Adotou-se um código de conduta para o apoio fundamental prestado pelos setores de promoção comercial das embaixadas às empresas brasileiras.
O ímpeto anterior acertou em privilegiar a África, mas o fez de maneira atabalhoada. Baseou-se, sobretudo, na retórica dos laços históricos e culturais. Esses laços são obviamente um patrimônio, mas faltou traduzi-los em estratégia calcada não somente nos valores comuns, mas também nos interesses que cimentam parcerias duradouras.
Na estratégia para a África, o papel dos investimentos brasileiros continuará central, mas agora com padrões elevados de governança e transparência, para que a presença de nossas empresas seja fator de desenvolvimento e prosperidade.
Estive na África quatro vezes, percorri 16 países africanos, conversei com líderes políticos e empresários. Em todos os contatos, foi nítida a disposição de concretizar negócios e aprofundar a cooperação.
Faltava uma visão para a África que se encaixasse na expectativa dos nossos interlocutores africanos, que preferem ser vistos não com o olhar paternalista da falsa comiseração, mas como parceiros interessados em explorar oportunidades comerciais e de investimentos. A minha agenda na África enfatizou a busca de benefícios tangíveis. Em suma, menos retórica e mais resultados.
Viajei a países de todas as regiões do continente: de Argélia e Tunísia ao Senegal, África do Sul e Namíbia. De São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Angola a Moçambique, Gana e Nigéria. Fui o primeiro chanceler brasileiro a visitar o Maláui e o primeiro, em 35 anos, a visitar a Costa do Marfim. Compareci, em Moçambique, à inauguração do corredor logístico de Nacala, construído em parceria com a Vale.
Assinei acordos com os países visitados em diversas áreas, em particular com o propósito de abrir mercados e facilitar investimentos. Tratei da cooperação em comércio, investimentos, conexões aéreas, saúde, agricultura, finanças, defesa e energia.
Sob a presidência brasileira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (2017-2018), ocorreram 13 encontros ministeriais e várias reuniões técnicas para acertar políticas comuns, trocar experiências e adotar acordos em áreas como turismo, energia e igualdade de gênero.
O intercâmbio com a África cresceu 20% entre 2016 e 2017, alcançando US$ 14,92 bilhões. Com a integração da Apex ao Itamaraty, nossos setores de promoção comercial ganharam musculatura e estão mais bem preparados para prospectar mercados e apoiar a internacionalização das empresas brasileiras.
Cabe aos empresários aproveitar as imensas oportunidades que se abrem. A África já cresce a ritmo superior à média mundial, possui mercado consumidor em expansão e terá influência crescente na economia global. É um continente estratégico para o Brasil e para a construção de uma ordem multipolar.
É por isso que não há tempo a perder. Munidos de visão de longo prazo, estamos dando consequência prática ao nosso compromisso permanente com a África.